Escritora de ficção, cadeira nº 1 da Academia Espírito-Santense de Letras, professora emérita da Ufes, curadora de mostras de cinema. Escreve sobre livros, filmes, memórias, atualidades variadas e fatos contemporâneos

A liberdade de uso da bela palavra "poesia" para todas as formas de arte

Ao contrário do que diz o senso comum, a poesia não está apenas em um certo tipo de manifestação literária, ela está em todas as outras manifestações destinadas a provocar uma experiência sensorial

Publicado em 03/03/2020 às 05h00
Atualizado em 03/03/2020 às 05h00
Graffiti do coletivo Skurktur, baseado na Noruega. Crédito: Reprodução
Graffiti do coletivo Skurktur, baseado na Noruega. Crédito: Reprodução

Não é fácil prever os rumos da literatura do século XXI. Mas é fácil entender que a alquimia da criação literária é a mesma que acompanha a humanidade desde que o homo sapiens começou a exercitar uma carpintaria da arte. Alguns vão dizer que estou exagerando, que na Idade da Pedra Lascada não havia literatura, só havia gravações em cavernas com cenas de danças e caçadas, que isso era feito em imagens et cetera e tal.

Mas quem pode negar que os mesmos princípios, que guiavam os artistas pré-históricos, até hoje guiam os seres que fazem da literatura e das outras artes um instrumento para a inserção de sua sensibilidade pessoal na ordem do Cosmos?

O que estou tentando dizer é que, naqueles desenhos rupestres, já se podem observar o pensamento emocionado, o traço expressivo e o uso primitivo das formas como sendo uma necessidade do artista de dar corpo a sua visão particular do mundo e materializar sentimentos e emoções. Ou seja, de exercitar aquilo que se chama poesia.

Porque, ao contrário do que diz o senso comum, a poesia não está apenas em um certo tipo de manifestação literária, ela está em todas as outras manifestações destinadas a provocar uma experiência sensorial. É possível dizer que a poesia é um lastro de cosmogonia na consciência humana. É ela que provoca a imaginação. É ela que resulta nas manifestações daquilo que chamamos de arte.

Sei que muita gente chama de poesia apenas a forma de dispor a literatura em versos. É um costume usado até por alguns poetas de carteirinha. Porém eu confesso que tenho uma quizila com essa opinião. Fico incomodada quando vêm me falar de livro de poesia, em vez de livro de poemas em verso. Tem muito livro em versos por aí que não dispõe do mínimo de poesia.

Nesse caso, o melhor é apelar para o Aurélio, a que recorro sem a menor cerimônia, sem o menor pudor, a cada vez que as palavras traiçoeiramente escapolem a meu pobre e humano controle. Abro o meu exemplar e leio:  poesia − é a arte de criar imagens; de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados; poema − é obra em verso ou não, em que há poesia.

Logo, aproveitando a lição do antigamente chamado “Pai dos Burros” (particularmente, adoro esse delicioso apelido dos dicionários, que tão bem expressa a necessidade de humildade entre as gentes), endosso a liberdade de uso dessa bela palavra para todas as formas de arte − em particular da escrita literária, seja ela em prosa, seja ela em verso − desde que exalem poesia, de fato.

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