Mariana Reis é administradora de empresas e educadora física. É pós-graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória

Quem é a bruxa?

Jogar as diferenças físicas num caldeirão mágico e transformar nossas lutas, por equidade, em ratos pode ser uma poção amarga a nos enfiar goela abaixo

Publicado em 24/11/2020 às 15h41
Atualizado em 24/11/2020 às 15h46
Divulgação
A vilã interpretada por Anne Hathaway tem dedos faltando em suas mãos, e isso é apresentado na trama como sinal de pessoa malévola. Crédito: Divulgação

Longe de mim ser uma comentarista de cinema, mas me arrisco aqui mais uma vez para falar de um filme com cenas tão preocupantes quanto triunfantes. Quem não viu nem sei se precisa ver. De todo modo, Convenção das Bruxas, divide opiniões quanto ao capacitismo das pessoas com deficiência retratada nas cenas.

O filme é uma adaptação do livro de Roald Dahl e que, em 1990, se transformou num clássico. Lembro-me bem de ter ficado impressionada com os efeitos do longa naquela época. Apesar de aterrorizante, o meu olhar era mais para as maldades e a beleza da Anjelica Huston.

Na nova versão, que estreou no Brasil neste mês, dirigido por Robert Zemeckis, a vilã interpretada por Anne Hathaway ( que esteve inesquecível em o Diabo Veste Prada) tem dedos faltando em suas mãos, e isso é apresentado na trama como sinal de pessoa malévola. Só que essa percepção pelas crianças da nova geração do filme pode perpetuar os estereótipos de que as deficiências são anormais ou assustadoras. Aí é que está o alvo das muitas críticas pelos movimentos de pessoas com deficiência direcionadas à obra.

A deficiência da mão da bruxa tem nome

A ectrodactilia, também conhecida como defeito em lagosta ou mão/pé fendidos, é uma forma de ausência congênita de um ou mais dígitos, que envolve os raios centrais da mão e do pé. Também tem o nome de síndrome de Apert e é uma das quase 6 mil anomalias genéticas estudadas. Foi descrita em 1906 pelo médico francês E. Apert.

O Brasil não tem estatísticas oficiais sobre a incidência dessa síndrome. Mas se acredita que a ocorrência seja de um para cada 70 mil nascidos.

Para além das convenções

Num mundo em que todos querem parecer bonitos, entendendo de forma equivocada que o melhor que temos está na aparência, não é difícil que as crianças, com seus adultos, alijados da diversidade humana, associem a deformidade da mão da bruxa com a do seu colega na escola ou na sua rua.

Atualmente, em que o capacitismo está tão em evidência, por mais que seja ficção, colocar uma deficiência aleatoriamente - e sem conhecer de fato sobre ela - soa como uma criação inconsequente e até irresponsável, já que os filmes podem impactar de forma muito perigosa em  inúmeras mentes em formação.

Bem mais que bruxarias

Temos muitos exemplos de personagens com deficiência que retratam a realidade em outros aspectos e que fazem a sua interpretação ou papel transcenderem suas deficiências.

No filme “ Remédio Amargo”, por exemplo, um cadeirante tem um relacionamento abusivo com a namorada. Isso não significa que todos os cadeirantes são assim. Não é o fato de ter uma deficiência, mas de representar um cotidiano de muitos casais

E o professor Xavier, de X-Men? Ele é cadeirante e reconhecido como o mutante mais poderoso que já pisou na terra. Um telepata absolutamente extraordinário. Eu só queria um pouco dos seus poderes.

Na vera

Fazendo uma ponte para a minha realidade, também vivo num mundo onde muitos têm em seus rostos, mãos, pés, corpos, marcas da diferença, e que todos os dias temos que mostrar que somos iguais em dignidade e em direitos e que todos nós (sem exceção) estamos em busca de amor e aceitação. Jogar as diferenças físicas num caldeirão mágico e transformar nossas lutas, por equidade, em ratos, pode ser uma poção amarga a nos enfiar goela abaixo.

Ficção ou realidade, quando se refere à vida humana, é preciso respeito.

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