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Governo lança plataforma com dados limitados e atrasa boletim epidemiológico

Governo lança plataforma com dados limitados e atrasa boletim epidemiológico

O novo modelo também não traz a classificação das mortes por Covid-19 pela data em que ocorreram, um dos principais pontos de defesa e discórdia junto a atual equipe do ministério

Publicado em 16 de junho de 2020 às 18:52

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Ministério da Saúde registra primeiro caso de coronavírus no ES
Ministério da Saúde tem omitido os dados da pandemia do novo coronavírus. (Divulgação)

Chamado de SUS Analítico, o novo painel anunciado pelo Ministério da Saúde na sexta-feira (12) para divulgar números da pandemia da Covid-19 ainda tem dados limitados e modelo que dificulta a própria análise, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.

Embora traga a possibilidade de filtrar os dados também por município, a nova plataforma ainda não permite baixar esses dados como arquivo, o que dificulta com que sejam comparados ou usados em pesquisas.

Também deixa de fora alguns dados do site anterior, o Painel Coronavírus, como gráficos que mostram a evolução da curva da epidemia com base no total acumulado de casos e mortes e o número de casos de internações por SRAG (síndrome respiratória aguda grave) –parâmetro que ajuda a verificar a pressão sobre a rede e a possibilidade de subnotificação.

Incompleto, o novo modelo também não traz ainda um dos principais pontos de defesa e discórdia junto a atual equipe do ministério: a classificação das mortes por Covid-19 pela data em que ocorreram.

Nas últimas semanas, membros da pasta chegaram a defender que o modelo fosse adotado no lugar do número de novas mortes por data de confirmação –o que, na prática, acabaria por diminuir o total de registros diários.

Após pressão da Justiça, a pasta retomou o formato anterior e passou a dizer que divulgaria ambos os dados –o que ainda não ocorreu.

Para Adriano Massuda, professor da FGV e pesquisador-visitante na Harvard T.H. Chan School of Public Health, o novo painel deve trazer prejuízos ao monitoramento da epidemia caso não incorpore dados do anterior. Também não traz novos dados necessários à análise.

"Ele reduz o que tinha e não traz nada de novo, a não ser uma repaginação simplificadora. As informações do anterior eram mais detalhadas. Se for para substituir o painel anterior por esse, será uma perda tremenda para conseguir acompanhar a situação da epidemia", afirma.

Questionado, o ministério diz que isso ocorrerá, mas não dá prazo nem detalha quais seriam as demais informações. Afirma apenas que a ideia é incluir o total de mortes por data de ocorrência.

Para Massuda, o dado é útil, mas não pode substituir outros modelos ou ser divulgado de forma separada. "Do contrário, parece uma estratégia mais para diminuir o tamanho do problema", avalia.

Ele questiona a ausência, na nova plataforma, de dados de internações por síndrome respiratória aguda grave e de testes já aplicados por estados e municípios, o que ajudaria a ter uma ideia da evolução dos dados e possível subdiagnóstico.

"O novo painel destaca mais o número de casos recuperados, enquanto a meta não é essa, e sim ter o menor número de casos e óbitos."

Para o ex-secretário de vigilância do Ministério da Saúde, o epidemiologista Wanderson Oliveira, embora se proponha a ser um painel de análise, o novo site traz poucos dados em relação ao que já existia, além de modelo que dificulta essa comparação.

"Falta integração com dados laboratoriais e de assistência. Está só replicando o que já se fazia. Se deseja evoluir, é preciso integrar essas informações."

Mesma opinião tem Fátima Marinho, professora de pós-graduação em saúde coletiva na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Segundo ela, ao não permitir o acesso a todos os dados, a pasta diminui a transparência.

"Sem isso, não podemos fazer análise. Transparência é isso: apresento os dados, mas dou oportunidade de que sejam revisados e questionados", afirma.

Na visão de Marinho, para que seja de fato analítico, o portal deveria trazer outros dados, como testes realizados, número de casos suspeitos e descartados, total de pacientes internados em UTIs e ocupação geral de leitos.

Parte desses dados, lembra, chegaram a ser divulgados no início da epidemia, mas acabaram sendo retirados da análise diária ao longo dos meses.

A divulgação dos dados completos não é o único ponto em atraso.

Um boletim epidemiológico, o qual costumava trazer uma análise mais detalhada da situação da epidemia e ações adotadas, não é divulgado desde o final de maio. Até então, era semanal.

O atraso coincide com polêmicas na divulgação dos dados pelo governo Jair Bolsonaro. Nos últimos dias, o ministério ameaçou sonegar dados, atrasou boletins, deixou de informar totais de casos e mortes e divulgou informações conflitantes.

Os dados dos números acumulados da Covid-19 chegaram a ser retirados do ar na sexta (5), e voltaram a ser informados na terça (9), após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Em meio ao impasse, veículos de imprensa formaram um consórcio para compilar e divulgar os dados. Enquanto isso, o Ministério passou a anunciar que divulgaria uma nova plataforma interativa, a qual foi lançada na sexta (12).

Em nota, o Ministério da Saúde diz que a plataforma SUS Analítico será constantemente atualizada e que ainda deve agregar ferramentas do painel anterior e novos dados, como o registro de mortes por data de ocorrência.

"A medida auxiliará a se ter um panorama mais realista do que ocorre em nível nacional e favorecerá acompanhar a migração da infecção no território nacional e local", aponta. A pasta não deu prazo para a atualização.

Disse ainda que os dados são abertos, com possibilidade de download. Essa ferramenta, porém, não estava disponível até a manhã desta terça (16).

Questionado nesta segunda (15) sobre o que mudava com a nova plataforma, o secretário-executivo do ministério, Antônio Élcio Franco, voltou a defender que a análise das mortes ocorra pela data de ocorrência, mas negou que haja exclusão de outros dados.

"O somatório é o mesmo, mas as curvas vão aparecer de forma diferente, sem os picos", disse, em referência a datas em que há queda de casos devido a menor número de equipes para análise de testes.

Segundo ele, problemas de tecnologia e verificação dos números atrasaram a inserção desses dados, o que ainda deve ocorrer.

Ele diz que a ideia da pasta era ter o novo painel como única ferramenta de análise –decisão do STF, no entanto, impediu que o modelo anterior fosse excluído, relata.

"As informações ainda estão muito parecidas, mas a intenção era apresentar no SUS Analítico", diz. "O que ele tem de diferente é que permite consulta personalizada."

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O ministério não apresentou justificativas para o atraso no boletim epidemiológico. Questionado, disse apenas que a divulgação deverá ocorrer em breve.

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