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Tire suas dúvidas sobre a varíola dos macacos

Tire suas dúvidas sobre a varíola dos macacos

Neste sábado (23), a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou a doença, que tem mais de 600 casos registrados no Brasil, como emergência pública de preocupação global

Publicado em 24 de julho de 2022 às 14:01

Ícone - Tempo de Leitura 7min de leitura

SAMUEL FERNANDES E CLÁUDIA COLLUCCI

Com sintomas como febre, dores e feridas pelo corpo, a varíola dos macacos preocupa médicos e cientistas pela rápida disseminação. Neste sábado (23), a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou a doença como emergência pública de preocupação global.

No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 8 de junho, e, desde então, já são mais de 600 registros até a última sexta (22). São Paulo concentra a maior parte dos casos. Segundo a Secretária da Saúde estadual, já são 466 casos da doença confirmados no Estado até o último sábado (23), a maioria na capital paulista. No total, foram 385 somente na cidade.

Um dos pontos ainda em aberto é como o vírus se propagou tão rápido em diferentes países. Fora da África, esse é o maior surto já visto. A pouca capacidade de produção da vacina para barrar a transmissão do vírus é outro aspecto que preocupa especialistas.

Abaixo, veja as principais questões que envolvem o atual cenário da doença e o que pode ser feito para barrar sua transmissão.

O que causa a varíola dos macacos?

A doença é causada pelo monkeypox, um vírus do gênero orthopoxvirus. Outro patógeno que também é desse gênero é o que acarreta a varíola, doença erradicada em 1980.

Embora tenham suas semelhanças, existem diferenças entre as duas doenças. Uma delas é a letalidade: a varíola matava cerca de 30% dos infectados. Já a varíola dos macacos conta com uma taxa de mortalidade entre 3% a 6%, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Então a varíola dos macacos não significa um risco por ter menor letalidade?

Os riscos menores não indicam que a doença não é grave. Crianças, grávidas e imunossuprimidos são pessoas que podem desenvolver quadros mais graves, por exemplo.

"Não deixa de ser preocupante porque toda doença infectocontagiosa não é para correr solta. É preciso conter esses surtos", afirma Clarissa Damaso, virologista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e assessora do comitê da OMS para pesquisa com vírus da varíola.

Varíola do macaco
Varíola do macaco. (Shutterstock)

Ela é uma das pesquisadoras que compõem o grupo de trabalho para enfrentamento da varíola de macacos organizado na UFRJ. A iniciativa realiza testes em pessoas suspeitas da doença e também deve acompanhar os pacientes para observar a evolução do quadro clínico e evitar a disseminação do patógeno.

Além do grupo da UFRJ, outros dois centros realizam testes para diagnosticar a doença no Brasil: o Instituto Adolf Lutz, em São Paulo, e a Funed (Fundação Ezequiel Dias), em Minas Gerais.

Outro caminho para diagnosticar a doença é um teste da empresa Roche. Carlos Martins, presidente da Roche Diagnóstica no Brasil, afirma que o produto é um exame PCR parecido com testes para Covid.

Segundo ele, os resultados dos exames ficam prontos entre 4 e 8 horas e o produto deve chegar ao Brasil em algumas semanas.

Como conter a disseminação do vírus?

Diminuir a transmissão envolve principalmente isolamento dos casos suspeitos e confirmados, além de imunizar pessoas que tiveram contato próximo com alguém infectado. Grupos de maiores riscos, como profissionais de saúde da linha de frente, também podem ser imunizados.

Segundo a OMS, a vacina contra a varíola tem uma taxa de eficácia de aproximadamente 85% para a doença causada pelo monkeypox. No entanto, ela não se encontra disponível para o público em geral. Em 2019, outro imunizante foi desenvolvido e tem eficácia na prevenção da varíola dos macacos, mas tem produção em pequena escala.

Quais são e como funcionam as vacinas disponíveis no mundo?

São duas: a Jynneos, também conhecida como Imvamune ou Imvanex, produzida pela farmacêutica dinamarquesa Bavarian Nordic, e a ACAM2000, fabricada pela Sanofi e já aprovada nos EUA.

A Jynneos já é aplicada nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Alemanha para conter o surto atual de varíola dos macacos. Já a ACAM2000 é uma versão moderna da vacina que foi aplicada nos anos 1970 e ajudou a erradicar a varíola humana.

Ambas contêm um vírus vivo chamado vaccinia, do mesmo gênero que o smallpox (causador da varíola humana) e o monkeypox (causador da varíola dos macacos), mas na Jynneos o vírus é enfraquecido em laboratório para não causar doença grave, inclusive em imunossuprimidos.

Por isso, a ACAM2000 não é indicada para indivíduos imunossuprimidos (com doenças congênitas, que passaram por transplante ou em tratamento de câncer, por exemplo), pois há risco de provocar quadros clínicos mais graves.

