Publicado em 31 de maio de 2020 às 13:22
Passados três meses desde que o primeiro caso de coronavírus foi confirmado no Brasil, o Ministério da Saúde ainda sofre entraves para ampliar a testagem de casos e entregar parte dos itens prometidos para ampliar a rede de assistência.>
Os impasses ocorrem em meio a trocas sucessivas de gestão. De abril até agora, o Ministério da Saúde teve dois titulares, que deixaram o governo por discordâncias com o presidente Jair Bolsonaro, e está atualmente sob comando interino de um general.>
A pandemia também levou a cenários como o da dificuldade para encontrar fornecedores e insumos, cancelamento de contratos diante da concorrência com outros países e até mesmo disputas judiciais por equipamentos.>
Em paralelo, governos dos estados reclamam da falta de uma política única de enfrentamento e apontam impactos.>
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"Desde o início do processo o ministério anunciou medidas como alocação de respiradores e colocação de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) à disposição dos estados. Essas iniciativas todas se frustraram e isso teve um impacto muito forte nas gestões estaduais", afirma Alberto Beltrame, secretário de Saúde do Pará e presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).>
Uma das principais dificuldades está na oferta de testes, necessária para identificação e controle de casos da Covid-19 no país. Entre fevereiro e abril, a previsão de oferta foi pouco a pouco ampliada - de 1 milhão para 2,3 milhões, depois 10 milhões, 23 milhões e 46,2 milhões.>
Até agora, porém, apenas 10 milhões de testes foram distribuídos, valor abaixo do previsto em cronogramas do programa Diagnosticar para Cuidar, que citavam ao menos 17 milhões até o fim de maio.>
O ministério também chegou a anunciar a instalação de um centro de diagnóstico emergencial em parceria com a rede privada e de postos de coleta de amostras em cidades com mais de 500 mil habitantes, mas as medidas ainda não têm prazo.>
Ações prometidas para a organização e ampliação da rede de assistência também sofrem atrasos, como a oferta de respiradores a pacientes em estado grave nas UTIs.>
Em abril, o Ministério da Saúde chegou a fechar um contrato para importar 15 mil respiradores, mas a compra foi cancelada devido a falta de garantia de entrega.>
A solução foi fechar uma parceria para obter 14.100 respiradores via produção nacional. Até agora, no entanto, só 1.612 foram entregues, número abaixo dos cerca de 7.000 previstos para o último mês.>
Representantes das indústrias ouvidos pela Folha alegam dificuldade em importar peças e disputas judiciais entre governo, estados e municípios para oferta dos produtos.>
O entrave na obtenção de respiradores também fez naufragar outra proposta do ministério: o aluguel emergencial de até 3.000 leitos temporários de UTI para estados mais afetados pela pandemia.>
A iniciativa foi uma das primeiras anunciadas em meio à crise, mas só 540 foram contratados -outros dois editais não tiveram interessados.>
Por outro lado, houve aumento na habilitação de leitos, processo em que o ministério passa a financiar parte dos custos de estruturas criadas para atendimento em estados e municípios. Até o momento, ao menos 6.142 leitos foram habilitados.>
Secretários, porém, reclamam de atrasos no processo com as seguidas trocas de gestão e pedem que seja mantida a velocidade de habilitações.>
"Uma vez que não se cumprem esses compromissos do ministério relativos a respiradores, monitores e leitos de UTI, estados tiveram que buscar por conta própria alternativas e foram jogados a um mercado perverso", diz Alberto Beltrame, que lembra que a concorrência impactou nos preços e que vários estados tiveram problema na entrega de produtos.>
Para Wilames Bezerra, presidente do Conasems, conselho que representa secretários municipais de saúde, as constantes trocas de gestão geraram atraso em medidas que poderiam ser resolvidas.>
"A instabilidade de gestão do governo federal cria uma dificuldade na ponta", diz, citando como exemplo o atraso no lançamento de regras e financiamento de leitos para hospitais de campanha -o que só ocorreu na última semana.>
"Precisamos de uma política mais definida no enfrentamento da pandemia. Muitas das coisas que acontecem agora deveriam estar acontecendo há 60 ou 90 dias.">
Enquanto isso, o avanço da doença ao interior alerta para a necessidade de novas ações.>
Embora o ministério não aponte quando será o pico, alguns especialistas sugerem que a epidemia poderá seguir em alta até julho, com casos também nos meses seguintes.>
"Vale a pena chamar atenção que continua a inexistência de um plano de enfrentamento nacional, articulado com estados e municípios. A gente assistiu a um entra e sai de ministros", afirma Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).>
O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que assumiu o planejamento inicial de preparação do país para a chegada do novo coronavírus, atribui parte das dificuldades na entrega dos itens devido à disputa mundial pelos produtos.>
"Era um momento com EUA, Europa, África, todos tentando comprar e países bloqueando exportações", diz.>
Outra dificuldade, segundo Mandetta, foi a mudança de quadro a partir da entrada do vírus na Itália, o que revelou outro comportamento da epidemia e afetou parte do planejamento traçado em janeiro.>
As informações iniciais da China apontavam para um vírus "mais pesado" e "lento", diferente do que se viu depois em outros países, aponta.>
Para Mandetta, apesar das dificuldades, a solução para a compra de respiradores ajudou a segurar parte da demanda. "Foi um trabalho dificílimo. Mas é o que está segurando a onda.">
Ele diz ter deixado a gestão com a compra de EPIs já entregues e previsão de novas aquisições, mas diz não saber se as medidas foram à frente.>
A Folha de S.Paulo procurou o ex-ministro Nelson Teich, mas não recebeu resposta.>
Em nota, o Ministério da Saúde informa que "segue em constante esforço para ampliar a aquisição e a distribuição de EPIs, testes, respiradores, habilitação de leitos, medicamentos e contratação de profissionais de saúde".>
Questionada, a pasta atribui a menor oferta de testes até aqui devido a dificuldades junto a fornecedores, mas mantém a previsão de 46 milhões.>
Afirma ainda que as entregas estão sendo feitas semanalmente, segundo a necessidade de estados e municípios.>
De acordo com o ministério, um edital para locação de 2.000 leitos extras terminou em 30 de abril sem interessados e novos processos devem ser realizados. Diz ainda ter investido R$ 882 milhões na habilitação de leitos, com outros pedidos em análise.>
Sobre respiradores, o ministério afirma que a distribuição tem ocorrido conforme a capacidade de produção da indústria nacional, que depende de peças importadas, e que a responsabilidade pela aquisição desses aparelhos e de EPIs é de estados e municípios, mas que tem dado apoio na compra dos mesmos.>
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