Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 18:05
Num discurso na Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, na noite desta quarta (15), o presidente Jair Bolsonaro afirmou ter demitido diretores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, principal órgão de preservação dos bens culturais do país, depois que a instituição interditou uma obra do empresário Luciano Hang, um de seus mais notórios apoiadores. >
Bolsonaro afirmou no discurso registrado em vídeo ter ficado sabendo que um pedaço de azulejo apareceu durante as escavações para a construção de uma loja da Havan, o que teria motivado as demissões.>
"O que que é Iphan, com 'ph'?", pergunta Bolsonaro. "Explicaram para mim, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá.">
A plateia de empresários ri e aplaude. Eles estavam reunidos para o evento Moderniza Brasil - Ambiente de Negócios, em São Paulo.>
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O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente", acrescentou Bolsonaro, dizendo ainda que havia muitos políticos interessados nos cargo e que o Iphan tem um poder de barganha "extraordinário".>
Um representante do Iphan que não quis se identificar afirma que o governo está usando o órgão e a distribuição de cargos de livre nomeação para fins eleitorais, com o objetivo de arregimentar apoio da base evangélica para as eleições do ano que vem.>
O informante cita como exemplo as mudanças recentes no tradicional prêmio Rodrigo Melo Franco, que desde 1987 agracia ações de preservação do patrimônio que mereçam destaque. O pastor Tassos Lycurgo, diretor do departamento de fomento do Iphan, substituiu na comissão do prêmio acadêmicos com doutorado por pessoas com ligação a setores evangélicos e um militar.>
Além disso, diz o informante, os critérios do prêmio foram alterados, o que fez com que a transparência diminuísse. Escalar pessoas ligadas aos evangélicos para o Iphan -a exemplo da presidente do órgão, Larissa Dutra, indicada por Bolsonaro- pode atender interesses culturais desse setor e criar mecanismos que priorizam determinadas manifestações culturais.>
Depois da divulgação do vídeo, o Ministério Público Federal (MPF) pediu nesta quinta (16) o afastamento imediato da presidente do Iphan, em caráter liminar. O MPF alega que o vídeo é prova de que há desvio de finalidade na nomeação e posse da atual presidente do Iphan.>
"No caso em julgamento, sequer buscaram os agentes do ato ocultar a verdadeira motivação na nomeação e posse da ré Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, qual seja, a de 'não dar mais dor de cabeça' para o Presidente da República e seu círculo de 'pessoas conhecidas'", afirma o MPF.>
Além dos ataques do presidente e da troca de funcionários do alto escalão do Iphan, foi sob o governo Bolsonaro que o conselho consultivo do Iphan, a instância máxima para tombamentos e registros de bens imateriais, ficou sem se reunir por um ano e oito meses. Esta foi a maior paralisação do Iphan em 65 anos -algo que não foi visto nem na ditadura militar.>
Tombamentos e registros são as mais importantes formas de preservação do patrimônio do país. O Iphan tem em sua lista de bens tombados e registrados, por exemplo, o Teatro Oficina, em São Paulo, o centro histórico de Salvador, Rio de Janeiro e Ouro Preto, em Minas Gerais, entre outras cidades históricas, e acervos como o do Museu Lasar Segall, em São Paulo, e o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.>
Tombar um imóvel e seu entorno pode atravancar o avanço de projetos imobiliários -restrição que o próprio presidente já disse opor.>
Na famosa reunião ministerial de abril de 2020, o presidente ironizou que para preservar um "cocô petrificado de índio" o Iphan teria travado obras de Luciano Hang. "O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô, para a obra", disse Bolsonaro, na reunião.>
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