Publicado em 11 de abril de 2020 às 08:51
A Covid-19 tem se mostrado mais letal entre negros do que entre brancos, segundo dados divulgados nesta sexta (10) pelo Ministério da Saúde.>
Embora minoritários entre os registros de afetados pela doença, pretos e pardos representam quase 1 em cada 4 dos brasileiros hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (23,1%) mas chegam a 1 em cada 3 entre os mortos por Covid-19 (32,8%).>
Com os brancos, ocorre o contrário: são 73,9% entre aqueles hospitalizados com Covid-19, mas 64,5% entre os mortos.>
"Chama a atenção essa diferença de 10 pontos percentuais entre negros hospitalizados e negros mortos pela Covid-19", diz Denize Ornelas, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.>
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"Ou seja, se as chances de morte pela doença não dependem de raça ou cor, tem algo errado, uma outra influência neste resultado, seja o tipo de tratamento oferecido, seja alguma outra comorbidade que as pessoas negras tenham.">
A diferença de letalidade entre brancos e negros pode ser maior já que, do total de 1.056 óbitos pela doença contabilizados, 32% não tiveram a cor/raça da vítima registrada. "O fato de não existir um terço da informação sobre os óbitos é algo grave e indica que o Ministério da Saúde tem falhado ao orientar os profissionais no preenchimento dos dados relativos à Covid-19", avalia Ornelas.>
Segundo ela, esses dados refletem a primeira onda de contaminados pelo novo coronavírus: pessoas de alto poder aquisitivo, que viajaram para fora do país e voltaram com o vírus. "São pessoas majoritariamente brancas e que tiveram acesso aos testes e a serviços hospitalares", diz.>
De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) são negros, e estes também são maioria dos pacientes com diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas no país ?todos considerados agravantes para o desenvolvimento de quadros mais gravosos da Covid-19.>
Ornelas avalia que, como a onda de manifestação da doença entre pessoas periféricas começou no início do abril, e isso ocorreu concomitantemente ao que chamou de "blecaute" na disponibilidade de testes, o quadro atual pode ser mais grave do que aquele apresentado pelos dados. Apenas em São Paulo há uma fila de ao menos 17 mil testes aguardando processamento.>
Para Luis Eduardo Batista, pesquisador do Instituto da Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e membro do grupo de trabalho de racismo e saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), os dados atuais já indicam que o coronavírus chegou às periferias antes do que se pensava.>
"Com 20 dias desde o primeiro óbito, termos 32% das mortes entre pessoas negras indica que o isolamento social não retardou a chegada do coronavírus nas periferias como esperávamos", diz. "A epidemia começou com uma elite, majoritariamente branca, mas que tem sua cozinheira, sua faxineira, seus cuidadores, majoritariamente negros.">
Para a assistente social Lúcia Xavier, diretora da ONG de mulheres negras Criola, organização que integra a Coalizão Negra por Direitos, os dados do Ministério da Saúde são um "sinal vermelho" sobre os efeitos da pandemia entre os negros no país.>
"A pandemia atingiu inicialmente uma população com condições muito favoráveis e foi dura mesmo neste grupo de pessoas brancas, ricas e com amplo acesso à saúde. É assustador pensar nos seus efeitos sobre a população negra, que tem péssimas condições de vida e comorbidades associadas", diz.>
Segundo ela, boa parte dessas comorbidades são ligadas a questões sociais, como a falta de saneamento básico, e agravadas pelas desigualdades raciais, como condições precárias de moradia, que favorecem doenças como a tuberculose, ou alimentação inadequada, que promove doenças como diabetes e hipertensão arterial.>
"Essas condições socioeconômicas vão gerando maior vulnerabilidade em saúde que vai pesar muito durante a pandemia", avalia.>
Além disso, afirma Xavier, quando os negros adoecerem, eles encontrarão um sistema de saúde que vem sendo esgarçado há muito tempo. "Isso significa a população negra, em muitos casos, pode nem alcançar esse serviço.">
Nos EUA, o novo coronavírus está matando negros em taxas mais elevadas do que na população em geral. E autoridades interpretam que o fato se deva às disparidades no acesso a cuidados e atendimento de saúde ?o que poderá ocorrer também no Brasil.>
Na quarta-feira (8), a Coalizão Negra Por Direitos entrou com pedido, via Lei de Acesso à Informação, para que o ministério da Saúde divulgasse os dados relativos à pandemia do coronavírus com recortes de raça, gênero e localização.>
O pedido também foi feito pelo Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da SBMFC, que pressiona as autoridades sanitárias para que os dados sobre as mortes e casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) sejam desagregados por bairros nos municípios.>
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