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Suspeito de comandar grupo de extermínio no ES teve cargo na FAB por dois anos

Suspeito de comandar grupo de extermínio no ES teve cargo na FAB por dois anos

Gilbert Wagner é suspeito de cometer uma série de homicídios no Sul do Estado. Réu em diversos processos, ele atuou no Comando da Aeronáutica até março de 2020. A informação foi revelada com exclusividade pelo portal Metrópoles

Publicado em 7 de novembro de 2021 às 13:39

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Gilbert Wagner, o Waguinho, é acusado de liderar um grupo que cometia assassinatos do Sul do Estado
Gilbert Wagner, o Waguinho, é acusado de liderar um grupo que cometia assassinatos do Sul do Estado. (Reprodução/Youtube Contato Maratimba)

O Comando da Aeronáutica empregou por quase dois anos Gilbert Wagner Antunes Lopes, o Waguinho, suspeito  de chefiar um grupo de extermínio na cidade de Marataízes, no litoral do Espírito Santo. A informação foi revelada com exclusividade pelo repórter Tácio Lorran, do portal Metrópoles.

Gilbert Wagner foi preso em 2011 pela Polícia Civil e, na ocasião, foi apontado como a pessoa que comandava uma série de assassinatos contra usuários de drogas e pequenos assaltantes no Sul do Estado. Ele foi solto em agosto de 2015.

Hoje, ele é réu em várias ações penais e chegou a ser condenado, em uma delas, por tentativa de homicídio. No entanto, a fase processual desse caso foi anulada, em junho deste ano, por violação ao juiz natural, e ele foi direcionado para novo júri.

Segundo as informações disponíveis no Portal da Transparência do governo federal, Waguinho foi empregado na Força Aérea Brasileira (FAB) entre maio de 2018 e março de 2020. Ele começou como terceiro-sargento temporário, por meio de um processo seletivo, e recebeu um total de R$ 18,3 mil pelos serviços prestados neste período.

Atualmente, um terceiro-sargento ganha R$ 3.825 por mês.

Gilbert Wagner foi expulso do Comando da Aeronáutica em 2020, após a conclusão de um processo administrativo apontar que ele teria utilizado documentos falsos no processo seletivo das Forças Armadas.

INQUÉRITO CIVIL

Em setembro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito civil para apurar a admissão do suspeito na FAB. O órgão quer saber se Gilbert Wagner Antunes Lopes,  nomeado pela FAB, "é um homônimo ou se é a mesma pessoa de Gilbert Wagner Antunes Lopes, réu em várias ações penais no Estado do Espírito Santo", diz um trecho da Portaria publicada pelo MPF no Diário Eletrônico. 

Portaria publicada pelo MPF instaurando inquérito civil contra Gilbert Wagner
Portaria publicada pelo MPF instaurando inquérito civil contra Gilbert Wagner. (Reprodução/Diário Eletrônico MPF)

Segundo apurou o Metrópoles, para entrar na corporação, Waguinho teria apresentado declaração e documentação falsas. Por isso, foi denunciado pela 3ª Procuradoria de Justiça Militar (PJM), no Rio de Janeiro, pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos. 

Essa, contudo, não foi a primeira vez que o suspeito usou documentos falsos. Ele já foi condenado por alterar a certidão de nascimento e, duas vezes, por porte ilegal de armas. Os casos ainda não tiveram trânsito em julgado e, portanto, a defesa aguarda o julgamento de recursos nos tribunais superiores.

PRISÃO

Gilbert Wagner foi preso em 2011 após oito meses de investigação conduzidas pelo Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção (Nuroc), então chefiado pelo delegado Ícaro Ruginski, hoje secretário municipal de Segurança Urbana de Viória. 

Na ocasião, Ruginski afirmou que Waguinho era um bandido extremamente perigoso e líder da quadrilha que estava se organizando na região Sul do estado.

O grupo era acusado de tráfico de drogas e de armas, homicídios, falsificação de documentos públicos e adulteração de veículos automotores.

DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Em 2011, ao denunciar Waguinho pela tentativa de homicídio de um usuário de drogas em Marataízes, o Ministério Público apontou que ele respondia por inúmeros outros processos criminais.

A Promotoria de Justiça Cumulativa de Marataízes relatou que ele praticava reiteradas condutas ilícitas na cidade, “semeando o receio e a insegurança entre as vítimas e demais membros da coletividade”. 

“Os denunciados recebem apoio e cumplicidade de vários indivíduos numa espécie de associação, visando perpetuar a permanência do grupo do município e, assim, legitimar uma série de outras práticas criminosas, além de ganhar força para a instalação de uma espécie de milícia, que age através da violência armada, ‘limpando’ aqueles que vêm incomodando a coletividade e, em troca, recebem pelo trabalho”, relata o Ministério Público Estadual no relatório que o Metrópoles teve acesso.

O texto detalha também que, à época da denúncia, em 2011, o grupo já vinha se organizando há algum tempo. Waguinho é apontado como mentor da milícia na cidade do Espírito Santo, pois teria trazido ideias do Rio de Janeiro – onde, segundo o MPES, fazia parte de grupos de extermínio – e tentado implantá-las em Marataízes.

“A mentalidade do grupo [de Gilbert] é a mesma do temido grupo conhecido como Liga da Justiça, que tem como símbolo o escudo do Batman, cujo adesivo já está sendo observado em vários veículos rodando o município [de Marataízes]”, assegura o núcleo de investigações no relatório.

NOMEAÇÃO EM PREFEITURA

Em 2015, quatro meses após deixar o presídio, Gilbert Wagner foi nomeado superintendente Administrativo e de Controle, na Secretaria Municipal de Serviços Urbanos de Marataízes. Depois, assumiu a chefia da pasta, onde ficou por três anos. As informações constam no Portal da Transparência da Prefeitura. Ele ganhava um salário bruto de R$ 5.770,63.

Waguinho é filho do falecido tenente Golber Lopes Côrrea, ex-militar da FAB, do Exército e da PMERJ. 

INGRESSO NA FAB

Waguinho ingressou na FAB em maio de 2018 e serviu como terceiro-sargento temporário do Quadro de Sargentos Convocados (QSCon). A admissão dele foi aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), como consta no Diário Oficial da União (DOU). A Corte, no entanto, não avalia o histórico do candidato – medida que deveria ter sido adotada pelas próprias Forças Armadas.

O ingresso no Comando da Aeronáutica ocorreu por meio de processo seletivo, que, segundo o órgão, atendeu “requisitos específicos e condições previstas na legislação vigente”.

O QSCon é constituído somente por terceiros-sargentos, não havendo promoções no quadro, segundo a atual legislação. Há vagas específicas para eletricista, enfermeiro, mecânico e motorista, por exemplo; também é possível entrar como atleta ou músico. A FAB não esclareceu, contudo, em qual vaga e para qual função o miliciano foi admitido.

Dentre os documentos necessários na época de sua admissão, foi apresentada certidão negativa da Justiça Criminal do Rio de Janeiro. O atestado, no entanto, não trazia referências no âmbito de outras unidades federativas e, portanto, não havia informações sobre os processos contra Waguinho que correm no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, por exemplo. Ele foi condenado a 7 anos de prisão pela Corte capixaba.

“Imediatamente após a descoberta de envolvimento em ilicitudes no estado do Espírito Santo, foi instaurado um processo administrativo para apurar o caso, resultando em tornar sem efeito a incorporação de Gilbert Wagner Antunes Lopes na FAB”, informou a corporação ao Metrópoles. 

O Metrópoles questionou a FAB e a defesa do próprio Wagner sobre quais funções e tarefas eram desempenhadas por ele nas Forças Armadas, mas nem um nem outro responderam. O espaço segue aberto.

A advogada Eduarda Zapponi, do escritório Boaventura Turbay Advogados, explica que a condenação definitiva, a princípio, não impede a nomeação para cargos no governo federal, mas regulamentos como o da FAB determinam a exclusão dos servidores.

