Publicado em 7 de outubro de 2020 às 22:46
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez uma doação irregular em dinheiro vivo para a campanha deste ano de reeleição de seu filho Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. >
De acordo com dados disponibilizados pelo candidato ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o presidente fez um depósito de R$ 10 mil em espécie na conta da campanha do vereador.>
A prática, da forma como descrita, contraria resolução do ano passado do TSE sobre regras para as doações eleitorais. Segundo o tribunal, contribuições em dinheiro acima de R$ 1.064,10 só podem ser feitas mediante transferência bancária ou cheque cruzado e nominal.>
Procurados, o Palácio do Planalto e o vereador não comentaram o caso até a publicação desta reportagem.>
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A regra foi criada em 2015 para evitar lavagem de dinheiro nas eleições. Transações em espécie não configuram crime, mas podem ter como objetivo dificultar o rastreamento da origem de valores obtidos ilegalmente. Atualmente, esse tipo de movimentação é comunicada automaticamente ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) quando ultrapassa R$ 10 mil.>
Em manifestação em 2018, a PGR (Procuradoria-Geral da República) afirmou que "depósitos em espécie abrem margem para a prática de fraudes, como o uso de 'laranjas'".>
"Além disso, a simples inclusão de CPF informado pelo depositante dificulta o controle sobre a real origem do dinheiro, que pode ter vindo de fonte vedada", afirmou a PGR em 2018, ao divulgar a reprovação de contas de um candidato a prefeito de Rolim de Moura (RO) em razão da prática.>
O advogado Alexandre Di Pietra, especialista em contas partidárias e eleitorais, afirma que há um monitoramento para avaliar a capacidade econômica dos doadores, o que exige o uso do sistema financeiro.>
"O limite existe para dificultar a lavagem de dinheiro. Tem que haver uma fonte lícita para aplicação de recurso na eleição. O Nije [Núcleo de Inteligência da Justiça Eleitoral] analisa o banco de dados, identifica o doador, se é regular e se tem capacidade econômica. Se não tiver, emite um alerta para o TCU.">
De acordo com a resolução do TSE, o dinheiro depositado irregularmente não pode ser usado pelo candidato e deve ser devolvido ao doador. Caso seja utilizado, pode impactar na análise das contas eleitorais pelos tribunais.>
Carlos ainda não apresentou despesas de campanha ao TSE. Além dos recursos doados pelo pai, o vereador também transferiu R$ 10 mil de sua própria conta bancária para a conta de campanha.>
"Ele tem que devolver o dinheiro para o pai, e a doação tem que ser feita por transferência ou cheque", afirmou Di Pietra.>
O vereador declarou ter R$ 20 mil em dinheiro em espécie como patrimônio. Ele já havia feito declaração semelhante nas eleições de 2012 e 2016.>
O jornal Folha de S.Paulo mostrou no mês passado que o presidente e seus filhos fizeram sucessivas doações em dinheiro vivo para irrigar suas campanhas eleitorais de 2008 a 2014. No total, foram injetados R$ 100 mil em espécie nesse período -corrigidos pela inflação, os valores chegam a R$ 163 mil.>
A prática funcionou por meio de autodoações em dinheiro vivo e de depósitos em espécie feitos por um membro da família em favor de outro. Em duas candidaturas, a utilização de cédulas foi responsável por cerca de 60% da arrecadação da campanha.>
O uso frequente de dinheiro vivo no financiamento eleitoral repete hábito da família Bolsonaro de pagar contas pessoais e até quitar parcelas de imóveis com recursos em espécie, costume atualmente investigado no caso das "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.>
Carlos também é alvo de investigação do Ministério Público sob suspeita de empregar funcionários-fantasmas em seu gabinete na Câmara. A prática é apontada pela Promotoria como uma forma de alimentar a "rachadinha", suspeita que também recai sobre o vereador.>
Jair Bolsonaro, quando deputado, também empregou funcionários-fantasmas em seu gabinete. Uma delas, a personal trainer Nathalia Queiroz, transferiu cerca de 80% de seu salário obtido no gabinete de Jair na Câmara para o pai, Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro da suposta "rachadinha" no gabinete de Flávio.>
O elevado uso de dinheiro vivo nas campanhas destoa da prática de outras candidaturas bem-sucedidas naqueles anos.>
Reportagens e dados obtidos por órgãos de investigação mostraram que a família Bolsonaro, especialmente na figura do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), já movimentou mais de R$ 3 milhões em dinheiro vivo nos últimos 25 anos.>
Entre as operações em espécie, segundo as apurações, estão a compra de imóveis, a quitação de boletos de planos de saúde e da escola das filhas de Flávio, o pagamento de dívidas com uma corretora e depósitos nas contas da loja da Kopenhagen da qual o senador é dono.>
O Ministério Público do Rio de Janeiro suspeita que o filho mais velho do presidente tenha utilizado recursos obtidos com o suposto esquema de devolução de salários em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para permitir essas operações em benefício pessoal.>
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