Publicado em 28 de abril de 2023 às 14:39
Após três dias de julgamento, dois pastores evangélicos, acusados de matar e queimar o corpo de um adolescente de 14 anos, em 2001, em Salvador, na Bahia, foram condenados a 21 anos de prisão em regime fechado. A sentença do tribunal do júri foi lida às 21h30 desta quinta-feira (27) pela juíza Andrea Teixeira Lima Sarmento. A defesa dos acusados vai entrar com recurso. Um terceiro pastor envolvido havia sido condenado anteriormente a 18 anos de prisão e já cumpriu a pena.>
Na época, o crime chocou a população e causou grande repercussão por envolver religiosos importantes da Igreja Universal do Reino de Deus. O adolescente Lucas Terra frequentava a igreja onde eles presidiam os cultos. Conforme a investigação, o adolescente foi morto após flagrar dois dos pastores mantendo relações sexuais dentro do templo, no bairro Rio Vermelho, na capital baiana. Ele foi dominado, agredido, estuprado e teve o corpo queimado quando ainda estava vivo.>
Os pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda foram condenados, cada um, a uma pena principal de 18 anos de prisão em regime fechado, mas tiveram as penas agravadas pelo motivo torpe, emprego de meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima, elevando as penalidades para 21 anos. Segundo o Ministério Público da Bahia, eles podem recorrer em liberdade. O terceiro pastor acusado, Silvio Roberto Galiza, foi julgado e condenado em 2004 a 18 anos de prisão, cumpriu cerca de 7 anos preso, foi para o regime aberto e está em liberdade.>
Foi Galiza quem apontou os outros dois autores do crime, levando a que fossem denunciados pelo Ministério Público da Bahia. Durante o julgamento, os advogados dos dois réus buscaram demonstrar que os religiosos tinham uma rotina de cuidados com os fiéis e se dedicavam à igreja. Nesta quinta-feira, os pastores foram ouvidos durante cinco horas, negando participação no assassinato. As esposas deles também foram ouvidas como testemunhas de defesa. Um bispo da Igreja Universal também prestou depoimento.>
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Nove testemunhas de acusação reforçaram o conjunto de provas para que o MP pedisse a condenação dos réus. A mãe do adolescente, Marion Terra, também foi ouvida e se emocionou durante o julgamento. Marion acompanhou a sessão do júri ao lado dos dois filhos, irmãos da vítima, e de outros familiares. O pai do adolescente, Carlos Terra, morreu em 2019, após uma parada cardiorrespiratória, sem ver a justiça sendo feita para o caso de Lucas.>
Após a leitura da sentença, Marion fez um desabafo público, registrado em redes sociais. "Hoje (27) foi o dia da minha vitória. Eu quero agradecer a todos da imprensa que, incansavelmente, nunca se calaram, nunca foram omissos, sempre foram a nossa voz. Essa vitória não é só minha, não é só do Carlos, não é só do Lucas, essa vitória é de todas as mães da Bahia. De todas as famílias que, muitas vezes, perdem os filhos e se deparam com poderosos economicamente, e levam 22 anos, como nós levamos, e às vezes nem têm direito à justiça", disse.>
O promotor Davi Gallo, que atuou na acusação dos réus, considerou a pena adequada à gravidade do crime. "O conjunto de provas é robusto, mas acredito que a defesa vai exercer seu direito de recurso. Pela tendência das provas e pelo que foi apresentado no plenário de julgamento, com certeza essa sentença será mantida", disse. Ele lembrou que a juíza reconheceu a prescrição do crime de ocultação de cadáver, "o que denota o senso de justiça".>
O escritório Nestor Távora Advogados Associados, que atuou na defesa de Fernando e Joel, foi procurado pela reportagem e não havia dado retorno até a publicação desta matéria. Ao final do julgamento, Nestor Távora, um dos defensores, disse em entrevista que o processo será levado à apreciação do Tribunal de Justiça, através de recurso.>
A reportagem entrou em contato com a Igreja Universal do Reino de Deus, através da assessoria de imprensa, e aguarda retorno.>
O adolescente Lucas frequentava o templo da Igreja Universal do Reino de Deus no bairro Rio Vermelho, em Salvador. Seu corpo foi encontrado carbonizado em um terreno baldio. A perícia apontou que ele foi queimado vivo no interior de uma caixa de madeira. O principal suspeito na época, o pastor Silvio Galiza, tinha sido afastado da igreja por ter sido flagrado dormindo ao lado de adolescentes que frequentavam o templo. Antes de desaparecer, o menor ligou para o pai e disse que estava com o pastor. Em 2006, dois anos após ser condenado pelo homicídio, Galiza delatou os outros dois pastores.>
Eles foram denunciados pelo Ministério Público baiano. Em 2008, o pastor Fernando chegou a ser preso, mas foi libertado e passou a responder ao processo em liberdade. Em novembro de 2013, a justiça inocentou os dois. A família de Lucas entrou com recurso e, em setembro de 2015, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), por unanimidade, decidiu que eles fossem a júri. A defesa dos pastores entrou com recurso, mas em 2017 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão do TJ-BA.>
O caso, no entanto, teve uma reviravolta em 2018, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski anulou, por falta de provas, o processo que envolvia a acusação contra o pastor Fernando na morte de Lucas. Em novembro de 2020, a 2.ª Turma do STF decidiu que os dois réus deveriam ir a júri popular, o que aconteceu esta semana.>
O Caso Lucas Terra tornou-se emblemático por envolver obreiros de uma poderosa instituição religiosa e pela demora no julgamento. O pai de Lucas, Carlos Terra chegou a escrever um livro sobre o caso e viajou por vários países pedindo justiça. A prisão de Silvio Galiza só aconteceu depois de Terra acampar na porta do Ministério Público de Salvador. Os pais recorreram a ONGs de defesa dos direitos humanos e ao Ministério da Justiça, na época. Carlos foi entregar uma carta ao escritório da Organização das Nações Unidas (ONU), na Suíça, questionando a demora no julgamento.>
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