Publicado em 16 de dezembro de 2020 às 11:28
Hospitais públicos e privados de São Paulo registraram em novembro um aumento de casos e internações por Covid-19 em crianças, em relação a outubro, acendendo um alerta para o impacto da infecção também no público infantil. Nos meses anteriores, não houve variações significantes. >
Embora os pequenos de até dez anos representem apenas 1,43% do total de internações e 0,31% das mortes por Covid no país, os especialistas chamam a atenção para o fato de eles não estão tão imunes como muita gente imagina.>
Dados da Secretaria Municipal da Saúde mostram que, na faixa etária entre zero e nove anos, foram 18 internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) causada por Covid em outubro, contra 43 em novembro. Os dados são das redes pública e privada de saúde.>
No Sabará Hospital Infantil, por exemplo, as internações infantis por Covid quadruplicaram nesse período, passando de 3 para 12. Os diagnósticos positivos para o Sars-Cov-2 saltaram de 53 para 101, um aumento de 90%. O Samaritano informou que também registrou aumento, mas que, devido à variações constantes dos dados, não informaria os números.>
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"Os números revelam o que está acontecendo com os adultos. Quando se faz a investigação epidemiológica, a gente vê que as crianças estão se infectando dentro de suas casas, porque os seus pais ou outros contactantes estão adoecendo", diz o infectologista Francisco Ivanildo Oliveira, gerente médico do Sabará.>
Francisco Ivanildo Oliveira
InfectologistaSegundo ele, na grande maioria dos casos, as crianças tendem a evoluir bem, adoecem muito menos que os adultos e têm menor necessidade de internação. Mas, se já tiverem problemas de saúde preexistentes (comorbidades), há risco de complicações.>
Na última terça (8), cinco crianças estavam na UTI do Sabará (uma com confirmação de Covid e outras quatro com suspeita). Desde o início da pandemia, o hospital registrou um óbito, de uma criança que teve a síndrome multissistêmica inflamatória, reação grave associada ao coronavírus.>
"Se o velhinho tiver múltiplas comorbidades, o risco de morrer por Covid é maior. A mesma coisa, em menor proporção, pode acontecer com as crianças", diz Oliveira.>
No caso da síndrome, porém, até crianças saudáveis podem desenvolvê-la, embora sejam quadros pouco frequentes. "A gente não sabe ainda quais os fatores de risco que estão associados a ela. É uma complicação tardia, quando ela parece já não tem mais atividade viral", explica.>
Um levantamento inédito da Vital Strategies mostra que, de março a outubro, 6.303 crianças com até dez anos foram hospitalizadas no Brasil por Srag causada pela Covid-19. Dessas, 510 morreram. Nos Estados Unidos, até setembro de 2020, haviam sido reportadas 103 mortes de crianças por Covid.>
A maioria das crianças brasileiras infectadas infectadas (4.752) tinha menos de cinco anos -2.198 não haviam completado o primeiro ano de vida.>
Segundo a médica Fátima Marinho, pesquisadora senior da Vital Strategies e professora de saúde pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no auge da pandemia, houve um aumento na taxa de letalidade hospitalar de crianças abaixo de cinco anos, o que pode indicar uma eventual associação com a Covid.>
As maiores variações, comparando com 2019, ocorreram nos meses de abril e maio de 2020 (2,9 e 3 por 10 mil, respectivamente), com mais de 80% de aumento.>
"À medida que você faz pouco teste em criança, você também não identifica precocemente o caso, o que pode contribuir para um pior desfecho. A criança pode ter uma clínica diferente, por exemplo, febre e dor abdominal. É diferente do quadro respiratório clássico do adulto.">
Para ela, é importante que os médicos e os pais estejam atentos ao impacto da Covid nesse público infantil. "A criança até dois anos interage mais e, assim, fica mais exposta. É a que está sendo mais infectada", afirma.>
Segundo a médica, dados preliminares apontam que crianças pequenas com comorbidades, como asma e diabetes tipo 1, têm maior risco de apresentar quadros mais graves da doença. "Mas temos casos graves também de crianças sem nenhuma comorbidade [caso da síndrome inflamatória multissistêmica].">
Os diagnósticos positivos de Covid entre crianças de zero a dez anos têm aumentado em vários municípios paulistas, segundo o Info Tracker, projeto da USP e Unesp que monitora a pandemia.>
Na Grande São Paulo, Osasco teve alta de 113% (de 15 para 32), Barueri, de 47% (19 para 28), São Caetano do Sul, de 27% (11 para 14). No interior, São José do Rio Preto registrou aumento de 214% (78 para 245), Botucatu de 18 para 32 (78%) e Campinas, de 53 para 63 (18%).>
"Como as aulas estão suspensas na maioria das escolas, isso leva à hipótese de que os adultos não só estão disseminando o vírus para as faixas acima de 60 anos mas também para as crianças dentro de suas próprias casas", diz Wallace Casaca, professor da Unesp e coordenador do Info Tracker.>
No Hospital Nove de Julho (SP), dos 61 casos positivos de Covid em crianças neste ano, 24 foram em novembro (39% do total). Em outubro, foram apenas quatro casos. A instituição teve uma internação nesse período.>
O hospital também registra aumento de queixas de doenças respiratórias, cenário normalmente visto entre março e junho. Em novembro, foram atendidas 203 crianças, contra 143 em outubro.>
"A gente não teve antes porque as pessoas estavam em casa, foi auge do distanciamento social", diz a pediatra Camila Luizetto, coordenadora do PS infantil do Nove de Julho.>
Além do receio da Covid, as famílias buscam o diagnóstico para organizar o isolamento da criança em uma eventual confirmação. "Muitas vezes, elas estão sob cuidados de um idoso ou de alguém de algum grupo de risco", afirma a médica.>
O Sabará Hospital Infantil desenvolveu, em parceria com algumas escolas, um protocolo de cuidados para a retomada das aulas, fornecendo suporte e orientação aos pais, alunos e cuidadores durante a pandemia.>
Segundo Francisco Ivanildo Oliveira, gerente médico do hospital, o projeto piloto envolve duas escolas e foi desenvolvido a partir das diretrizes nacionais e internacionais com especialistas, educadores e pais para minimizar os riscos de contaminação.>
Até o momento, não foi registrado nenhum contágio entre as crianças. "Tivemos casos entre os adultos jovens, professores e outras categorias profissionais.">
O Brasil é um dos poucos países em que as escolas estão fechadas durante a alta recente dos casos de Covid-19.>
Em São Paulo, a capital e outras regiões regrediram para a fase amarela, o que restringiu horários de comércios e serviços. Mas o governo estadual não mudou a orientação para as escolas: continuam autorizadas a abrir parcialmente.>
No entanto, a decisão final cabe aos municípios --e somente 219 de 645 seguiram a orientação. Na capital, por exemplo, estão liberadas aulas regulares para o ensino médio e apenas atividades extracurriculares para educação infantil e ensino fundamental.>
A Secretaria Municipal de Saúde, por sua vez, apontou para estudos sorológicos que mostram uma prevalência do vírus, em média, em 16% das crianças, sendo que 65% desses casos são assintomáticos.>
Além disso, 25% dos alunos residem com pessoas maiores de 60 anos, que são grupo de risco. Afirma ainda que a contaminação dos professores aumentaria com o convívio com as crianças.>
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