Nessa coluna, Nanda Perim fala de sua experiência como psicóloga e educadora parental, dando seu parecer sobre questões atuais da educação infantil, trazendo dicas, humor e muita novidade boa!

Como sua criança vê o tempo que passa com você?

A psicóloga Nanda Perim explica que a nossa forma de estar no relacionamento com nossos filhos reforça crenças que se tornam padrões de comportamento. Registrado, esse comportamento é aprendido e será repetido, criando um rótulo

Publicado em 28/05/2020 às 08h00
Atualizado em 28/05/2020 às 08h51
Mãe dando salada na boca da filha
Mãe dando salada na boca da filha. Crédito: Freepik

Muita gente já percebeu que a quarentena está sendo tempo de conhecer melhor nossa família, certo? E isso inclui nossos filhos. Conhecer melhor, ver com outros olhos, saber cada detalhe. Mas tem um aspecto dessa novidade que precisamos entender: estamos também descobrindo uma nova forma de nos relacionar. Esse convívio intenso e ininterrupto é também uma oportunidade de descobrir essa relação, como se dá, como chegamos nela, e o que precisamos mudar. Mas para conseguirmos fazer essa análise, primeiro precisamos colocar nossa atenção nisso. Precisamos ouvir com atenção e olhar para ver cada aspecto dessa relação que precisamos mergulhar a fundo para entender. E para te ajudar, aqui vão alguns exemplos do que você pode observar e quais os possíveis pontos que você pode perceber e precisar mudar. De onde tirei isso? Dos mais de 1300 alunos que tive, das centenas de dúvidas que tiro e de mensagens que respondo, além das centenas de livros e cursos que fiz ao longo da vida, e ainda faço.

No convívio diário com nossos filhos, muitos comportamentos nos incomodam. Quando a criança não brinca sozinha, quando a  criança está muito barulhenta, quando pede ajuda para comer, quando não se interessa pelas atividades da escola, quando se isola (o que é mais comum entre adolescentes). Os pais chegam pra mim cheios de queixas de como seus filhos são, contam o que eles fazem e como isso  os incomoda. Tem também os pais que não chegam até mim, porque o comportamento do filho pode até não ser muito legal, mas não incomoda. É aquela criança que só quer ver TV o dia todo, só quer ficar sozinha no quarto, e os pais entendem que ela ‘decidiu’ ficar sozinha e a deixam lá, aproveitando para mergulhar nas outras tantas atividades que os preocupam.

Mas o que todos esses comportamentos têm em comum, incomodando ou não,  eles nos dão muitas informações. Mas para ouvir o que os comportamentos informam precisamos realmente observar, querer ouvir, querer enxergar. Porque na maioria das vezes o que eles nos dizem preferimos ignorar.  E o que você, enquanto o adulto da relação, tem de responsabilidade naquele comportamento, o que precisaria - ativamente - fazer para que aquele padrão começasse a mudar. Vou te dar alguns exemplos:

A criança está lá, sozinha na sala, vendo TV porque você está trabalhando, precisa trabalhar. Ok. Enquanto ela assiste, come um pão e faz a maior bagunça. Você, passando por lá, vê a bagunça, para e diz: "Opa, que bagunça! Vamos pegar uma vassoura pra limpar? Você me ajuda?”  A criança, toda empolgada, pensa: "Eba!  Consegui a atenção da mamãe. Adoro!” E aprende:  "Quando faço bagunça ela aparece e fica um pouco comigo". Registrado, aprendido, será repetido. Eventualmente, vem a reclamação na minha caixa de mensagens: "Meu filho está muito bagunceiro nessa quarentena! Não sei mais o que fazer” E aí? O que esse comportamento te informa? O que essa criança, na verdade, precisa? E como dar isso a ela de outras formas?

Outro exemplo: a criança pequena come devagar, faz sujeira e isso te dá nos nervos. Você passa a dar comida na boca dela, assim ela come mais, mais rápido e sem bagunça. A criança tem sua atenção, tem você presente, tem seu sorriso (sua felicidade por tudo que está acontecendo como você prefere é evidente) e a criança pensa: "Eba! Quando não como sozinha, minha mãe fica comigo e bem feliz". E também: "Nem sei se consigo comer sozinho, ela faz isso tão bem". Registrado, aprendido, será repetido. Eventualmente, também chega a reclamação: "Meu filho só come com minha ajuda! Não aguento mais!  Não sei mais o que fazer!" E aí? O que esse comportamento te informa? O que essa criança, na verdade, precisa? E como dar isso a ela de outras formas?

