Era uma vez três amigos, o vip, o chique e o elegante.
Não que eu saiba lá muito sobre uma ou outra coisa. Mas trago comigo algumas desconfianças.
Vip, como até vovó de minissaia já sabia, quer dizer “very important people”. A expressão serve (servia) para designar pessoas muito importantes. Mas há tempos serve só mesmo para designar o sujeito que usa uma pulseirinha de papel colorida que dá, por exemplo, acesso a toda geografia de uma festa. Mais ou menos assim: uma pessoa tal –– que não tem relevância alguma em Cariacica, no Planalto Central, na Pavuna, nem na organização do mundo mundial –– numa determinada casa noturna, pertence a uma categoria especial.
Ele é “vip”. É, ou porque faz parte do “mailing list”, ou porque pagou mais caro por isso, ou porque é famoso em algum sentido.
Nota: dizem que antigamente, “vip” era vip mesmo: aquele que entrava na festa e sentava na mesma mesa do Pelé. Só que ninguém usava pulseirinha e todo mundo pagava o que consumia.
Maria Sanz Martins
Cargo do Autor
"Dizem que antigamente, “vip” era vip mesmo: aquele que entrava na festa e sentava na mesma mesa do Pelé. Só que ninguém usava pulseirinha e todo mundo pagava o que consumia"
Já “chique” é o sujeito que sabe se comportar de modo distinto. É aquele que ostenta modos e grifos. Chama atenção porque fala com o sotaque do idioma “exclusivo” – cheio de pingos, aspas, brasões, cifrões e negritos... É “fino”. Mas, acima de tudo, o sujeito tido como chique domina uma espécie de técnica –– você sabe, existe uma infinidade de livros e manuais sobre isso. Ele sabe como se vestir para cada tipo de festa, sabe manusear a pinça de comer o caracol de Bourgogne, sabe examinar olfativamente o bouquet de um vinho, sabe escolher um bom champanhe, sabe combinar a meia com o sapato e sabe diferenciar um panamá falsiê de um legítimo. Ele conhece o maître do restaurante e o concierge do hotel; conhece óperas e lugares paradisíacos. E mais: ele sabe preparar um bom Martini. É, ele pode saber tu-do sobre sofisticação. Ou, dependendo do ponto de vista, apenas isso.
E tem o sujeito elegante... Que a princípio pode soar parecido com seus colegas diferenciados, mas, na verdade, tem pouco a ver. Porque muito longe de ser uma técnica, ou uma pulseirinha, a elegância é um estado de espírito.
Uma forma de arte...
É a arte da convivência rica: aquela que não diferencia classes, credos, cores, nem hierarquias. Os elegantes de verdade não economizam gentilezas ou sorrisos dependendo de onde o outro vem, para onde vai, ou o que ele faz para ganhar a vida. Elegantes evitam pré-julgamentos e são verdadeiros com os outros e, sobretudo, consigo mesmos.
São interessados em assuntos que desconhecem porque são sabidos: aprendem coisas tanto banais, quanto incríveis com todas as pessoas com as quais convivem. E se sujeito elegante enxerga além das aparências é porque ele é sensível. Tem coração aberto.
Conhece de perto o esplendor do amor, por isso sabe ser generoso com os outros e consigo. Elegante é quem sabe reconhecer os próprios limites! É quem não se leva tão a sério, e sabe rir de si mesmo. Tropeça, cai, levanta, dá a volta por cima. Sem show, sem drama. Mesmo porque, elegante é aquele que não tem frescura: seja qual for a música, ele dança.
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Então, saíram para dançar, os três bacanas. Chegando na festa, toparam com uma baita fila que rodava o quarteirão. Mas como a noite prometia, saltaram do carro e partiram para a ação. O vip se adiantou, dizendo que logo resolveria. O chique resmungava baixinho, chateado porque, como chovia fino, havia lama pelo chão (e ele amava o próprio sapato). O elegante, sem querer, engatou um papo com uma garota ruiva que veio até ele perguntar se não queria comprar dela o ingresso, porque ela havia desistido daquela festa.
Nem preciso contar o final, preciso?
Tá bom.
O vip foi até a porta e gastou meia hora até conseguir falar com a hostess da casa, que se desculpou arranjando dez pulseirinhas do camarote e uma mesa perto da pista. Então ele voltou glorioso para resgatar os amigos. Um deles havia desaparecido. (Depois de tomar o segundo esbarrão, o chique tomou um táxi para o seu restaurante preferido, onde limparia com urgência os sapatos de pelica, depois degustaria um vinho acompanhado de um filé trufado). Encontrou apenas o outro, que estava animado de mãos dadas com uma linda garota de sardas, e agora sugeria que fossem todos para uma festa irada do outro lado da cidade.
Por fim, assim acabou a balada: um curtiu a noite cercado de ilustres desconhecidos no cercadinho do camarote lotado, o outro pagou a conta do restaurante e foi para casa; e o terceiro sambou até de manhã na quadra da escola da comunidade, depois dormiu nos braços dela, elegantemente suado.
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