Publicado em 4 de setembro de 2020 às 15:40
O orçamento de 2021 elaborado pelo governo Jair Bolsonaro condiciona 42% dos recursos do MEC (Ministério da Educação) à aprovação de créditos extras ao longo do ano. Dos R$ 114,9 bilhões orçados, R$ 48,9 bilhões não estão garantidos para a pasta. >
Sem a garantia dos recursos, a gestão de políticas educacionais fica comprometida, uma vez que as liberações de crédito suplementares costumam ocorrer no meio do ano. O cenário preocupa especialistas e integrantes do MEC.>
A situação afeta iniciativas da educação básica à pós-graduação. O impacto é mais contundente nas universidades e institutos federais.>
O projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021, encaminhado ao Congresso nesta semana, condiciona a liberação desses recursos à aprovação legislativa para contornar a chamada regra de ouro. A regra impede que o governo se endivide para pagar despesas correntes (como salários e custeio), o que só pode ocorrer depois de aprovação dos parlamentares.>
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Desde 2019, o Orçamento federal chega ao Congresso com previsão de desrespeito à regra de ouro. A peça de 2021, entretanto, alcançou nível recorde, com 30% do Orçamento sob essa condicionalidade (equivalente a R$ 453,7 bilhões).>
?Além de o cenário no MEC ser mais intenso que o da média do governo, o volume de recursos nessa condição na pasta teve um grande salto: na peça de 2020, a primeira vez em que a pasta foi atingida, o percentual era de 13% e passou para 42%.>
Os recursos vinculados à função educação representam, por exemplo, 10% do total condicionado no Orçamento. Foram 3% neste ano. Só a função Defesa tem percentual maior nesta comparação, chegando a 11% em 2021 -por outro lado, o número é mais próximo do previsto neste ano (de 8%).>
O Orçamento ainda pode ser alterado no Congresso. Questionado, o Ministério da Economia não respondeu por que a educação foi mais afetada.>
Em nota, a pasta ressaltou o que prevê a regra de ouro. "O aumento de despesas correntes obrigatórias, sem o correspondente aumento de receitas primárias, requer autorização do Poder Legislativo.">
O Ministério da Educação não respondeu como planeja lidar com o quadro. A pasta afirma, em nota, que "não indicou a previsão de condicionamento" e que os ajustes na proposta "foram realizados pelo Ministério da Economia".>
Para Felipe Poyares, assessor de relações governamentais do Todos Pela Educação, "isso pode ser compreendido como uma menor autonomia orçamentária do governo". Poyares ressalta que a situação se agrava ao analisar a baixa execução orçamentária do MEC e a ausência de um orçamento para enfrentamento dos efeitos da pandemia de coronavírus na educação.>
A Folha de S.Paulo analisou as previsões de todos os órgãos vinculados ao MEC. Somente a Ebserh, empresa pública que gerencia os hospitais universitários, tem todo o orçamento garantido, de R$ 6,1 bilhões. O órgão é comandado pelo general Oswaldo de Jesus Ferreira.>
No FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), os recursos condicionados representam quase metade do total, sobretudo porque 73% dos R$ 19,6 bilhões previstos para a complementação da União ao Fundeb estão também sujeitos a crédito extra.>
Outras ações do órgão estão comprometidas. Dos R$ 54,7 milhões previstos para o apoio à manutenção de educação infantil, 58% estão condicionados. Por outro lado, há previsão de R$ 222 milhões para implantação de creches em 2021 (área com baixa atuação do governo Bolsonaro até agora).>
Já no ensino superior federal, 45% do dinheiro de universidades e institutos não está garantido, na média -esse percentual foi de 14% neste ano. Em 17 das 68 universidades, o percentual passa de 50%.>
O pesquisador Gregório Grisa, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, diz que a lógica de retenção já vem ocorrendo, mas ter um volume tão grande de orçamento condicionado pode engessar as instituições.>
"Isso precariza muito o planejamento da política de pessoal, inviabiliza nomeações e contratações que são necessárias para substituir quem se aposenta", afirma. "Os planos de ação e desenvolvimento ficam comprometidos, o que pode prejudicar a oferta de vagas.">
O vice-presidente da Andifes (que reúne os reitores das federais), Marcos David, diz que a demora na liberação desses recursos pode provocar entraves nos pagamentos de pessoal ou de contratos. "Se não tivermos o desbloqueio em tempo hábil, podemos ter problemas de fluxo de caixa.">
O orçamento total das universidades teve leve alta de 1,6%, mas, por causa do crescimento das despesas obrigatórias, o orçamento discricionário caiu 16%. Isso preocupa ainda mais os reitores, afirma David, que é reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora.>
"Estamos em processo de contenção de gastos que vem desde o final de 2014. Um período muito longo de reduções, com cortes nominais ou perda real", diz. "Como é um processo contínuo, tem hora que não tem de onde cortar.">
Na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), um terço dos R$ 2 bilhões previstos para pagamento de bolsas para pesquisadores depende de novo crédito. O governo já cortou, em 2019, 8% das bolsas de pesquisa.>
Um terço do orçamento de R$ 1,1 bilhão para a realização de exames e avaliações da educação básica, como o Enem e o Saeb, também está sujeito a nova liberação.>
Segundo relatos feitos à Folha, o cenário preocupa a equipe do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), responsável pelas ações. Contratos para aplicação, por exemplo, são realizados até o meio do ano e dependem de empenhos.>
Sob o governo Bolsonaro, o MEC já tem problemas de gestão orçamentária. Até o meio do ano, a maior parte dos gastos da pasta foram de orçamento não usado em 2019. O programa que busca levar internet à escolas não teve nenhum dinheiro previsto para este ano, como a Folha revelou em ambos os casos.>
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