Vamos de mais um exemplo bem comum de quarentena: a criança está sempre sendo criticada por seus pais: o jeito que faz atividade, o jeito que arruma as coisas, o jeito que brinca. Os pais querem controlar tudo, reclamam de tudo. A criança pensa “não faço nada direito, minha mãe nem gosta de ficar comigo porque faço tudo errado, melhor eu nem fazer, e ficar longe dela”. Registrado, aprendido, será repetido. Eventualmente, vem a reclamação na minha caixa de mensagens: “Meu filho está se isolando”. "Meu filho não tem interesse em fazer atividades da escola”.  E aí? O que esse comportamento te informa? O que essa criança, na verdade, precisa? E como dar isso a ela de outras formas?

Quer mais um exemplo? Vamos lá! A criança pede atenção, pede de novo, pede mais uma vez, e nada. Ela se sente ignorada, seu corpo lotado de hormônios para lidar com esse estresse começa a se agitar. A criança corre, energia lá em cima, e com toda essa energia ela começar a falar alto e gritar. Agora ela tem sua atenção. Incomodado, você briga, grita,  tem longas conversas sobre isso. A criança pensa: "Eba! Quando grito a mamãe para de trabalhar e vem ficar comigo. Ela geralmente tá meio brava, mas é melhor que nada!”  Registrado, aprendido, será repetido. Eventualmente vem a reclamação na minha caixa de mensagens: "Meu filho está muito barulhento, faz tudo agitado, gritando! Não sei mais o que fazer!” E aí? O que esse comportamento te informa? O que essa criança, na verdade, precisa? E como dar isso a ela de outras formas?

Vamos para o último? Vamos lá! Tem dias que você brinca com a criança de manhã, dias que não brinca. Tem dia que brinca de noite, dias que não brinca. Se você vai ter tempo só pra ela ou não naquele dia, ela não sabe. Até porque não tem tempo certo para ela. Então ela fica insegura e, precisando desse tempo, ela gruda em você. Ela fica o tempo todo dizendo: "Mamãe, olha isso!", "Papai, brinca comigo!", fazendo coisas para se sentir ouvida, percebida, vista. Quando brinca sozinha, se concentra, se diverte, mas se sente esquecida porque você aproveitou que estava distraída para fazer outra coisa, e outra, e emendou em mais uma. A criança pensa: “Será que eles lembram que ainda precisam brincar comigo? Não posso brincar aqui sozinho senão eles vão esquecer que eu existo! Preciso ir lá, ficar perto e lembrar eles!” Registrado, aprendido, será repetido. E eventualmente vem a reclamação: "Meu filho não brinca sozinho! Não sei mais o que fazer!”  E aí? O que esse comportamento te informa? O que essa criança, na verdade, precisa? E como dar isso a ela de outras formas?

Bom, acho que já deu pra entender. Nossa forma de estar no relacionamento com nossos filhos reforça crenças, que se tornam padrões de comportamento. Registrados, esse comportamento é aprendido e será repetido, se tornando um repertório. E logo se torna um rótulo. "Meu filho é carente". "Meu filho é barulhento". "Meu filho é inseguro...” E assim, esse comportamento se consolida cada vez mais como uma parte de sua ‘personalidade’ ao invés de ser visto como algo aprendido em seu contexto familiar.

Mas, calma, meu objetivo não é fazer você se sentir culpado. A culpa não nos serve para nada! Precisamos apenas nos responsabilizar. Isso mesmo, entender que nossa parte existe e que nunca seremos perfeitos. Precisamos entender que a única coisa que nos cabe é analisar e perceber o que precisamos mudar.  Exercitar a mudança, consciente dela, e sem nos cobrar ser perfeitos. E usar essa quarentena para melhorar nossas relações, para entender como chegamos nelas e qual é a nossa melhor versão a partir de agora.

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