Publicado em 11 de fevereiro de 2022 às 10:53
Conteúdo verificado: Vídeo publicado pelo ex-senador Magno Malta (PL-ES) no Facebook em que ele parabeniza o governador da Bahia, Rui Costa (PT), por não ter vacinado suas filhas contra a covid-19. Malta afirma que o leite materno é como uma vacina para as crianças. Ele diz também que crianças não devem receber o imunizante e sugere que há possibilidade de as doses provocarem comorbidades e até impedir que meninas tenham filhos no futuro.>
O leite materno não substitui a vacinação de crianças contra a covid-19 como quer fazer crer o ex-senador Magno Malta (PL-ES) em vídeo publicado em sua página no Facebook, no dia 1º de fevereiro. Ele também afirma que crianças não devem ser vacinadas contra a covid-19 e que o imunizante poderia provocar problemas de saúde no futuro e até levar à esterilidade.
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Na gravação, Malta parabeniza o governador da Bahia, Rui Costa (PT), por ainda não ter vacinado suas filhas. O ex-senador afirma que é provável que seja “cancelado” por grupos conservadores por causa do vídeo com elogios a um político petista. Malta é aliado do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que já afirmou que sua filha de 11 anos não será vacinada contra a covid-19.>
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e especialistas consultados pelo Comprova afirmaram que as vacinas contra a doença são seguras e que não há base científica para alegar que imunizantes podem gerar problemas de saúde no futuro, chegando até mesmo a levar à infertilidade. Ainda que o leite materno carregue anticorpos desenvolvidos pela lactante e seja fundamental para o recém-nascido, ele não garante a imunidade de crianças contra a covid-19 e, portanto, não substitui a vacinação.>
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Além disso, nos últimos dois anos, o número de mortes de crianças e adolescentes pelo novo coronavírus no Brasil superou a soma de óbitos do mesmo grupo por outras doenças do calendário vacinal (sarampo, coqueluche, meningite, gripe e febre amarela).>
Procurado pelo Comprova, Magno Malta não respondeu ao pedido de informações. O Comprova tentou contato com Rui Costa, mas o governador apenas encaminhou o link para uma postagem no Twitter, em que ele afirma que suas filhas serão vacinadas, mas não diz quando.>
Enganoso para o Comprova é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.>
A equipe começou a apuração buscando no Google por estudos e notícias relacionadas a vacinas contra a covid-19 e problemas de reprodução, usando as expressões “vacina covid-19”, “crianças”, “infertilidade”, “esterilidade”. As publicações encontradas desmentiam o vínculo entre imunização e este problema de saúde. >
Em seguida, entramos em contato com a Anvisa e questionamos o órgão sobre a proteção oferecida pelo leite materno contra a covid-19. Perguntamos também se vacinas contra a covid-19 em crianças provocam problemas futuros, como esterilidade.>
Os mesmos questionamentos foram direcionados ao pediatra infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, e ao pediatra, também ligado à SBP, Eduardo Jorge da Fonseca Lima.>
A reportagem tentou contato com o ex-senador Magno Malta por telefone e WhatsApp, mas não houve retorno. Malta desligou o telefone quando o repórter se apresentou. E, pelo aplicativo, não respondeu às perguntas enviadas.>
Também entramos em contato com Rui Costa questionando sobre a atual condição da vacinação das filhas.>
Para localizar o vídeo original da entrevista de Costa, citado por Malta em sua publicação, a equipe procurou pelo nome do governador no YouTube junto com a expressão “vacinação de filhas”. Ao filtrar a busca por vídeos mais recentes, o resultado da pesquisa apresenta vídeos com recortes da entrevista original, por meio dos quais é possível identificar que a declaração foi feita ao programa Brasil Urgente Bahia, da Band Bahia.>
A equipe encontrou o vídeo original no canal da emissora no YouTube, no minuto 23:50.>
O Comprova fez esta verificação com base em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de fevereiro de 2021.>
No vídeo verificado pelo Comprova, Magno Malta afirma que “a vacina da criança já vem no peito da mãe”, frase que, no contexto, pode levar à interpretação de que o leite materno é suficiente para proteger crianças contra o coronavírus. No entanto, a afirmação é refutada por especialistas e, ainda que fizesse sentido, não se aplicaria às crianças que já podem ser imunizadas no Brasil (maiores de 5 anos), já que elas teriam sido amamentadas antes do início da vacinação contra a covid-19 no país. >
O pediatra Eduardo Jorge da Fonseca Lim afirma que o leite materno é uma das intervenções mais importantes da pediatria, inclusive na transmissão de anticorpos. Diante disso, a amamentação deve ser estimulada. No entanto, isso não garante a imunidade da criança. “Nós não deixamos de vacinar uma criança contra o sarampo porque a mãe teve sarampo. Não deixamos de vacinar contra a pólio (poliomielite) porque a mãe já tomou a vacina”, afirma.>
