Publicado em 29 de março de 2020 às 09:18
A guinada dada por Jair Bolsonaro diante da pandemia do coronavírus foi gerada pelo receio de perder apoio do setor empresarial e de trabalhadores autônomos, pilares de sustentação de seu mandato.>
O presidente começou a semana passada sinalizando uma trégua no embate com governos estaduais. No entanto, após ligações e vídeos de empresários e trabalhadores com queixas dos prejuízos com a política de isolamento, e da pressão em suas redes sociais, Bolsonaro radicalizou o discurso.>
O flerte inicial com uma fala moderada foi costurado pela cúpula militar, em especial os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Foi este último, por exemplo, quem marcou com os governadores conversas por teleconferência com o presidente, em um esforço de abrir um canal de diálogo.>
A estratégia parecia ter sido bem-sucedida e recebera elogios até de deputados bolsonaristas, para os quais o momento era de baixar as armas e construir uma solução.>
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A cúpula militar, no entanto, não esperava o movimento casado dos filhos do presidente com o setor empresarial.>
Desde o início da semana, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) vinha dialogando com empresários insatisfeitos com as medidas de isolamento adotadas nos estados.>
As reclamações, segundo assessores palacianos, vinham sobretudo dos setores de varejo, logístico e agropecuário. Eles ameaçavam demitir se o resguardo se prolongasse.>
Flávio fez chegar as reclamações ao pai. O recado implícito era o de que, caso Bolsonaro não se posicionasse ao lado do setor produtivo, ele corria o risco de perder o apoio de boa parcela dos empresários.>
A pressão sobre o presidente foi feita por meio de uma enxurrada de ligações e vídeos de empresários e trabalhadores reclamando das consequências das restrições.>
As queixas chegaram também pelas redes sociais, terreno que sensibiliza Bolsonaro.>
Em um dos vídeos, caminhoneiros reclamavam de não ter comida na estrada porque os estabelecimentos estavam fechados. Diziam que seriam obrigados a voltar para casa. Em outra peça, agricultores aparecem em feiras jogando no chão legumes e frutas. "Todos os restaurantes estão fechados e não tem o que fazer", diz um feirante no vídeo.>
Em paralelo, o gabinete digital da Presidência, sob a influência do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), constatou que o discurso ameno do presidente causou uma desmobilização de perfis de direita nas redes sociais, que passaram a defender menos o governo de ataques da esquerda.>
A avaliação foi a de que, diante do clima de animosidade, era hora de orientar a militância digital apontando inimigos, no caso a imprensa e os governadores, mobilizando os eleitores fiéis a responderem às críticas contra o presidente.>
A mudança de postura foi definida em uma reunião na tarde de terça (24), no Palácio do Planalto. No encontro, que teve as participações tanto de Flávio como de Carlos, o presidente começou a delinear o discurso que faria em rede nacional naquela noite. Nele, rompeu a linha da conciliação.>
Para convencer o presidente, foram mostradas a ele previsões do desemprego nos EUA diante da pandemia.>
Bolsonaro foi informado que a expectativa de integrantes do Federal Reserve de St. Louis, uma das instituições que compõem o Banco Central americano, é que o desemprego pode chegar a 30% no segundo semestre devido às paralisações.>
No Brasil, na avaliação de ministros, o cenário pode ser pior. Isso gerou o receio de que o ônus das medidas adotadas pelos estados recaia sobre ele.>
Antes de gravar o pronunciamento, Bolsonaro enviou o texto, de acordo com assessores presidenciais, para o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia. Ele queria a opinião de alguém com interlocução com o setor produtivo. De acordo com relatos, recebeu apoio.>
O discurso teve repercussão negativa tanto no Legislativo como no Judiciário. A expectativa entre congressistas era por declarações que pregassem a união. No dia seguinte, as respostas preocuparam o presidente. Ele, porém, se acalmou, dizem deputados aliados, após receber ligações de apoio de industriais e de pecuaristas.>
A partir de então, Bolsonaro começou a discutir de maneira técnica com o Ministério da Saúde a ideia de um isolamento vertical --só para grupos de risco. Segundo relatos, a conclusão foi de que, neste momento em que o país ainda não atingiu o pico da doença, não é possível viabilizá-lo em cidades com mais de 100 mil habitantes, onde a chance de aglomerações é maior.>
Bolsonaro, então, passou a defender a sua adoção em cidades do interior, sobretudo as que ainda não registraram casos da doença. Como a determinação de isolamento cabe aos governos municipais e estaduais, a equipe do presidente começou a mobilizar protestos pelo país pela abertura de shoppings e comércios.>
A Presidência, por exemplo, produziu um vídeo de divulgação institucional em que a volta ao trabalho de regimes de confinamento é estimulada, contrariando orientações de autoridades sanitárias.>
A peça foi distribuída, em forma de teste, para as redes bolsonaristas. Nela, categorias como a dos autônomos e mesmo a dos profissionais da saúde são mostradas como desejosas de voltar ao regime normal de trabalho.>
Segundo relatos feitos à Folha, o filme chegou a ser enviado previamente a empresários que apoiam o governo para que eles divulguem o chamado do presidente.>
A Justiça Federal no Rio de Janeiro determinou neste sábado (28) que a União se abstenha de veicular peças publicitárias relativas à campanha "O Brasil não pode parar", defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e contrária a medidas de confinamento adotadas no país em meio à pandemia do coronavírus.>
A decisão, em resposta a uma ação civil pública do Ministério Público Federal, foi proferida durante a madrugada pela juíza Laura Bastos Carvalho. Ela impede a divulgação da campanha por rádio, TV, jornais, revistas, sites ou qualquer outro meio, físico ou digital.>
O tribunal ainda diz que o governo não deve publicar qualquer outra campanha que sugira à população brasileira comportamentos que não estejam estritamente embasados com diretrizes técnicas.>
Tais diretrizes devem ser emitidas pelo Ministério da Saúde, com fundamento em documentos públicos, de entidades científicas de notório reconhecimento no campo da epidemiologia e da saúde pública.>
A Justiça ainda estipulou que o descumprimento da ordem está sujeito a uma multa de R$ 100 mil por infração.>
Em seu pedido, o MPF alegou que a campanha instaria os brasileiros a voltarem às suas atividades normais, sem que estivesse embasada em documentos técnicos que indicassem que essa seria a providência adequada --e que isso poderia agravar o risco de disseminação da doença no país.>
A AGU (Advocacia-Geral da União) disse que aguarda ser intimada da decisão e solicitará subsídios dos órgãos envolvidos. "A AGU irá apresentará em juízo todos os esclarecimentos necessários à elucidação da questão.">
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