É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Não traia a si mesmo

Trair-se, pelo que quer que seja, é plantar um pé de ódio pelo objeto causador da traição... Assim, mais importante do que impedir que outro nos traia, talvez seja garantir que ele não incorra no risco de trair a si mesmo (em nosso nome)

Publicado em 10/10/2020 às 08h00
Atualizado em 10/10/2020 às 08h00
Universo na silhueta de um rosto feminino; autoconhecimento; crônica de maria sanz
Viver o amor no saldo positivo depende de uma boa dose de autoconhecimento. Crédito: Shutterstock

Nota de abertura: nosso desejo não está dado na bandeja. Por estranho que pareça, ele precisa ser decifrado... Na verdade, ele é da ordem do mistério em nós, se mostra em códigos e, portanto, requer alguma coragem, tempo, prática, e quiçá uma análise, para ser revelado.

–– Ainda assim, a maior traição possível é a traição do nosso próprio desejo. Que fique dito.

Trair-se, pelo que quer que seja, é plantar um pé de ódio pelo objeto causador da traição... Assim, mais importante do que impedir que outro nos traia, talvez seja garantir que ele não incorra no risco de trair a si mesmo (em nosso nome). Porque esta é a certeza de que seremos odiados em alguma medida, mais cedo, ou mais tarde.

Simples assim.

Como no clássico: ela queria se formar em jornalismo e trabalhar na bancada de um telejornal, ele sonhava em ser guitarrista profissional. Ela então abriu mão da faculdade para viver a devoção ao sonho dele. Mudaram-se de cidade e batata: na metade do terceiro capítulo, mais precisamente depois da chegada do primeiro filho, pequenas fagulhas de ódio brotavam por toda parte. Ela já não suportava as noites de ensaios; os shows, já não frequentava, e até as cores das guitarras penduradas na sala irritavam.

Não é que o amor tenha acabado. Ao contrário, o amor quase sempre resiste. A questão é o comparecimento da raiva (psiquicamente justificada). O ressentimento que põe tudo a perder.

Acontece.

Mas é sempre uma aprendizagem, perceba.

Não é raro que façamos escolhas de difícil compreensão quando se tratam de relações. É como se a dificuldade fosse, inclusive, um fator "sine qua non"... Ou seja, inconscientemente procuramos uma espécie de desafio a ser superado; um obstáculo a ser vencido; uma certa complicação, no mínimo.

Esperamos do outro alguma coisa que não sabemos exatamente o quê, mas que seja suficiente para nos fazer mudar. Mudar de planos, mudar de rumo, de hábitos, de cidade... O que, a princípio, indica que o amor seja um mecanismo promotor de (desejáveis) mudanças. Ainda assim, na medida em que suprimimos o desconhecido-porém-essencial-em-nós, ressentimos.

Fato é que podemos aprender a amar sem nos deixarmos trair por nós mesmos. Sem subtrair ou negar a própria essência, sem recalcar o próprio desejo. Mas para isso, atente, faz-se necessário nos conhecermos.

Portanto, viver o amor no saldo positivo depende de uma boa dose de autoconhecimento. Porque enquanto formos ignorantes daquilo que realmente queremos, e seguirmos supondo o caminho de uma vida "ideal", sacrificando o sujeito do inconsciente, fazendo juízo sobre ele, ou nos acovardando a seu respeito, culparemos o outro e apontaremos o dedo. Ou seja, tanto causaremos, quanto promoveremos dor.

Finalmente, é preciso fugir da armadilha cultural do comercial de margarina que jura que a felicidade tem a ver com idealização. Ora, o amor não pode ter a ver com uma moldura, uma limitação... Ao contrário, o estado de espírito amoroso é disposto, expansivo, alegre, cuidadoso, autêntico, é disponível! Ele não trai a si mesmo, não condena o outro ao papel de algoz, não se faz de vítima, não odeia, não sonega, não condena, não terceiriza a culpa. Ele assume o que sente e segue em frente.

Donde se conclui que é preciso aprender a amar a si profundamente, sempre e primeiro.

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