Publicado em 16 de maio de 2021 às 13:22
O Ministério da Saúde recebeu sete alertas sobre a escassez de sedativos, anestésicos e bloqueadores musculares necessários para a intubação de pacientes com Covid-19, ainda no auge da primeira onda da pandemia, entre maio e julho de 2020. >
Os alertas eram acompanhados de pedidos de ajuda, mas a pasta providenciou nos meses seguintes aos ofícios uma quantidade pequena de medicamentos: entre 3,5% e 5,7% do consumo médio mensal nos estados, de acordo com o mês. >
As quantidades fornecidas pelo Ministério da Saúde seguiram caindo, sem a formação de um estoque regulatório e até mesmo com o cancelamento de uma aquisição internacional no mês seguinte aos últimos alertas feitos. >
No começo de 2021, uma segunda onda da pandemia explodiu, e hospitais se viram sem os medicamentos do chamado kit intubação. >
>
Pacientes passaram a ser amarrados a camas em UTIs numa frequência maior do que o verificado até então; médicos precisaram recorrer a drogas de terceira linha e mortes foram relatadas. >
Em abril, o jornal Folha de S.Paulo obteve fotos e vídeos de pacientes com as mãos amarradas aos leitos no Hospital de Campanha Zona Leste, conhecido como Cero, em Porto Velho. As imagens mostram pacientes intubados e se movimentando lentamente, com os dois braços atados com panos às bordas das camas hospitalares. >
À época, o diretor do hospital e a Secretaria de Saúde de Rondônia negaram à reportagem da Folha de S.Paulo que a contenção mecânica mostrada nas imagens se devesse à falta de medicamentos para intubação, que disseram não estar em falta no local. >
A situação ainda não foi totalmente normalizada e o temor de uma terceira onda leva à preocupação com a escassez de um conjunto de 22 drogas usadas para a intubação de pacientes em estado grave de saúde, que necessitam de ventilação mecânica. >
A Folha de S.Paulo obteve dois conjuntos de documentos que detalham os alertas feitos ao Ministério da Saúde e a reação insuficiente da gestão do general da ativa Eduardo Pazuello, que foi demitido em março deste ano. >
O ex-ministro foi convocado a depor na CPI da Covid no Senado na próxima quarta-feira (19), mas, por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), poderá ficar em silêncio. A escassez dos sedativos, e o que se passou nos hospitais, são objeto de investigação pela CPI. >
O primeiro conjunto de documentos são sete ofícios enviados à pasta pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), com alertas sobre a evolução da escassez dos medicamentos, pedidos de ajuda e detalhamento do consumo médio mensal e dos estoques nos estados. >
O ministério negou por três vezes à reportagem o fornecimento desses documentos, solicitados via Lei de Acesso à Informação. Após um recurso à CGU (Controladoria-Geral da União), os ofícios e planilhas foram entregues. O Conass também se recusou a fornecer as planilhas. >
O segundo conjunto são documentos entregues ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília, em que o Ministério da Saúde admite que se comprometeu a assumir a regulação e centralização do fornecimento do kit intubação, diante da gravidade da crise. >
A pasta forneceu aos procuradores da República uma planilha com os detalhes das entregas feitas entre junho de 2020 e janeiro de 2021. Com esses dados, foi possível comparar o consumo e a demanda nos estados e o que efetivamente foi entregue pela gestão de Pazuello. >
O general já é investigado pela Polícia Federal por supostos crimes na omissão no fornecimento de oxigênio a hospitais no Amazonas. Em janeiro, o sistema colapsou e pacientes morreram asfixiados. O oxigênio só chegou em quantidades satisfatórias após o colapso. >
O mesmo se passou com o kit intubação. Segundo o Ministério da Saúde, 9,3 milhões de unidades foram enviados aos estados em 2021. Mais de 9 milhões foram remetidos de fevereiro em diante. É mais do que o dobro do total enviado como resposta aos alertas recebidos em 2020, entre junho e dezembro. >