FALSIDADE IDEOLÓGICA

Waguinho foi denunciado, em julho do ano passado, pela 3ª Procuradoria de Justiça Militar no Rio de Janeiro pelos crimes de falsidade ideológica (artigo 312 do Código Penal Militar) e uso de documento falso (art. 315).

De acordo com o Ministério Público Militar (MPM), Gilbert Wagner apresentou, para participar do concurso de profissionais de nível médio voluntários à prestação do serviço militar temporário, o requerimento de inscrição com “declaração e documentação falsas, induzindo e mantendo a Administração Militar em erro”.

O juízo da 1ª Vara da Comarca de Paraíba do Sul decretou a interdição de Waguinho para todos os efeitos da vida civil.

Em dezembro de 2020, no entanto, o juiz federal da Justiça Militar determinou a suspensão e a separação desse processo em relação a Gilbert Wagner. Em virtude dessa separação, foi aberta uma nova ação no nome dele. Ambas as causas estão tramitando, ainda sem data para julgamento, informou o MPM ao Metrópoles.

O OUTRO LADO

Ao Metrópoles a defesa de Waguinho, feita pelo advogado Leonardo da Silva, alegou que o cliente foi reincorporado na FAB, e não nomeado, por meio de pedido de revisão de situação funcional julgada favorável.

“Gilbert ingressou no Comando da Aeronáutica em 1997, por meio de concurso público para soldado especialista, porém, foi dispensado em 2002, próximo de ser promovido e com problemas de saúde. Quatro anos depois, impetrou o referido pedido, que se arrastou por longos anos e só teve a decisão final no ano de 2017”, alegou.

Procurada, a FAB informou não ter encontrado registros sobre o ingresso de Gilbert Wagner em 1997, como alegado pela defesa.

Leonardo afirmou, categoricamente, que Gilbert Wagner "não responde e nunca respondeu a qualquer tipificação relativa a crime de milícia".

"O mesmo foi suspeito de participar de um grupo que ceifou a vida de um foragido da Justiça por cometer estupros. Inclusive, esses autos foram objetos do habeas corpus impetrado por este subscritor e devidamente anulada a fase processual, por violação ao juiz natural", assegurou a defesa.

"O que ocorreu na época e pode ter influenciado a formação do respeitoso questionamento é que o nome do Gilbert foi lançado, indevidamente, por um blog anônimo, chamado O Mascarado de Marataízes e reproduzido em diversos sites e jornais de forma distorcida, numa espécie típica de ‘tribunal do Google’, manipulado por uma política que não aceitava/aceita ideia a favor da democracia, fato que a defesa já prepara ações diversas a fim de combater as falácias que perpetuam na internet", prosseguiu.

A defesa explicou ainda que Marataízes é uma cidade pequena no sul do estado do Espírito Santo, com uma população que gravita em torno de 39 mil habitantes, "não fazendo sentido algum a sobrevivência de uma milícia, haja vista que não existem comunidades periféricas em situação análoga a uma favela, nem os demais municípios que rodeiam a cidade".

Em seguida, alegou que "determinadas pessoas, por não conhecerem o mundo militar federal, procuram fazer denúncias ao MPES e ao MPF reproduzindo falácias de que Gilbert prestou recente concurso ou que fora nomeado, porém, tais argumentações não subsistem a uma análise meticulosa levada a efeito pelos respeitosos órgãos citados".

O ingresso via processo seletivo, no entanto, foi confirmado pela própria FAB, como já mostrou o Metrópoles.

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"Gilbert Wagner hoje reside em Vila Velha-ES, com sua esposa, filhas e filho; o mesmo faz tratamentos contra câncer na região do estômago, ficou deficiente mental incurável, está interditado judicialmente e julgado incapaz totalmente por médicos peritos do próprio Comando da Aeronáutica e peritos civis. Suas enfermidades iniciaram após grave acidente, em plena atividade militar. A família reclama que é perseguida porque faz insistentes reclamações e petições ao Comando da Aeronáutica, pois, o mesmo está esquecido e faz jus a diversos direitos", finalizou o advogado

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