Publicado em 17 de abril de 2020 às 14:11
Já passava da 1h de segunda-feira, 13, quando um paciente diagnosticado com o novo coronavírus, foi entubado em um respirador artificial no Centro Médico Dr. Genésio Rego em São Luís, capital do Maranhão. O procedimento foi motivo de aplausos por parte de médicos e enfermeiros.>
O equipamento, importado da China, havia chegado apenas quatro horas antes, sob chuva, no aeroporto Marechal Cunha Machado, em uma operação cinematográfica que incluiu uma parceria entre o governo do Maranhão e empresários locais, vigilância sobre os equipamentos desde a fábrica até o desembarque, desvios de rota para fugir dos governos da Europa e EUA, aluguel de aviões e um drible na Receita Federal.>
A operação de guerra foi montada depois de o governo maranhense ter sido atravessado três vezes em tentativas de comprar respiradores, uma delas pelo próprio governo federal, enquanto o sistema de saúde do Estado, um dos mais pobres do País, corria o risco de entrar em colapso nos próximos dias por falta de equipamentos.>
Segundo o secretário estadual de Indústria e Comércio, Simplício Araújo, responsável pela operação, tudo começou com a mobilização de setores do empresariado local dispostos a colaborar no enfrentamento à pandemia.>
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De acordo com o secretário, o governo do Estado, sob o comando de Flávio Dino (PC do B), enfrenta dificuldades financeiras para tomar as medidas necessárias. Os custos estimados para o combate ao coronavírus no Maranhão são de até R$ 800 milhões, incluindo gastos com saúde, assistência social, perda de receitas e renúncias fiscais. Mas até agora recebeu apenas R$ 56 milhões do governo federal.>
Diante do quadro dramático, empresários locais se cotizaram e ofereceram ao governo estadual R$ 15 milhões em doações que variaram de R$ 1 mil a R$ 1 milhão.>
Mesmo assim o governo não conseguia comprar os respiradores. Na primeira tentativa, os EUA atravessaram o negócio, ofereceram mais dinheiro e ficaram com os equipamentos encomendados em uma fábrica na China. Na segunda tentativa foi a Alemanha que deu a volta no governo maranhense. >
A terceira foi junto à Vyaire Medical, em São Paulo, no dia 1o de abril, mas a empresa respondeu que não poderia atender à encomenda porque o governo federal havia requisitado toda a produção de respiradores com base na lei 13.970/2020. Conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo no último domingo, o Ministério da Saúde passou a ser concorrente dos governos estaduais na compra de equipamentos médicos.>
O secretário passou, então, a se valer das boas relações construídas na China, maior fabricante mundial dos equipamentos, ao longo de diversas viagens ao país oriental nas quais acompanhou empresários maranhenses em rodadas de negócios.>
Com ajuda de amigos no outro lado do mundo, Araújo identificou uma fábrica "de confiança" na cidade de Foshan e encomendou 107 respiradores. Para evitar que os equipamentos fossem desviados ou vendidos a outro cliente, funcionários da Vale e do Grupo Mateus, uma rede local de supermercados que importa produtos da China, fizeram pessoalmente, dentro da indústria, a vigilância dos respiradores durante todo o processo de fabricação.>
Além de arcar com os custos da aquisição, os empresários maranhenses tiveram papel decisivo na logística da operação. O governo calculou que se fosse cumprir todas as exigências legais e burocráticas demoraria três meses para adquirir os respiradores. Até lá o sistema de saúde estadual entraria em colapso. >
A saída foi direcionar parte do dinheiro das doações, R$ 6 milhões, direto para o Grupo Mateus, sem passar pelos cofres públicos. Com as credenciais de importadora, a empresa comprou os equipamentos diretamente da fabricante chinesa.>
Para evitar desvios, os brasileiros fizeram a escolta dos respiradores no trajeto de 36 quilômetros que separa a fábrica, em Foshan, do aeroporto de Guangzhou, onde um avião cargueiro alugado pela Vale os aguardava.>
Mesmo de posse dos equipamentos, o governo maranhense ainda temia que a carga fosse confiscada no meio do caminho. Havia a necessidade de uma parada para reabastecer o avião e foram descartadas escalas em Dubai (Emirados Árabes), EUA ou qualquer país da Europa. O ponto escolhido para o reabastecimento foi a Etiópia, de onde o cargueiro seguiu direto para o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.>
"Quando chegou em Guarulhos o desespero era muito grande. Em seis horas conseguimos embarcar tudo em um avião da Azul alugado pelo governo do Maranhão", relatou Araújo.>
Ainda assim havia temor de que os respiradores fossem confiscados pelo governo federal. Foi então que os maranhenses deram um drible na Receita Federal. O primeiro lance foi garantir o sigilo sobre o conteúdo da carga. Para isso, optaram por cumprir os trâmites alfandegários somente em São Luís e não em Guarulhos.>
Segundo funcionários do aeroporto Marechal Cunha Machado, quando finalmente o avião da Gol pousou com os 107 respiradores na capital maranhense, por volta das 21h, não havia funcionários da Receita em serviço. De acordo com as fontes do aeroporto, o motivo é a redução drástica de movimento no local que costumava receber 20 voos diários mas desde o início da pandemia tem apenas um ou dois desembarques por dia.>
Uma comitiva do governo maranhense que incluía dezenas de homens da Polícia Militar, armados, e integrantes do primeiro escalão da administração estadual aguardava a chegada da carga. Para liberar os equipamentos, o secretário Araújo assinou um documento se comprometendo a voltar no dia seguinte para cumprir as exigências legais, o que de fato foi feito.>
Quatro horas depois do desembarque, o primeiro paciente foi entubado. Agora o governo do Maranhão aguarda outros 80 respiradores comprados em mais uma operação de guerra mas para evitar surpresas, a rota foi alterada.>
"Da mesma forma que fizemos em São Paulo, tivemos que passar a mercadoria aqui em São Luís sem despertar a atenção da Receita Federal. Não posso dar mais detalhes porque estamos trazendo outra carga. Não queremos nos vangloriar por este drible. O que a gente gostaria é que o governo federal declare que não vai interferir nas nossas aquisições. Um Estado pobre como o Maranhão não pode ser tungado depois de todo esse esforço que estamos fazendo. Precisamos de mais respiradores¨, disse o secretário.>
Com 630 casos confirmados de coronavírus, o Maranhão tem 60% dos leitos em UTI ocupados. A previsão do governo é que, sem os novos respiradores, as vagas estariam esgotadas na semana que vem.>
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