Publicado em 25 de setembro de 2020 às 20:20
Dois novos estudos publicados em uma das principais revistas científicas do mundo, a Science, indicam que pelo menos 1 em cada 10 pessoas que desenvolveram quadros graves de Covid-19 pode ter sido atacada pelo próprio sistema imunológico.>
O quadro é mais frequente entre os homens: 12,5% dos que desenvolveram casos agudos do novo coronavírus tiveram a condição agravada pelo próprio sistema de defesa, ante 2,6% das mulheres.>
De acordo com os pesquisadores, os resultados ajudam a explicar por que pessoas sem comorbidades conhecidas que contraíram a Covid-19 morreram.>
Em contato com um vírus, o corpo produz substâncias chamadas interferon tipo 1 (proteína). Essa proteína é responsável por impedir que o vírus se reproduza nas células e por estimular as demais células a combater o invasor. Essa fase inicial de ação ativa a resposta imune com produção de anticorpos.>
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O primeiro estudo analisou amostras de plasma e soro de 987 pessoas com Covid-19 agravada, 663 assintomáticos ou pré-assintomáticos e 1.127 pessoas saudáveis (que integraram o grupo controle).>
Os pesquisadores descobriram que em 10% dos casos o corpo dos pacientes tinha anticorpos que agiam contra os seus próprios interferons tipo 1. Ou seja: o próprio sistema de defesa do organismo impedia que o corpo combatesse o Sars-CoV-2, tendo como consequência o agravamento da doença, e, em parte dos casos, a morte.>
Carolina Prando, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Genética do Sistema Imune do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e coautora dos estudos, explica que há dois tipos de interferons tipo 1, o alfa e o beta. O interferon alfa foi o mais atacado pelo sistema imunológico dos pacientes testados.>
"O anticorpo funciona como se fosse uma doença autoimune para bloquear o interferon [alfa]. Portanto, não adianta dar interferon [alfa] para os pacientes. Existem tratamentos para outras doenças, por exemplo, que são feitos com interferon beta. É preciso realizar ensaios clínicos para saber se suplementar o interferon beta pode trazer benefício para o tratamento da Covid-19", disse.>
Com a nova descoberta é possível, ainda, prever quais pacientes correm maior risco de morrer.>
As descobertas podem ainda auxiliar pesquisas sobre o tratamento com plasma convalescente, processo em que se aplicam em um paciente anticorpos obtidos do plasma de quem já teve a doença e se recuperou.>
Também podem refrear a introdução de anticorpos em pacientes que façam parte dos 10% afetados pelo ataque autoimune, já que isso faria a doença se agravar em vez de melhorar, pois os anticorpos combateriam o próprio organismo e não o vírus.>
As conclusões são complementadas pelo outro estudo publicado, segundo o qual 3,5% dos pacientes com quadro clínico grave da Covid-19 apresentaram mutações genéticas que impedem o organismo de produzir anticorpos contra o vírus. Nesse estudo foi analisado o material genético de 659 pessoas no estado grave da doença.>
Prando frisa que apenas novos ensaios clínicos vão revelar se a mutação torna esses pacientes suscetíveis a reinfecção na forma grave. "Não podemos descartar essa possibilidade. O interferon é necessário para que haja anticorpos. Por esta ser uma mutação genética, pode ser hereditário e, portanto, é importante investigar se outros familiares de um doente em estado grave correm maior risco.">
Nesses casos, diz ela, seria possível estimular o sistema imunológico com a administração de interferon tipo 1, de forma similar ao que ocorre no tratamento da hepatite.>
Com a publicação dos estudos, o grupo se prepara para dar início aos ensaios clínicos que verificarão as possíveis intervenções terapêuticas para contornar os resultados divulgados.>
Ambos os estudos foram realizados pelo COVID Human Genetic Effort, projeto de colaboração entre mais de 50 centros de sequenciamento genético e centenas de hospitais pelo mundo. Prando e outro brasileiro, o pesquisador Antonio Condino Neto, da Universidade de São Paulo (USP), integram a diretoria do projeto.>
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