De acordo com Lima, a passagem de anticorpos da mãe para o bebê por meio de leite materno tem duração transitória. Mesmo com a constatação de que essa transmissão é fundamental, diz o médico, ela é temporária e não garante a imunidade da criança. “Quando tiver vacina autorizada no Brasil para menores de 5 anos, terá total indicação de ser realizada independente de a mãe ter sido contaminada com covid ou tomado a vacina”, afirma.>
Esse é o mesmo entendimento do presidente do Departamento de Imunizações da SBP. Renato Kfouri explica que o leite materno não substitui a vacinação. “É um jeito de a gente proteger indiretamente as crianças, mas é uma proteção indireta, de curta duração, no máximo dura uns seis meses para outras doenças, para a covid a gente não tem muita certeza, e jamais substitui a vacinação”, ressalta.>
O pediatra infectologista deixa ainda um alerta: “Hoje, a covid é a doença prevenível que mais mata nossas crianças. Se nós somarmos todas as mortes pelas doenças do calendário infantil, a covid, sozinha, matou mais do que todas juntas. Você soma mortes por sarampo, coqueluche, meningite, gripe, febre amarela, junta todas essas mortes, e não são 2,6 mil mortes em dois anos. Precisamos de vacinas para todos.”>
A Anvisa faz afirmações semelhantes. Segundo o órgão, o aleitamento materno é fundamental para o desenvolvimento saudável das crianças, mas não garante imunidade contra doenças infectocontagiosas, como a covid-19.>
Em agosto de 2021, o Instituto Butantan divulgou que estudo feito pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) apontou que lactantes vacinadas com a CoronaVac (produzida pela entidade) apresentaram anticorpos contra a covid-19 no leite materno, capazes de proteger também os bebês. Como ressaltado pelos especialistas consultados pelo Comprova, a publicação também destacou que essa proteção é transitória, de até quatro meses.>
O Ministério da Saúde anunciou, no dia 5 de janeiro, a inclusão de crianças de 5 a 11 anos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. A Anvisa já havia aprovado a imunização desta faixa etária com doses da Pfizer desde 16 de dezembro. Em 20 de janeiro, o uso da CoronaVac foi ampliado para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. >
Mesmo com as autorizações, o ritmo de vacinação da faixa etária avança lentamente no país. Levantamento do jornal Estado de S. Paulo, publicado no dia 4 de fevereiro, mostrou que cerca de 1,9 milhão de crianças foram imunizadas no Brasil até o fim de janeiro. O número representa 10% do público-alvo.>
Conforme destacado na reportagem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já disse que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem capacidade para vacinar 2,4 milhões de pessoas por dia. A desinformação relacionada ao tema e o estoque baixo de doses estão entre os motivos que levam à lentidão na campanha.>
No vídeo, Magno Malta diz também que meninas vacinadas podem não conseguir ter uma gestação no futuro. Como o ex-senador não respondeu ao nosso pedido para esclarecimento das suas afirmações, não é possível saber se ele se sugere que a vacina possa causar esterilidade ou que possa inviabilizar uma gestação por outras razões também decorrentes da imunização. Decidimos então investigar esse primeiro ponto. >
O pediatra Eduardo Jorge da Fonseca Lima afirma que não existe base científica para afirmar que as vacinas contra a covid-19 aplicadas em crianças podem provocar esterilidade no futuro. “Não existe lógica biológica para racionalizar que esse efeito adverso seja possível”, argumentou o médico.>
Questionado se há possibilidade de desenvolvimento de outros problemas de saúde no futuro por causa dos imunizantes, Lima afirma que é pouco provável, mas, como no caso de qualquer vacina, é preciso manter a vigilância. “Não podemos indicar com certeza absoluta o futuro, mas é pouco provável que estas vacinas não sejam seguras. Mas precisamos, sim, manter a vigilância”, diz. Para o médico, a aplicação de mais de 10 bilhões de doses no mundo pesam a favor do entendimento sobre a segurança dos imunizantes.>
O pediatra infectologista Renato Kfouri acompanha o colega e destaca que, até o momento, não há dados que demonstrem a relação entre esterilidade e vacina. Tampouco haveria ligação entre a própria doença e eventuais problemas de reprodução. “É fake que a doença cause problemas e mais fake ainda que a vacina possa trazer alguma complicação em termos de esterilidade”, garante.>
O tema é alvo de conteúdo de desinformação desde o primeiro ano da pandemia. Um boato sobre a vacina Pfizer causar infertilidade em mulheres foi desmentido pela Fato ou Fake em dezembro de 2020. Além disso, postagens que tentam vincular o uso de imunizante à esterilidade em homens também foram refutadas pelo Ministério da Saúde em agosto de 2021. O Comprova também verificou que agências reguladoras negam risco de infertilidade de vacinados.>
