Médico, psiquiatra, psicanalista, escritor, jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E derradeiro torcedor do América do Rio

Não precisa de microfone quem tem à disposição garrafas vazias

Outro dia, na reunião semanal dos inconscientes amigos da dor e da felicidade sem culpa, lembramos dos cantos que impunemente cometíamos quando nos dispúnhamos a cantar

Publicado em 16/09/2019 às 19h57
Música e terapia para sanar dor e sofrimento. Crédito: Divulgação
Música e terapia para sanar dor e sofrimento. Crédito: Divulgação

Não é de hoje que circula nas conversas das feiras às academias de ciência a crença segundo a qual toda regra tem exceção. Seria então a pesquisa acadêmica a busca frenética das exceções, dos desvios, do erro? Então vejamos: no discurso da pessoa em processo de terapia, por exemplo, seria uma busca inconsciente de caminhos para aplacar sua dor.

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Como se houvesse um segredo, um código a desvelar e este estaria em poder do outro, no caso, um outro. Cuidador profissional ou não. Os fenômenos que ajudam a erguer podem estar até em um carnaval e sés estímulos ou um olhar encantado, de admiração ou de raiva, tanto faz.

Outro dia, na reunião semanal dos inconscientes amigos da dor e da felicidade sem culpa, discutíamos com convicção sobre absolutamente nada, como é o costume desde o tempo das carteiras das universidades que ofertavam repetidamente o saber e dos bares próximos que ofertavam o lazer. Daí a lembrar dos cantos que impunemente cometíamos quando nos dispúnhamos a cantar canções daquele tempo e anteriores.

E tome desafinação convicta. Não sei se por descuido ou gosto puro deixamos de fora as que traziam no âmago questões políticas. Decidimos em ter que dizer, que independentemente da nossa vontade, a Terra vai manter o movimento de rotação e translação, as matas queimarão, e os que manipulam o dinheiro do povo roubarão, os miseráveis perversos matarão. E olha que todos nós somos contra isso tudo.

Foi por isso que a primeira a ser executada pelo grupo não foi “Andança”. Fiz pela centésima vez a seguinte observação, muito embora – como dizia Pedro Maia – todo mundo já sabia: todo bolero, tango, macha rancho trata de dor, tristeza. Não há louvação no cancioneiro que pulsa do peito. Por essas e outras que, em aviso prévio, corta o ar: “Quem sou eu pra ter direitos exclusivos sobre ela...” e por aí vai. As mesas próximas tomaram segura distância. Não sei por que sempre acontece isso. Daí para “Por una cabeza”, foi um gole.

Minha senhora, naquele sábado, a orquestra sinfônica do inferno, como insinuam espíritos amargos e estreitamente positivos, colocou em dia o inacabável repertório, com a delicada tarefa de compor trechos que a memória escondeu. Mas isso nunca foi problema para nós, já faz tempo. E não precisa de microfone quem tem à disposição garrafas vazias, que fazem o mesmo efeito. Ou será que não fazem?

E antes que alguém cantasse “Papel Machê” pela décima vez, levantamos todos ao mesmo tempo, ritual que obedecemos tradicionalmente para evitar o fenômeno “língua de trapo”. Aí eu teria que contra-atacar com “Agonia”, do Oswaldo Montenegro.

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