> >
Bolsonaro esvazia acordo de vacina firmado na véspera com gestão Doria

Bolsonaro esvazia acordo de vacina firmado na véspera com gestão Doria

As declarações provocaram abalos entre os governadores, que contam com o imunizante para os próximos meses, congressistas e na própria gestão João Doria (PSDB)

Publicado em 22 de outubro de 2020 às 08:22

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Presidente da República, Jair Bolsonaro durante plantio de árvore amazônica no marco do Programa Caixa Refloresta.
Presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que vacina contra a Covid-19 não será comprada. (Anderson Riedel/PR)

O presidente Jair Bolsonaro esvaziou nesta quarta-feira (21) o acordo anunciado na véspera por seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, para a compra de 46 milhões de doses da vacina contra a Covid produzida pela chinesa Sinovac com o Instituto do Butantan, ligado ao governo paulista.

"NÃO SERÁ COMPRADA", escreveu Bolsonaro em letras maiúsculas em uma rede social ao responder a um internauta que alegara querer ter "um futuro, mas sem interferência da ditadura chinesa".

"Qualquer coisa publicada, sem comprovação, vira TRAIÇÃO", reagiu o presidente após outro internauta dizer que Pazuello o traiu com o acordo.

As declarações provocaram abalos entre os governadores, que contam com o imunizante para os próximos meses, congressistas e na própria gestão João Doria (PSDB), à qual o Butantan é ligado.

Na véspera, ao fazer o anúncio durante reunião com governadores, o ministro se referira à vacina, cujo contrato de produção foi fechado por Doria, desafeto do presidente, como "a vacina do Brasil".

O acordo foi celebrado pelo tucano em redes sociais como "vitória do Brasil", o que desencadeou a torrente de reações e desembocou, na manhã seguinte, no ataque do presidente ao acordo.

O lance é o mais recente no embate político entre o presidente e o governador de São Paulo, prováveis adversários na disputa presidencial em 2022, que encontrou na corrida pela vacina um novo palco.

A pandemia de Covid já deixou mais de 155 mil mortos no Brasil, e, após sete meses de quarentena, 3 em cada 4 brasileiros afirmam querer se vacinar assim que possível, segundo pesquisa Datafolha dos dias 5 e 6 de outubro.

Paralelamente, Doria defende a obrigatoriedade da imunização, e Bolsonaro prega contra. No mesmo levantamento do Datafolha, feito em São Paulo, Rio, Recife e Belo Horizonte, ao menos 70% dos entrevistados defenderam a vacinação compulsória.

A vacina da Sinovac está na terceira e última fase de testagem, quando se verifica sua segurança e eficácia.

É a mesma fase em que se encontra a vacina escolhida pelo governo federal para produzir no país via Fiocruz, a da farmacêutica AstraZeneca com a Universidade de Oxford (Reino Unido). Sem os testes terem sido concluídos, contudo, nenhuma delas tem ainda aval da Anvisa para aplicação na população, condição básica para que qualquer acordo de produção siga adiante.

"Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem", escreveu Bolsonaro. "Qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE e CERTIFICADA PELA ANVISA" [maiúsculas dele].

Embora Bolsonaro tenha afirmado que "diante do exposto" a decisão é a de não adquirir a vacina, o Ministério da Saúde não chegou a romper o trato, com valor previsto de R$ 1,9 bilhão (segundo a pasta), explorando um jogo de palavras ao ora se referir ao imunizante como "vacina chinesa", ora como "vacina produzida pelo Butantan".

Os primeiros 6 milhões de doses da vacina da Sinovac virão da China, mas o restante, segundo o convênio, deve ser produzido pelo Butantan.

No primeiro momento, a pasta apagou o tuíte em que comunicava o anúncio e, em nota subsequente, negou o compromisso para compra de vacinas com o governo de São Paulo "ou seu governador".

Logo em seguida, porém, alegou que houve interpretação equivocada do acordo e reafirmou ter um protocolo de intenções para compra de uma possível "vacina brasileira" com o Butantan.

"Tratou-se de um protocolo de intenção entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan, sem caráter vinculante, grande parceiro do Ministério da Saúde na produção de vacinas para o Programa Nacional de Imunizações."

A pasta chega ainda a informar que, com a iniciativa, o país teria 186 milhões de doses de vacinas a serem disponibilizadas já no primeiro semestre de 2021, a partir de janeiro.

Na nota, o ministério ressalta novamente que a necessidade de um compromisso depender de "análise técnica e aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos e pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS", como já afirmava o ofício enviado ao Butantan no dia 19, obtido pela Folha.

O teor vai ao encontro das declarações do presidente de que "qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE e CERTIFICADA PELA ANVISA" e que "o povo brasileiro NÃO SERÁ COBAIA DE NINGUÉM" [maiúsculas do original].

Ao falar em "cobaia" o próprio Bolsonaro parece ter notado a estranheza de sua súbita defesa da comprovação científica após meses defendendo o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid, mesmo sem haver evidências científicas para sustentá-lo.

Em visita às instalações do Centro Tecnológico da Marinha em Iperó (SP) na tarde de quarta, afirmou: "Toda e qualquer vacina está descartada por enquanto. A vacina precisa de comprovação científica para ser usada, não é como a hidroxicloroquina".

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais