Publicado em 2 de maio de 2020 às 08:25
Qual o efeito prático sobre o isolamento social a cada vez que Jair Bolsonaro faz um passeio, participa de uma manifestação ou minimiza o risco do coronavírus? >
Um grupo de acadêmicos brasileiros tentou medir o impacto concreto de cada batatada do presidente.>
O resultado acabou de ser publicado pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, onde o pernambucano Tiago Cavalcanti é professor de economia.>
Ele e os colegas Daniel da Mata e Nicolás Ajzenman, ambos da Fundação Getulio Vargas, escreveram o paper "More than Words: Leaders' Speech and Risky Behavior During a Pandemic" (Mais do que Palavras: Discursos de Líderes e Comportamento de Risco durante uma Pandemia").>
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A conclusão é que, sim, as palavras de Bolsonaro têm impacto imediato, sobretudo em municípios que foram seu redutos na eleição de 2018.>
"Numa situação como a do coronavírus, em que há muitas incertezas e nem todo mundo consegue ter a informação mais exata, a voz de um líder político é muito influente", disse Cavalcanti à reportagem.>
Em termos práticos, o que os pesquisadores fizeram foi estabelecer o cruzamento de dois bancos de dados.>
Primeiro, tiveram acesso a informações da empresa pernambucana In Loco, que faz levantamentos de geolocalização com base em 60 milhões de aparelhos celulares em todo o país.>
Por meio deste monitoramento, é possível saber se há aglomerações e se as pessoas estão se movimentando ou respeitando as medidas de quarentena, ficando em casa.>
Essa é uma tecnologia que muitos governos estão utilizando para medir o distanciamento social, e não envolve o rastreamento de indivíduos, que poderia levantar questionamentos sobre quebra de privacidade. O que se estabelece são padrões de comportamento coletivos.>
O outro banco de dados utilizado são os resultados eleitorais de 2018, divididos por municípios. Os autores do estudo separaram as cidades entre bolsonaristas e não-bolsonaristas.>
As bolsonaristas foram definidas como aquelas em que o atual presidente teve maioria absoluta dos votos já no primeiro turno. São 1.1910 municípios, ou 34% do universo total.>
Além dessas cidades bolsonaristas "puro sangue", foram incluídas também outras em que o hoje presidente teve resultado melhor do que a votação mediana nos estados.>
A conclusão a que o estudo chega é que, em cidades bolsonaristas, o isolamento social cai entre 10% e 20% na comparação com as não-bolsonaristas, após algum gesto tresloucado do presidente.>
Duas ocasiões em especial geraram grande mudança: a participação do presidente, no dia 15 de março, em um ato em Brasília, em que cumprimentou apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, e o já tristemente célebre pronunciamento dele em 24 de março em rede nacional, quando chamou a doença de "gripezinha".>
"Antes desses dois eventos, não houve nenhuma tendência diferente entre os municípios pró-Bolsonaro e os outros em termos de isolamento social. Todos caminhavam de forma mais ou menos uniforme. Depois, houve um descolamento", afirma Cavalcanti.>
Os dados foram pesquisados entre os dias 1º de fevereiro, quando a Covid-19 ainda era uma ameaça distante, e 14 de abril, data em que a pandemia já havia se instalado com força por aqui.>
O efeito de manifestações e discursos de Bolsonaro costuma durar cerca de uma semana, afirma o estudo. Ele é amplificado em localidades que contam com forte presença de meios de comunicação locais, especialmente sites jornalísticos.>
Para chegar à informação mais precisa possível, foi necessário considerar todos os fatores que podem gerar índices maiores ou menores de isolamento social. No jargão técnico, "controlar" esses elementos.>
"Há outros fatores que influenciam no distanciamento, como a característico do município, demografia e políticas implementadas pelos governadores", diz o professor. Descontados todos esses itens, chegou-se à conclusão de que, sim, a postura presidencial conta, e muito.>
E este é um fenômeno é global, relata Cavalcanti.>
Nos EUA, por exemplo, a defesa feito pelo presidente Donald Trump de que as pessoas injetassem desinfetante para combater a doença, algo que deixou embasbacada a comunidade científica, gerou um aumento de buscas sobre isso no Google.>
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