Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Fepaschoal lança o incendiário e climático EP "Monazita"

Em "Monazita", Fepaschoal constrói uma experiência sonora que mistura música regional, reggae, dub e música pop, tudo com urgência

Vitória
Publicado em 13/01/2021 às 02h03
Músico Fepaschoal
Músico Fepaschoal. Crédito: Acervo pessoal

No final da primeira década deste século, Fepaschoal foi uma das grandes surpresas da música capixaba. O músico de Guarapari misturava música regional, rock, reggae, tropicalismo e o que mais viesse a sua mente para criar uma sonoridade única. Em 2011, lançou o ótimo “CMDO Guatemala”, disco que foi sucedido, em 2016, por “O Canto Urbanóide, Parte 1”. Sem nunca se repetir, mas sempre mantendo sua assinatura, o músico agora lança o EP “Monazita”, com três faixas que mostram um Fepaschoal desacelerado, mas não menos incisivo.

Durante o isolamento social, Fepaschoal gravou quase tudo sozinho, em seu estúdio caseiro, o que lhe permitiu experimentar sonoridades e ritmos. “Acredito que o cenário de isolamento contribuiu mesmo para esse processo em solitude. Mas há também um quê de autodesafio… Tô feliz com o resultado!”, explica o músico, fazendo questão de ressaltar pessoas que participaram do processo com ele: “Há uma participação do Tomaz Freitas, um amigo de infância de SP, que tocou teclados em 'Monazitas', Alexandre Barcelos que masterizou, Paula Gasparini, que me cedeu uma linda tela pra usar como capa ,e minha parceira, Julia Galdino, que está produzindo junto comigo os materiais de vídeo”.

“Monazita” se inicia com “Maria Ortiz”, um chamado revolucionário com baixo pesado e pegada meio dub/soul. Com guitarras inspiradas nas trilhas de Ennio Morricone e flautas de bambu, a música tem a experimentação que marca a carreira de Fepaschoal. “Uma canção antifascista inspirada na personagem histórica que ajudou a expulsar invasores holandeses da ilha de Vitória no século XVII. São ideias incendiárias que podem passar despercebidas ao longo do instrumental inspirado na cena setentista do Brasil onde o soul e o funk se fundem aos ritmos brasileiros para dar vida a um groove único”, explica o músico.

“Chama Maré”, que vem a seguir, é mais pop, com efeitos vocais e pegada indie. O EP se encerra com a ótima “Monazitas”, que faz referência não apenas a Guarapari, mas também à história de que a areia monazítica teria sido estudada para a fabricação de bombas atômicas. Segundo Fepaschoal, a música tem uma sonoridade “lounge-arrocha”, “influenciada pelo Smoth Jazz e Quiet Storm de Sade em ‘Smooth Operator’. Um arranjo que se desenvolveu a partir da frase da introdução de Equinox de John Coltrane e ganhou vida própria”.

“Monazita” é curtinho e deixa um gostinho de “quero mais”; um disco diferente, mas que se encaixa com perfeição na efervescência criativo de seu autor. Confira abaixo a entrevista em que Fepas fala sobre música, pandemia e sua opção pelo “faça você mesmo”.

Você sempre passeou por um leque de influências enorme, e esse EP acho que resume tudo isso. Como manter sua identidade nesse processo? As músicas são frutos de um momento que você vive ou algo que você vai alimentando e criando aos poucos?

Procuro deixar a música fluir livremente antes de pensar em estilo. Repito alguns processos criativos que talvez seja o fator que atribua uma identidade própria ao meu som, embora eu não tenha muito esse apego em manter uma… Quando sinto que tem groove, letra poética, dou continuidade ao processo e vou embora...

Você opta por letras curtas, que se repetem durante boa parte das músicas, algo meio regional, congo, meio música eletrônica, meio dub… Por quê?

Sim, em algumas canções eu faço letras mais curta. Claro que isso vem também das influências que você citou, que fazem parte do meu escopo junto com os curtos haikaiss do (Paulo) Leminski, junto aos mantras yogins e ao samba de partido alto, que fazem uso de repetição, etc. Mas acho que vem também daquela hora no processo criativo que eu olho para o que está escrito e penso "Tá pronto! É isso!"