Na publicação aqui verificada, o ex-senador também cita que vacinas atualmente obrigatórias para crianças têm longo período de estudo, insinuando que imunizantes contra a covid-19 não são confiáveis por terem sido desenvolvidos em menor período. Lima explica que as vacinas usadas contra o novo coronavírus no Brasil são eficazes e seguras, pois passaram por estudos de fase 1 (segurança), 2 (estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos) e 3 (eficácia), que foram publicados e revisados por pares.>
Segundo o médico, em seguida, as vacinas vão para a fase 4, que é conhecida como “vida real”, e consiste na análise do que ocorre quando as doses já estão disponíveis para a população. Este é um procedimento padrão para qualquer imunizante. Lima diz que os estudos nesta fase precisam continuar em andamento, mas volta a ressaltar que as vacinas já foram aplicadas mais de 10 bilhões de vezes no mundo.>
No Brasil, os imunizantes Pfizer e CoronaVac são usados em crianças. A primeira é produzida com tecnologia RNA mensageiro. Lima explica que o método já é estudado há mais de 10 anos e foi adaptado à covid-19 pela oportunidade. No caso da CoronaVac, a produção é por meio de vírus inativado, método amplamente conhecido na comunidade científica.>
Órgão regulador federal responsável por avaliar a qualidade das vacinas e verificar dados de segurança e eficácia no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que “não há nenhum dado que aponte para eventos adversos que levem à esterilidade após o uso de vacinas contra covid”. Em nota enviada ao Comprova por e-mail no dia 9 de fevereiro, a Anvisa afirmou ainda que todos os imunizantes autorizados no Brasil contra o novo coronavírus “passaram por todas as etapas de estudos clínicos necessárias para que o seu uso fosse permitido”. >
Responsável pelo vídeo checado pelo Comprova, Magno Malta é político pelo estado do Espírito Santo. Foi vereador, deputado estadual e federal e senador por dois mandatos. Nas eleições de 2018, foi cogitado como vice na chapa de Jair Bolsonaro, mas decidiu tentar a reeleição como senador e não conseguiu a vitória nas urnas. >
Magno Malta protagonizou uma cena curiosa ao rezar de mãos dadas com o então presidente recém eleito após o resultado confirmado nas urnas antes da primeira entrevista coletiva oficial dentro da residência de Bolsonaro no Rio de Janeiro.>
Apesar de alguns atritos, seguiu com bastante influência no governo federal. Sua assessora parlamentar, Damares Alves, foi nomeada chefe do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Em suas redes sociais, ele costuma postar encontros semanais com o alto escalão do governo.>
O Comprova tentou contato com o político por telefone em três ocasiões desde o dia 3 de fevereiro. Magno Malta atendeu uma das ligações, mas quando o assunto foi mencionado, a ligação caiu. O Comprova também enviou mensagens via WhatsApp, mas não obteve retorno até a publicação.>
A entrevista concedida pelo governador Rui Costa, citada no vídeo gravado por Malta, foi ao ar no dia 27 de janeiro, no Brasil Urgente Bahia, transmitido pela Band Bahia. O repórter pergunta a Costa sobre a vacinação de suas filhas. O programa completo está disponível no canal da emissora no YouTube. >
Em resposta, o governador diz que as filhas ainda não receberam a vacina e argumenta que o fato tem sido usado por pessoas “levianas e de má-fé”, que, segundo Costa, serão acionadas na Justiça. Em seguida, o chefe do Executivo defende o imunizante.>
Procurado pelo Comprova, Costa respondeu apenas com o link de uma postagem no Twitter em que diz que suas filhas serão vacinadas. A equipe não encontrou informações oficiais sobre a idade delas.>
O jornal Sociedade, de Salvador, repercutiu o assunto no dia 1º de fevereiro, informando que elas têm 8 e 6 anos. Na conta de Costa no Instagram, há publicações de fotos do governador com a família em que ele e a esposa aparecem ao lado de duas crianças. Na descrição do perfil, Costa diz que tem quatro filhos.>
Na Bahia, o público estimado de crianças entre 5 e 11 anos é de 1.476.908 pessoas. Os dados são da Secretaria Estadual de Saúde. Até a data desta publicação, havia o registro de 267 mil crianças que receberam a 1ª dose da vacina contra a covid-19 na Bahia, número que representa 18,13% do total.>
Na capital, o público é de 236.449 crianças, sendo que 88 mil (37%) receberam a vacina.>
O Comprova verifica informações suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais ou aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia da covid-19. O conteúdo checado teve mais de 144 mil visualizações no Facebook até o dia 9 de fevereiro. >
A desinformação relacionada à vacina para crianças pode levar pais e responsáveis a decidirem não levar seus filhos aos postos de saúde para receber o imunizante contra a covid-19. Este cenário atrasa a campanha de vacinação no Brasil e coloca a vida das crianças em risco.>
Outras agências de checagem já mostraram que não há relação entre a vacina e a fertilidade, como este exemplo do Fato ou Fake do G1. A segurança dos imunizantes já foi alvo de verificações do Comprova, como nesta publicação sobre eventos adversos e nesta que mostra que no Brasil não há registro de mortes de crianças provocadas pela vacina contra a covid-19.>
Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.>
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