É Fisioterapeuta, acupunturista e especialista em avaliação e tratamento de dor crônica pela USP. Entende a saúde como um estado de equilíbrio para lidar com as adversidades da vida de forma mais harmônica

Crônica de consultório: o acolhimento do paciente

Rapidamente há o lembrete de que encontramos resultados diferentes fazendo coisas diferentes e a vontade de oferecer o que ainda não foi tentado: escuta e acolhimento

Publicado em 25/10/2021 às 02h01
Mulher no consultório
Médicos precisam priorizar a escuta e o acolhimento durante as consultas. Crédito: Freepik

A paciente chega e aguarda na sala de espera. Um universo de eventos a levaram até ali. Um misto de ansiedade e desconfiança pairam. "Já estive em tantos consultórios, por que desta vez seria diferente?”. Houve indicação de uma amiga, reforço do marido, acompanhamento da filha.

Quando chamada, entra no consultório esperançosa e já fala da história contada a outros profissionais, uma dor que a acompanha há mais de 10 anos. “Doutora, já tentei de tudo, esta dor na coluna não me abandona, minha hérnia está inflamada”. Mal sabe ela que a profissional que a atende também se questiona: “Ela já esteve em tantos consultórios, por que desta vez seria diferente?”. Rapidamente há o lembrete de que encontramos resultados diferentes fazendo coisas diferentes e a vontade de oferecer o que ainda não foi tentado: escuta e acolhimento.

"Me conta como estava sua vida quando tudo começou"

"Olha, doutora, eu não tive nenhuma queda, não bati em nenhum lugar, mas carreguei muito peso a vida inteira, deve ser isso".

"Ora, mas a pergunta era como estava sua vida no início dos sintomas. Quero saber do trabalho, interação com a família e amigos".

"Foi um período delicado, doutora. Descobri uma traição do marido e decidi permanecer no relacionamento, tive pólipos nos intestinos, meus filhos estavam numa fase rebelde da adolescência. Pouco tempo antes houve o falecimento do meu pai e eu que cuidei de tudo sempre". 

"Agora entendo que realmente a senhora carregou muito peso mesmo a vida inteira. Diga para mim o que já observou que faz sua queixa piorar".

"Percebo que quando me estresso a dor piora muito, e quando faço pequenos afazeres da casa sinto muita dor. A dor piora muito a noite".

"Entendo! E o que faz a dor aliviar, ainda que pouco?"

Neste momento houve a necessidade de uma pausa para pensar. Em 10 anos de dor, não havia muita estratégia para o alívio da dor ainda, menos ainda estratégia para não entrar em crises. Timidamente e com o tom de voz mais baixo, a paciente responde que o remédio ajuda um pouco e depois volta tudo. A resposta com a cabeça baixa já demonstra o ciclo em que a paciente está inserida.

"O que te traz mais alegria na rotina atualmente?"

Com o rosto novamente iluminado ela responde que ficar com o netinho de dois anos é tão bom que até se esquece das dores, consegue sentar no chão para brincar com ele e é capaz de carregá-lo no colo sem dor.

"É analgésico ter mais vida na rotina, né?"

Meu sorriso por debaixo da máscara já demonstra a alegria que será ajudar esta senhora a entender que sua dor pode ter um desfecho diferente sim e que isso envolve sair da zona de conforto e adquirir novos hábitos. Viva!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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