Publicado em 30 de março de 2024 às 11:26
SÃO PAULO - Primeiro, começaram as mensagens desconexas em meados de 2020. Um desconhecido escrevia para a relações públicas Renata Meirelles, 38, como se eles mantivessem uma relação. Ela achou estranhou e o bloqueou.>
Ele criou outras contas. Fez mais de 40 perfis e mandou 500 mensagens ao longo de nove meses. "Ele falava como se me conhecesse", lembra ela. Além de lotar sua caixa de mensagens, o perseguidor procurava amigos de Renata, que também o desconheciam.>
Depois, as abordagens passaram a ser físicas. Ele descobriu o endereço dela e apareceu em sua casa duas vezes. Ela acionou a polícia nas duas ocasiões, que deteve o homem. A perseguição continuou. Um certo dia, ela estava no cabeleireiro, olhou para fora e ele estava lá.>
Renata contratou um advogado e procurou a delegacia para registrar um boletim de ocorrência, mas não obteve facilmente uma medida protetiva — isso porque casos de perseguição costumavam ser classificados como violência doméstica e, como ela não o conhecia, não conseguiu o respaldo.>
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Foi apenas após a sanção da lei de stalking (nome em inglês para perseguição), em 2021, que conseguiu uma medida restritiva contra o agressor. O homem foi preso por um período, e ela não tem mais notícias de seu paradeiro.>
A lei que respaldou Renata completa três anos neste domingo (31) e estipula até dois anos de prisão a quem "perseguir, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".>
Um levantamento realizado pela Folha de S.Paulo apontou que, no ano de 2023, o Brasil registrou 79,7 mil casos de stalking envolvendo mulheres --ou seja, a cada hora, 9 mulheres buscaram uma delegacia para denunciar o crime.>
Ao todo, foram 93,1 mil casos em 2023. O valor representa um aumento de 38,5% da quantidade de ocorrências do ano anterior, que foram 67,2 mil.>
Os números têm como base boletins de ocorrência enviados pela Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação e com dados oferecidos pelas secretarias de segurança pública. A análise leva em consideração Distrito Federal e todos os Estados, exceto Paraíba, que não retornou os pedidos de LAI e assessoria até a publicação desta reportagem.>
Especialistas explicam que, apesar de situações como a de Renata existirem, o stalking é ainda mais comum no caso de ex-companheiros não aceitam o fim do relacionamento. Para Teresa Cabral, integrante da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça de São Paulo, o crime está inserido em uma espécie de dinâmica das violências domésticas e não costuma ser isolado.>
Cristine Nascimento Costa, delegada da 1ª DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de São Paulo, considera que a perseguição por meio de redes sociais costuma ser ainda mais comum. "[O agressor] tem mais facilidade hoje de operar o crime, corre menos risco de uma abordagem policial e é muito fácil seguir uma pessoa, criar um perfil fake", diz ela.>
Na época em que foi perseguida, Renata expôs o que passou nas redes, chamando a atenção para esse tipo de crime, e recebeu diversos relatos de pessoas que passaram por situações semelhantes.>
Depois, mudou hábitos na internet. Entre eles, não posta mais em tempo real e também não responde a mensagens de quem não conhece.>
As mulheres são as maiores afetadas pelo crime de stalking; elas já registraram 169 mil denúncias ao longo dos últimos três anos, enquanto os homens somaram 28 mil.>
As denúncias que envolvem mulheres representaram 85,7% de todos os casos de perseguição no Brasil no ano passado. Já homens representaram 14,3% de todas as ocorrências de stalking no último ano — 13,3 mil.>
Em relação aos Estados, Tocantins teve o maior aumento. Em um ano, em números absolutos, o Estado viu as denúncias saltarem de 557 para 1.271, uma alta de 128,2%.>
O segundo maior crescimento proporcional foi de Roraima, com 115%. Entre os anos de 2023 e 2022, os casos no Estado foram de 273 para 587. A lista segue com Rio Grande do Norte (78,1%), Rondônia (75,1%) e Pará (73,3%).>
O único Estado que registrou queda nos casos de stalking foi Mato Grosso do Sul. A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Segurança para entender essa queda, porém a pasta não respondeu.>
Juliana Cunha, diretora da Safernet, destaca que são os Estados da Região Norte os que detêm os maiores indicadores de violência contra a mulher.>
Ela analisa que, por mais que os registros de stalking tenham crescido, boa parte das vítimas ainda não denuncia. "Temos a percepção de que a internet é é difícil de a polícia investigar, faltam recursos humanos e técnicos para se realizar este tipo de verificação.">
A delegada Cristine Costa explica que o crime é classificado como stalking caso o agressor persiga a vítima de forma reiterada —apesar de a lei não especificar, ela considera que mais de duas vezes é o suficiente para configurar o crime.>
Além disso, o stalking tem uma progressão criminosa, que pode ter desfechos trágicos, como feminicídio. Por isso, ela orienta que a vítima procure uma delegacia no início da perseguição --é importante juntar provas, como prints de mensagens, publicações, gravações e até imagens de câmeras de monitoramento.>
"Assim, conseguimos frear a progressão criminosa da conduta [do agressor]", diz ela.>
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