O primeiro alerta sobre escassez de sedativos é de 4 de maio de 2020. Foi endereçado ao antecessor de Pazuello, Nelson Teich, e tratava apenas da realidade no Amapá. O Conass pediu o envio ao estado de 102 mil itens de 21 drogas diferentes. >
"Idêntica situação atinge o conjunto dos estados federados, aos quais já solicitamos levantamento similar, a fim de que possam ser, todos eles, acudidos pelo Ministério da Saúde na presente situação emergencial", cita o ofício. >
O segundo alerta foi enviado dez dias depois. O documento já trazia o resultado de uma consulta às 27 Secretarias Estaduais de Saúde. De 21 que responderam, 19 informaram "falta ou dificuldade de aquisição" de sedativos e afins. >
"A falta desses medicamentos pode colocar em risco a vida de pacientes, especialmente os que estão em estado crítico", afirmou o Conass. >
Um dia depois, Teich pediu demissão do cargo. Os ofícios seguintes foram direcionados a Pazuello. >
Em 29 de maio, o Conass reiterou pedido de apoio, afirmou que a situação se agravara e que havia "desabastecimento total de alguns itens em vários estados", com risco à vida dos pacientes. >
Em 10 de junho, um novo ofício pediu apoio para aquisição centralizada e "máxima priorização". >
Duas semanas depois, o Conass concluiu um levantamento completo sobre o consumo médio mensal e o estoque nos estados. A planilha enviada foi usada para ajudar nas aquisições que viriam a ser feitas pelo Ministério da Saúde. >
Ainda houve mais dois ofícios ao então ministro, em julho, um pedindo apoio para liberação urgente de cadastros para secretarias de Saúde participarem de pregão e outro com um cronograma de entregas a partir de processo licitatório. O último ofício anotava a "necessidade imediata de abastecimento desses medicamentos". >
Um dos documentos citou acordo feito com o Ministério da Saúde para fornecimento do kit intubação, embora a responsabilidade direta seja de estados e hospitais. >
Ao MPF, a pasta afirmou ter assumido compras por meio de requisições administrativas (apropriações de estoques de fabricantes), pregões, pedidos de doações e parcerias internacionais e aquisições via Opas (Organização Pan-Americana de Saúde). >
Não havia, porém, "programação definida" para as requisições nem êxito satisfatório dos pregões feitos. Entre junho e janeiro, o ministério conseguiu enviar 4,9 milhões de unidades de medicamentos aos estados, conforme informação repassada ao MPF em fevereiro. >
No primeiro mês, foram 248,6 mil medicamentos. Em julho, 1,5 milhão. Em agosto, 2,5 milhões. A quantidade passou a cair, chegando a zerar em novembro. Em janeiro, ficou em 142,6 mil. >
O ministério chegou a cancelar uma operação internacional para aquisição de medicamentos do kit intubação, em 12 de agosto, "sem que seus motivos fossem esclarecidos", segundo documento do CNS (Conselho Nacional de Saúde). >
A operação citada é a Uruguai II. Por intermédio do Itamaraty, medicamentos foram adquiridos de laboratórios uruguaios. >
Conforme a planilha fornecida ao MPF, houve entregas de itens do kit intubação, por meio da Operação Uruguai, somente em um único dia: 18 de julho. O Rio Grande do Sul ficou com 24,3 mil ampolas e Santa Catarina, com 11,8 mil. >
OUTRO LADO >
Procurado, o Ministério da Saúde disse que não houve cancelamento da compra de medicamentos e afirmou que mais insumos serão enviados nas próximas semanas. >
"Não houve, em nenhum momento, cancelamento de compra de medicamentos", afirmou o Ministério da Saúde, em nota. A pasta prevê novos envios de kits intubação nas próximas semanas. >
O aumento da demanda mundial comprometeu a oferta, segundo a pasta. "Desde setembro de 2020, o ministério acompanha, semanalmente, a disponibilidade dos medicamentos de intubação em todo o Brasil e envia informações da indústria e distribuidores para que estados possam realizar as aquisições." >
Reuniões são feitas três vezes por semana, conforme o ministério, e envolvem conselhos estaduais e municipais do SUS, a Opas e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta