Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Novela": Série brasileira do Prime Video se perde pelo caminho

Cheia de altos e baixos, mas com algumas boas ideias, "Novela" brinca com metalinguagem para criar uma sátira que peca pelo excesso de didatismo

Vitória
Publicado em 02/08/2023 às 20h18
"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação
"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

As telenovelas são uma instituição brasileira reconhecida mundo afora. Ao lado do México, o Brasil é o país que mais exporta novelas no mundo – em vários países, as chances de um bom papo com um local sobre “Avenida Brasil” (exportada para 148 países), “Caminho das Índias” (117) ou “O Clone” (107) talvez sejam maiores do que falar de futebol. A força das telenovelas por aqui é tanta que elas contagiam a produção audiovisual brasileira com sua linguagem, além de ter formado um público consumidor para obras de outros países como México e, recentemente, Turquia.

“Novela”, série da Amazon Prime Video produzida pelo Porta dos Fundos, abraça o estilo novelesco de maneira cômica, criando uma narrativa que tem a novela como elemento principal, mas também como foco de sátira. Em oito episódios, a série acompanha Izabel (Mônica Iozzi), uma roteirista iniciante, apaixonada por novelas, que vê seu trabalho roubado pelo famoso Lauro Valente (Miguel Falabella). No dia da estreia, com direito a festa para a exibição do primeiro episódio, algo fantástico acontece e Izabel entra na novela como a protagonista. Logo ela descobre que pode mudar os rumos da trama como quiser, mas percebe também que tem que dar um jeito de sair dali e voltar à realidade.

Como era de se esperar, “Novela” brinca com os clichês, mas é irônico como a suposta autorreferência parece ser mais uma piada com novelas mexicanas, com suas idas e vindas absurdas, personagens reaparecendo do nada e laços familiares bem questionáveis. Ainda assim, é fácil relevar tudo isso quando se aceita o ridículo, o fato de Izabel estar dentro da novela e praticamente lutando com Lauro por seus rumos.

É nesse embate que “Novela” tem seus melhores momentos. Izabel precisa que a novela acabe e, para isso, se esforça para sabotar a trama. Vai acabar em casamento? Ela busca se casar o mais rápido possível. Do outro lado, Lauro e a produção tentam destruir os planos de Izabel, principalmente quando “Rebote do Destino”, a tal novela, se transforma em um sucesso de audiência devida à sua metalinguagem imprevisível.

"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação
"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

O texto tem algumas boas ideias, como a novela como um organismo “vivo”, se transformando a cada instante, e o mundo fictício parado para todos, menos Izabel, durante os comerciais. Outras ideias, porém, aparecem como muletas para o roteiro, como uma personagem que aparece sempre para dar direções à protagonista – é óbvio que não se espera lógica de uma trama fantasiosa, mas um mínimo de bom senso é necessário para que o espectador não se sinta subestimado.

“Novela” tem uma artificialidade intencional que funciona na maior parte do tempo. Tudo é aceito com muita facilidade para a série chegar a seu destino; ninguém nem questiona muito como Izabel foi parar lá dentro e o que seria preciso fazer para tirá-la de lá, apenas aceitam tudo e bola pra frente. O texto inicialmente até tenta buscar um tom de ficção científica com frases como “Isso não é ‘Black Mirror’”, mas esse espanto logo sai de cena, dando lugar à comédia e a tramas mais triviais, algo, afinal, que se espera de uma novela.

"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação
"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

Há um humor que se manifesta principalmente quando os atores parecem se divertir em cena. É engraçado ver nomes como Herson Capri, Suzy Rêgo, Ary França e Marcelo Antony rindo de uma piada ou de um improviso sem pudor algum em mais de uma cena. Em outros momentos, no entanto, “Novela” é quase constrangedora, com um humor que não funciona, mas que se repete à exaustão. O elenco ainda tem Maria Bopp, Luana Xavier, Pedro Fortoni, entre outros, todos comprando a canastrice da série, alguns com mais empenho que outros. Em contrapartida, o conflito se esvai, principalmente pelo não aproveitamento de Lauro como um antagonista.

“Novela” brinca com a estética das novelas mexicanas exibidas no Brasil, principalmente as dos anos 1990 e do início dos anos 2000. Quando acompanha Izabel dentro da trama, a série opta por cores mais saturadas ao centro da imagem e por cores mais distorcidas perto das bordas, uma provável referência às TVs de tubo da época. A série tem um certo anacronismo, talvez até para reforçar esse aspecto e prender o espectador pela nostalgia, mas isso também a afasta de um público mais amplo.

"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação
"Novela" brinca com clichês das telenovelas brasileiras em trama absurda. Crédito: Amazon Studios/Divulgação

Cheia de altos a baixos, “Novela” diverte, mas depende muito de referências que o espectador talvez não tenha, principalmente os mais jovens. Em vários momentos, a série parece uma brincadeira entre amigos que resolveram tirar do papel uma ideia surgida durante um brainstorm lisérgico. O resultado é agridoce, excessivamente expositivo, com Izabel explicando tudo o que vemos em tela, e carece de sutileza. Ao fim, o texto ainda opta por um gancho para novos episódios de uma trama que parece se esgotar sem chegar, de fato, a uma conclusão satisfatória.

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