Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Cursed: A Lenda do Lago", da Netflix, é ótima fantasia medieval

Baseada no livro de Tom Wheeler e Frank Miller, "Cursed: A Lenda do Lago" chega à Netflix com uma visão diferente das lendas arturianas

Publicado em 17/07/2020 às 04h01
Atualizado em 17/07/2020 às 11h14
Série
Série "Cursed: a Lenda do Lago". Crédito: Netflix

Para a geração que era criança nos anos 1980, na qual me incluo, o contato com a lenda do Rei Arthur se deu pela série de animação “Rei Arthur”, à época exibida pelo SBT e chamada apenas de “desenho animado”. Produzida pelo Toei Animation, a série teve 52 episódios divididos em duas temporadas, mas nunca foi devidamente concluída.

A lembrança é clara, da música de abertura à trama. Resgatado por Merlin de um ataque ao castelo do Rei Uther, seu pai, o príncipe Arthur foi criado como um filho por um cavaleiro. Um dia, aos 15 anos, ele se deparada com uma espada cravada numa pedra, era a lendária Excalibur, e somente o legítimo rei da Inglaterra conseguiria retirar a espada dali - ele, é claro, conseguiu. Quando descobre quem realmente é, Arthur e seus Caveleiros da Távola Redonda decidem enfrentar o rei Levik e a feiticeira Morgana, responsáveis pela morte dos pais de Arthur… Bateu até uma nostalgia.

Ao longo de décadas, histórias baseadas nas lendas arturianas - nem sempre focadas em seu protagonista - ganharam as telas. Algumas são muito famosas, como a animação “A Espada Era a Lei” (1968) ou os dois filmes devidamente intitulados “Rei Arthur” - o de 2004, dirigido por Antoine Fuqua (“Dia de Treinamento”), e o de 2017, sob a batuta de Guy Ritchie ("Snatch: Porcos e Diamantes"). Outros, contudo, se apropriaram da força pop das histórias e as adaptaram para outro universo, podendo incluir aí “Shrek Terceiro” (2007), Transformers: o Último Cavaleiro” (2017) e o clássico “Monty Python e o Cálice Sagrado” (1975).

Há muito mais além desses, com histórias centradas em Lancelot, Guinevere, Merlin, entre outro, mas há poucas ou quase nenhuma trama audiovisual com protagonismo para a Dama do Lago, fada que, segundos as lendas, tinha a missão de entregar a Excalibur para Arthur. Na literatura, porém, o cenário é diferente; a personagem é importantíssima em escritos de Bernard Cornwell, principalmente em “Excalibur”, e também protagoniza “Cursed”, livro de Tom Wheeler com ilustrações de Frank Miller agora transformado em série pela Netflix.

CURSED

Adaptada para o formato televisivo pelos próprios Wheeler e Miller, “Cursed” é mais uma versão para a história da Dama do Lago, uma versão mais pop e até um pouco adolescente. Na trama, construída sobre a clássica estrutura da jornada do herói, Nimue (Katherine Langford) é uma jovem que recebe da mãe, pouco antes de sua morte, uma espada ancestral e uma missão: entregá-la ao mago Merlin (Gustaf Skarsgård, o Floki de “Vikings”). Durante sua jornada, ela encontra o mercenário Arthur (Devon Terrell) e, juntos, enfrentam os Paladinos Vermelhos do Rei Uther (Sebastian Armesto).

Série
Merlin na série "Cursed: a Lenda do Lago". Crédito: Netflix

“Cursed” reinventa toda a mitologia do Rei Arthur e dá protagonismo a Nimue, que vai aos poucos se transformando na Dama do Lago. A série também tem arcos que dizem respeito a Arthur, que às vezes funciona como um coprotagonista, e aparições pontuais de vários nomes conhecidos do universo da lenda arturiana.

A série é uma aposta para capitalizar a onda de atrações do gênero, algo que voltou à tona com “Game of Thrones” e agora continua com “Vikings” e “The Last Kingdom”. Em alguns momentos, porém, se torna adolescente demais, algo em que série difere de livro - a obra tem mais conteúdo sexual e bastante violência gráfica, oferecimento de Frank Miller. Outro problema reside em algumas cenas com computação gráfica que deixam a desejar, mas nada que comprometa.

Ao transformar todos os aspectos da lenda arturiana, a série oferece possibilidades interessantes, mas pode incomodar puristas. Enquanto Nimue se transforma numa heroína inicialmente relutante, mas que vê crescendo em torno do seu nome histórias de uma guerreira, Arthur se torna o mercenário de caráter duvidoso. Já o lendário Merlin tem sua magia deixada de lado e é construído com características de um charlatão, mas também como um sujeito inteligente e com excelente leitura de mundo.

Série
Arthur na série "Cursed: a Lenda do Lago". Crédito: Netflix

Sem entrar em muitos detalhes que podem configurar spoilers e estragar a experiência de quem assiste à série, “Cursed” é uma trama competente. Katherine Langford tem um ar de ingenuidade que combina com a jornada de descobertas de Nimue, e Gustaf Skarsgård oferece aquele charme meio sociopata que conhecemos a Merlin. O único que demora para se encontrar é Arthur, não por culpa de Devon Terrell, que faz o que pode, mas pelo roteiro muitas vezes confuso. A ideia de trazer os personagens para uma versão mais próxima da realidade funciona bem na maior parte do tempo, mas algumas escolhas do texto ficam no quase.

“Cursed” tem a árdua missão de agradar tanto os fãs das lendas arturianas quanto os não-iniciados, e acredito que se sai bem nisso. É uma série divertida, com bons atores e boa produção sobre temas universais como descobertas, intolerância religiosa e luta por poder. Com um universo tão rico e cheio de personagens, a série pode ser expandida por caminhos distintos em futuras temporadas.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.