Após a aplicação do imunizante, o vaccinia se replica no organismo sem causar doença, mas induzindo a produção de uma resposta imune protetora.

Quando essas vacinas chegarão Brasil?

Ainda é incerto. Neste sábado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o governo federal negocia com a Opas (Organização Panamericana de Saúde) a aquisição da vacina Jynneos, por meio do do fundo rotatório, um mecanismo internacional de cooperação técnica para acesso a vacinas.

Mas o o infectologista David Uip, secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do governo paulista, afirma que há uma disputa acirrada no mundo todo pelas vacinas contra a varíola dos macacos e que elas não devem chegar ao Brasil a curto prazo.

Uma outra alternativa, segundo ele, é a fabricação de uma vacina contra varíola dos macacos no Brasil por Farmanguinhos (Fiocruz) e pelo Instituto Butantan, que criou um comitê técnico para estudar a produção de um imunizante.

O que explica a nova onda de casos?

A varíola dos macacos já era conhecida, mas era registrada principalmente em países africanos. O que deixou a comunidade científica em alerta foi a disseminação rápida do vírus para outros países fora da África.

Apesar da referência aos macacos, os hospedeiros naturais do monkeypox provavelmente são roedores, como ratos. A partir deles, o vírus pode ser transmitido aos humanos por meio do contato com fluidos ou lesões dos animais infectados.

De pessoa para pessoa, a transmissão acontece por meio de contato próximo. A infecção pode ser por vias respiratórias, mas é preciso contato face a face perto por tempo prolongado. Em comparação, o Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, também se transmite por vias respiratórias, mas não precisa de um contato tão próximo e nem prolongado.

Outra forma de infecção é por meio das feridas, parecidas com bolhas, que a varíola dos macacos causa na pele. Cristina Bonorino, imunologista e professora titular da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), explica que o líquido dentro dessas bolhas contém o vírus. Sendo assim, o contato direto com essas secreções também causa a propagação do patógeno.

Por justamente ter uma transmissão que precisa de contato muito próximo, os novos casos ainda carecem de explicações. "Nós não estamos entendendo exatamente como está acontecendo essa transmissão", afirma Damaso.

A hipótese mais relatada é que uma pessoa pode ter sido infectada na África e transmitido para outros indivíduos fora do continente africano em aglomerações.

Isso pode ter acontecido principalmente porque o início da doença tem sintomas comuns e pode gerar confusões. "Pode acontecer da pessoa estar no início da sintomatologia, se sentindo um pouco mal, mas confundir com uma gripe, por exemplo, e passar adiante", diz Damaso.

Outra hipótese que pode ser investigada são casos assintomáticos, diz Bonorino. "Uma pergunta é: será que existe uma forma que não causa bolhas e por isso se espalhou mais rapidamente? Não sabemos."

Uma terceira suposição é de mutações no patógeno. Vírus de DNA como o monkeypox têm uma chance muito menor de sofrer alterações. Mesmo assim, essa possibilidade não deve ser descartada, diz Raquel Stucchi, infectologista e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

"Realmente o vírus não costuma ter mudanças, mas alguma coisa aconteceu nele para explicarmos essa explosão tão grande de casos."

E como é o tratamento?

O tecovirimat é um medicamento que pode ser usado no tratamento. Recentemente, um estudo publicado na The Lancet investigou o remédio em casos de monkeypox e viu um efeito positivo.

Outro medicamento é o brincidofovir, antiviral que já tem aprovação do FDA (Agência de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos) para tratamento da varíola.

No entanto, nenhum dos remédios está disponível no Brasil. "Até o momento, a Anvisa não recebeu solicitação de autorização para vacina ou medicamentos contra a varíola ou varíola do macaco", informa a agência em nota.

A Anvisa também afirma que é responsabilidade das farmacêuticas fazerem o pedido e ainda indica que é "possível autorizar a importação [...] em situações de emergência de saúde pública".

O que fazer a partir de agora?

Embora a situação seja atípica, as chances da varíola dos macacos se tornar uma pandemia são pequenas pela baixa capacidade de transmissão do vírus.

Mesmo assim, medidas precisam ser tomadas. Elas envolvem principalmente testar casos suspeitos da doença, isolamento nos positivados ou até o resultado do exame e aplicação de vacinas naqueles que tiveram contatos.

"É importante a população não ter pânico. Não é uma doença nova. Sabemos que existe há muito tempo e temos armas para combater", afirma Damaso. Ela também explica que os antivirais podem ser úteis para tratar casos mais graves da doença no país.

Além disso, as especialistas afirmam que o novo surto só chamou atenção quando a doença se espalhou para regiões mais ricas do mundo, como Estados Unidos e Europa, mas quando era endêmica somente na África não tinha tanto apelo.

O fato abre alerta para as chamadas doenças negligenciadas, aquelas sem tanto investimento para pesquisas científicas. "Nós nunca damos importância ao que acontece na África até que chegue ao mundo todo", conclui Stucchi.

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