Como você, como artista, tem lidado com essa falta de shows?

Não é fácil. Sinto saudades, mas entendo e sigo as recomendações médicas (dos médicos sérios). Não iremos superar a pandemia se boa parte das pessoas continuarem a vida normalmente antes de se vacinarem, como estão fazendo.... Eu não fiz nenhuma apresentação presencial desde o início da pandemia e sei que há uma cadeia de produção super dependente de eventos e shows. Eu pude usar desse recolhimento para produzir meus projetos e tocar dentro do estúdio outros projetos que estou e estive envolvido, para garantir meu sustento. Mas para a galera dos bastidores, roadies, técnicos de som e produtores, o negócio não tá bom. Aproveito aqui para chamar as pessoas pra contribuírem com o @sosgraxa_es

O EP é mais introspectivo e menos “roqueiro” que seus trabalhos anteriores, que tinham bastante de rock psicodélico brasileiro. Foi uma mudança planejada?

Rolou sim uma intenção de não usar distorção e porrada dessa vez. Queria um EP que fosse um aconchego no meio do caos e, ao mesmo tempo, um pedido de socorro engarrafado e lançado ao mar… Uma viagem sonora fluida... Mas a psicodelia, o espírito "Do It Yourself" e pé no balde que herdei da época de guri e banda punk de garagem, de alguma forma, estão ali também...

É também seu primeiro lançamento tendo feito tudo sozinho. Isso influencia de alguma forma na sonoridade? Como foi essa experiência? Foi fruto do isolamento ou algo que você já planejava fazer?

Não cheguei a fazer TUDO sozinho. Há uma participação do Tomaz Freitas, um amigo de infância de SP, que tocou teclados em "Monazita", Alexandre Barcelos que masterizou, Paula Gasparini que me cedeu uma linda tela pra usar como capa e minha parceira Julia Galdino que está produzindo junto comigo os materiais de vídeo... O resto, relativo à produção musical, sim, eu encarei sozinho, até a mixagem. Acredito que o cenário de isolamento contribuiu mesmo para esse processo em solitude. Mas há também um quê de auto-desafio… Tô feliz com o resultado!

Fepaschoal

Músico

"Eu me manifesto abertamente sobre o que penso de política. Já me indispus com alguns colegas por isso. Eu não deixo quieto quando testemunho uma semente do autoritarismo nas palavras e atitudes de alguém"

O EP tem diversas referências regionais inseridas em uma sonoridade ampla. A escolha pelas “areias monazíticas” é óbvia e Guarapari tá até em outras músicas suas, mas e Maria Ortiz, como surgiu esse chamado revolucionário?

Quem conhece a história da personagem histórica Maria Ortiz, e o que ela fez com aquela água fervente, vai entender que essa canção é um manifesto antifascista de pujança dançante, pois não haverá revolução sem dança, evocando sua figura.

Quando a gente é moleque, acha que punk é moicano, música suja e ser malvadão. Você faz tudo com uma postura 100% punk, do "do it yourself" ("faça você mesmo") e uma sonoridade nada a ver com o que se chama de punk. É a maneira como você vê arte, um modus operandi que você escolheu pra sua carreira?

Eu me manifesto abertamente sobre o que penso de política. Já me indispus com alguns colegas por isso. Eu não deixo quieto quando testemunho uma semente do autoritarismo nas palavras e atitudes de alguém. Não tenho dúvida de que boa parte da consciência política que tenho hoje se deve a uma introdução discursiva por meio de letras de bandas como Mukeka di Rato, Dead Fish, Bad Religion… Não nego uma raiz punk dentro do que construí artisticamente. O fato de eu querer pegar e fazer minha música e foda-se, já diz isso. Mas vamos dizer que minha postura não é 100% punk né? O punk é apenas uma das várias vertentes artísticas anti-autoritarismo que eu misturo no meu caldo.

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