Vivemos em um tempo paradoxal: nunca tivemos tanto acesso à informação, mas também nunca fomos tão vulneráveis aos véus da desinformação. Nas redes sociais, nos aplicativos de mensagens, em vários cantos da internet, fatos e ficção se misturam com uma velocidade que desafia nossa capacidade de discernimento.
Nesse cenário, a ciência — feita não apenas com rigor metodológico, mas também com consciência ética e social — emerge não como mera produtora de verdades, mas como um compromisso vital com a saúde planetária.
A ciência, em sua essência, é um exercício de humildade. Ela não se impõe como dogma, mas se constrói na dúvida, na revisão constante, no diálogo entre evidências e incertezas. Porém, quando divorciada de uma reflexão crítica sobre seu papel no mundo, pode ser instrumentalizada para legitimar desigualdades, negar direitos ou, pior, alimentar narrativas que distorcem a realidade.
Basta lembrar como teorias pseudocientíficas já justificaram racismo, opressões de gênero e a destruição de ecossistemas. A história nos alerta: a ciência sem consciência é um terreno fértil para a tirania.
Hoje, a desinformação se alastra como um vírus que vai se adaptando e moldando às crenças e gostos de cada um. Algoritmos privilegiam o engajamento em detrimento da verdade, transformando opiniões em bolhas — aquelas famosas “panelas de grupos” que pensam de forma semelhante e transformam ideias divergentes dos debates em guerras de versões, no jogo de "nós contra eles".
Notícias falsas sobre vacinas, mudanças climáticas ou tratamentos médicos ganham escala global em minutos, enquanto respostas científicas demoram anos para serem construídas — e séculos para reparar danos.
A pandemia de Covid-19 escancarou essa crise: enquanto pesquisadores lutavam por soluções, teorias da conspiração semeavam medo e desconfiança. Não menos problemática foi a velocidade com que tratamentos milagrosos — em geral, oferecendo soluções simplistas — ganharam proporção de verdades fáceis, vendidas a preços abusivos. Uma nova era do elixir da longa vida, em nova roupagem, que, infelizmente, custou muitas vidas.
Refletir sobre como navegar nesse novo e complexo mundo não é tarefa que possa ser respondida de forma ingênua e rudimentar. É preciso utilizar métodos multifacetados, olhando os múltiplos lados do problema. A resposta — que não está encerrada em si — é a junção da ciência com consciência: uma prática que não se limita a pesquisas feitas em laboratórios, encasteladas nos muros das universidades e instituições, ou voltadas exclusivamente para a publicação de artigos acadêmicos, mas aquela que se abre ao mundo com transparência e responsabilidade.
Isso exige, primeiro, que cientistas assumam seu papel de comunicadores, traduzindo a complexidade em linguagem acessível, mas sem simplismos. Segundo, que haja alianças sólidas entre academia, imprensa e sociedade civil, para que o jornalismo de qualidade funcione como ponte — não como mero reprodutor de notícias já veiculadas.
Terceiro, que a educação priorize o pensamento crítico desde a infância, e que o letramento digital e científico passe a fazer parte da educação formal, para que a escola ensine não apenas fórmulas, mas também a questionar fontes, contextualizar dados e reconhecer erros de pseudociência.
A consciência na ciência também demanda reconhecer limites. Em um mundo sedento por certezas absolutas, é preciso coragem para dizer: “não sabemos ainda”. A ciência que salva não é a que se coloca acima da sociedade, mas a que caminha com ela, reconhecendo que cada descoberta carrega uma pergunta ética: para que e para quem serve esse conhecimento?
Nesse sentido, para sedimentar a prática dessa junção tão importante, inauguramos, nas terças-feiras, um novo programa na CBN Vitória, o "Saúde com Ciência", com o objetivo de discutir a ciência na perspectiva consciente de suas limitações, possíveis erros e incertezas, tudo isso especificamente na área da saúde.
A saúde, nessa era da desinformação, merece destaque. Escolhas baseadas em teorias conspiratórias, curas milagrosas ou em frágeis evidências científicas podem levar uma pessoa a tomar decisões equivocadas sobre sua saúde ou até piorar sua condição, chegando ao extremo — como casos de abandono de tratamento prescrito por profissionais habilitados — a quadros irreversíveis que podem levar à morte.

Não há solução simples para a era da desinformação, mas há caminhos. Eles passam pela democratização do acesso ao conhecimento, pelo combate às desigualdades digitais e pela defesa intransigente de instituições públicas — universidades e institutos científicos centenários, como a Fiocruz e o Butantan — que sustentam a pesquisa comprometida com o bem comum. Acima de tudo, exigem que lembremos: a ciência não é neutra. Ela é feita por pessoas e para pessoas. E só terá sentido se, em seu centro, estiver o compromisso inegociável com a dignidade humana.
Navegamos em uma névoa densa, mas não estamos perdidos. A ciência com consciência é o farol que pode nos guiar não apenas para portos seguros, mas para horizontes mais justos. Cabe a nós mantê-lo aceso.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.