Publicado em 25 de julho de 2022 às 13:46
A operação policial que provocou a morte de 17 pessoas na quinta-feira passada (21) no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, pode ser considerada uma espécie de marketing do terror, que fomenta a insegurança pública. A opinião é da antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz, docente no curso de graduação em segurança pública na UFF (Universidade Federal Fluminense).>
"São quatro décadas de matanças no Rio de Janeiro que não significaram escassez da obra criminosa", afirma a especialista. "A população começa a desconfiar, pois são 40 anos de guerras sem resultados, que não saem do mesmo lugar, que não produzem nem vitórias nem derrotas.">
Para a especialista, tiroteios, como os de quinta-feira, politicamente dão dimensão visual, principalmente em ano eleitoral, porque se ouve a polícia, tanto na favela quanto no asfalto. No último caso, de maneira indireta, com os vídeos que se espalham pelos smartphones.>
Muniz cita um tiro de fuzil "que caminha um quilômetro" como um produto midiático. "É a dimensão que o cidadão comum é capaz de reconhecer que a polícia está fazendo alguma coisa", afirma. "No cotidiano, o cidadão não enxerga as atividades de inteligência. É preciso algo visual, som, fúria e ação.">
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Segundo ela, as recentes matanças em operações policiais na cidade servem como uma forma de fortalecer grupos de ações ilícitas ou milícias.>
"[O Estado] transforma-se numa grande 'imobiliária' que arrenda territórios populares para exploração criminosa, que não começa nem termina na droga, mas tem a ver com a exploração de serviços essenciais, como água, luz, internet e transporte alternativo", diz, sobre a atuação de milícias.>
Muniz avalia ainda que a sequência de ações banaliza as operações especiais, que deveriam ser utilizadas apenas em situações críticas e em territórios instáveis. Além disso, na sua visão, elas diminuem o policiamento convencional.>
"Não se policia mais, não se faz polícia, só operações", afirma. Segundo ela, em comparação, um efetivo de 400 policiais, como o usado no Alemão, é suficiente para fazer o policiamento de uma área com 160 mil pessoas.>
Ela ainda critica o preço e a efetividade prática. Muniz calcula que uma ação como a de quinta-feira tenha custado entre R$ 350 mil e R$ 400 mil, com o pagamento das horas de trabalho dos policiais, combustível de dez blindados e helicópteros, e uso de munição.>
"O saldo "não supera o custeio da operação, o custo das mortes e a perda de horas/trabalho da população sitiada pelo tiroteio.">
Questionadas, as polícias Civil e Militar não responderam sobre o custo da operação. No balanço, a PM disse que foram apreendidos um fuzil metralhador .50, "utilizado para tentar derrubar as aeronaves durante as ações", quatro fuzis cal. 7.62, duas pistolas e 56 artefatos explosivos que, de acordo com a polícia, seriam empregados contra as equipes.>
Também foram apreendidas 43 motocicletas que, de acordo com a PM, seriam utilizadas para causar distúrbios, desmobilizar ações policiais e propiciar a fuga de criminosos. Na favela da Galinha, próxima ao Alemão, quatro homens acabaram presos.>
"Essas operações não subiram o preço da droga [provocado por grandes apreensões], o armamento não ficou escasso e a economia criminosa segue de vento em popa. Serve para a polícia de ostentação, de espetáculo, a serviço de interesses político-partidários", opina.>
Ainda em sua análise, a especialista diz que a insegurança pública provocada por "tiro, porrada e bomba" é um projeto autoritário de poder. Quanto maior a promoção da insegurança, avalia, mais se multiplica o medo coletivo.>
"O medo legítimo sentido pela população é péssimo conselheiro. Diante dele abrimos mão das nossas garantias individuais e coletivas em favor do primeiro aventureiro que se apresente oferecendo proteção, que, evidentemente, não é segurança.">
Governos, afirma, precisam fabricar crises de segurança. E, de acordo com ela, isso ficou mais evidente nas administrações de Wilson Witzel (que sofreu impeachment) e Cláudio Castro (PL) - três das cinco chacinas mais letais da história do Rio de Janeiro são da atual gestão. >
Desde que Castro assumiu interinamente, ao fim de agosto de 2020, já ocorreram 75 operações policiais com ao menos três mortos. Nessas ações, 331 pessoas morreram.>
O levantamento foi produzido a pedido do jornal Folha de S.Paulo pelo Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF. O grupo considera como chacinas as operações que resultam na morte de três pessoas ou mais.>
Tentando garantir a permanência no Palácio Guanabara, Castro tem adotado um discurso duro em defesa das forças policiais.>
No artigo "Governando com o Crime", publicado nesta segunda-feira (25) em conjunto com a pesquisadora Fatima Cecchetto nesta segunda-feira (25) no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Muniz afirma que no Rio de Janeiro desenvolveu-se tecnologias sociais do matar e do deixar morrer que se mostraram úteis à economia política itinerante em rede do crime. "Os desaparecimentos forçados são uma delas e costumam ser subnotificados quando produzidos pelas governanças criminais", escreve.>
Coordenador da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), o delegado Fabricio Oliveira disse na quinta-feira que os policiais foram violentamente atacados. Ele citou vídeos que circulam nas redes sociais mostrando rajadas efetuadas contra helicópteros das forças de segurança.>
A ação na quinta-feira levou à morte do cabo Bruno de Paula Costa, 38, baleado enquanto estava trabalhando, em ataque à base da UPP Nova Brasília.>
Oliveira disse que os traficantes utilizaram três tipos de tática. Primeiro, a de espalhar barricadas com fogo. Segundo, a de espalhar óleo nas ladeiras, para prejudicar a entrada de veículos.>
Por último, afirmou que os criminosos lançaram mão da tática terrorista de utilizar a população como escudo humano. Segundo ele, houve registro de pedidos de traficantes para que mototaxistas e moradores simpáticos ao crime fossem às ruas fazer manifestações.>
Para a professora da UFF, os suspeitos mortos na operação de quinta-feira são "operários precarizados do crime", que seriam mortos pelos "patrões" se recuassem e poderiam se transformar em delatores, caso acabassem presos. E serão repostos.>
Subsecretário operacional da Polícia Civil, o delegado Ronaldo Oliveira afirmou que a polícia reage de acordo com a "ação dos marginais". "Preferia que eles não tivessem reagido e a gente tivesse prendido. Infelizmente, escolheram a reação.">
De acordo com o delegado, havia mais de 30 mandados de prisão a serem cumpridos no Alemão.>
A PM diz que informações dos setores de inteligência apontam que os criminosos da região do Complexo do Alemão praticam uma série de roubos de veículos nos bairros do Grande Méier, Irajá e Pavuna. "Esse grupo também é responsável por roubos a bancos e de carga, além de planejar tentativas de invasão a outras comunidades", diz trecho da nota.>
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