Publicado em 4 de novembro de 2020 às 10:32
A imagem de uma Nossa Senhora em uma das mãos. Na outra, uma pistola, e o dedo indicador no gatilho. No ombro direito, uma bandeira do Brasil sobre a camiseta na cor chumbo, que estampa um cachorro cercado por aparatos bélicos. O óculos branco é estilo gatinho. O batom, cor-de-rosa. >
Foi assim que Juliana Gaioso (PSL), candidata a vereadora em Campo Grande (MS), posou para a fotografia que está em seu panfleto de maior repercussão na internet. Com mais de 4.200 seguidores no Instagram e 2.000 no Facebook, ela tem como bandeiras a religiosidade e as armas.>
Gaioso é parte de um fenômeno que deu um passo da marca das eleições de 2018. No pleito para a presidência, Jair Bolsonaro estimulou aliados a acompanhar o gesto de fazer "arminha" com as mãos. Eleito, agiu para flexibilizar o acesso da população às armas. Agora, imagens de pistolas povoaram campanhas de candidatos a vereador e prefeito.>
Em São Bernardo do Campo (SP), o ex-assessor do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, busca vaga na Câmara Municipal. Nas redes, intercala imagens de fuzis e pistolas, vídeos de ações políticas e expressões de religiosidade.>
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Em vídeo recente, mostra um entregador chegando com encomenda em sua casa: havia um fuzil dentro da caixa. Também postou foto em que uma criança empunha fuzil de brinquedo. Chuchu foi apontado pelo Facebook como divulgador de notícias falsas.>
Em Recife, um candidato à prefeitura com 1% de intenção de votos, Coronel Alberto Feitosa (PSC), tem postado imagens de armas e textos como: "Sou a favor que as mulheres possam se defender! As mulheres hoje são estupradas, são assaltadas e não têm como se defender! Armamento para elas! Assim como a defesa para as mulheres que apanham dos maridos dentro de suas casas!". Procurado, Feitosa não respondeu ao pedido de entrevista.>
Mulheres armadas contra a violência aparecem em pelo menos duas campanhas. Joice Hasselmann (PSL) postou foto apontando uma pistola para a lente da câmera que a fotografa. A candidata, que já fundiu seu rosto à protagonista do filme "Kill Bill", uma noiva enfurecida e exímia lutadora criada por Quentin Tarantino, agora procura difundir na internet a exaltação de suas habilidades com armas.>
Joice conta que pratica o tiro esportivo há quatro ou cinco anos. "Comecei nos EUA, onde inclusive é muito menos burocrático e você pode atirar com armas de cano longo, armas longas, como metralhadoras, escopetas. Tenho uma AR-15 nos EUA, está lá, bem bonitinha, ganhei de presente", diz.>
No Brasil, mantém uma pistola com documentação da Polícia Federal. "Só falta mesmo fazer a prova, o que não é problema, porque atiro bem, mas não tive tempo por conta da campanha".>
Joice defende a ampliação do armamentismo. "Sou uma liberal e acho que as pessoas têm de optar se querem ou não ter uma arma consigo uma arma em casa para proteger a família.">
Mas ela não acha que sua campanha estimula o armamentismo e não fez uso de imagens de armas no horário eleitoral na TV. "As pessoas fazem o que quiserem. Eu simplesmente coloquei uma foto [nas redes] mostrando um pouco do meu dia a dia. Simples assim." Mas diz que "quem tem uma arma tem de ter muita responsabilidade, em especial de manusear essa arma, para evitar qualquer tipo de acidente.">
Gaioso, a candidata que posou armada com a imagem de Nossa Senhora, diz que a associação de religiosidade a belicismo representa duas crenças. "A arma é o direito de legitima defesa, a defesa do meu corpo e da minha família. E a Nossa Senhora Aparecida, a defesa da minha alma", diz. "Uma proteção física e outra proteção espiritual", prossegue.>
Questões relacionada a armamento, flexibilização de posse, porte e aquisição de armas não são decididas pelas prefeituras e nem podem ser alteradas com legislação nas esferas municipais, já que são temas de gestão federal. A candidata está ciente disso.>
"No âmbito municipal, o que posso trabalhar é com políticas públicas de conscientização da pequena parcela da população que acha que a segurança do indivíduo compete apenas ao Estado".>
Ela afirma que, no Mato Grosso do Sul, em 2005, 75% da população votou favorável ao direito de ter uma arma para se defender. "A nossa população é majoritariamente armamentista".>
Casada com um policial civil e ex-assessora da senadora Soraya Thronicke, ela deixou o cargo para ser candidata, diz ter uma arma em casa e afirma que nunca precisou fazer uso dela, "graças a Deus".>
Segundo o Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios caiu 14,3% em Mato Grosso do Sul de 2017 para 2018.>
O número de assassinatos no país, que estava em queda desde 2018, cresceu no primeiro semestre deste ano, quando 25.712 pessoas foram mortas - uma a cada 10 minutos. Esse total é 7% maior que o registrado no mesmo período de 2019 (24.012 assassinatos). O Brasil continua a ser considerado um dos países mais violentos do mundo.>
Após postar a imagem com Nossa Senhora, Gaioso foi atacada por internautas, mas diz que "só houve repercussão no meio esquerdista, que sempre se posicionou contra o direito de defesa do indivíduo e contra os valores cristãos. Ser atacada por essas pessoas, pra mim é motivo de orgulho. Eu me preocuparia era se estivessem concordando comigo".>
Mas muitos ataques não vieram pela exaltação do armamentismo e sim pela associação com o cristianismo. "Quanto a grupos religiosos, dos perfis que me atacaram, a maioria parecia ser de ateus, mas milagrosamente passaram a ser devotos de Nossa Senhora após a minha publicação".>
Desde 2018, armas também ganharam alguma projeção na esquerda, tradicionalmente antiarmamentista, especialmente no Partido da Causa Operária (PCO). Na época, o candidato ao Senado Danilo Matoso disse ser favorável ao armamento da população e que "a própria população" deveria "se organizar em guardas locais".>
Em sabatina da Folha de S.Paulo/UOL, o candidato do PCO à Prefeitura de São Paulo, Antonio Carlos Silva, disse ser a favor de armar a população para que ela se defenda da polícia.>
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