A territorialização do policiamento nos "hotspots" (as "zonas quentes", áreas conflagradas pela criminalidade, a exemplo das UPPs no Rio de Janeiro ou outras denominações em Estados e países) representaram importantes marcos de mudanças de paradigmas. No entanto, são ações que não se sustentaram com o tempo e logo cederam espaço para outras mais "simplificadas", midiatizadas e "tecnológicas".
A descrição segue um loop, um interregno obscuro. Dentro do qual pairam experimentos solitários onde as PMs permanecem, abrem espaços dilacerados pelo crime, mas as demais políticas públicas acabam não entrando. A fragmentação de ações é grande e geralmente descoordenada.
Essa crise é muito bem descrita no filme nacional denominado "Intervenção", que retrata um obtuso cenário onde, ilhados, policiais militares do RJ a todo o momento lutam contra um sistema muito maior e perverso. Gerada por séculos, a romantização da desordem tem recebido aplausos geralmente por quem encontra-se longe dos seus efeitos. Mas quem vive cotidianamente sente medo e pavor.
Jorge da Silva, coronel da reserva da PMERJ e doutor em sociologia, in memorian, traz à baila em um dos seus relevantes livros há 32 anos importante constatação: “Diante do caos, as acusações mútuas. A polícia acusa a Justiça, o Ministério Público acusa a polícia. A Justiça se defende. Os advogados acusam a polícia. A polícia acusa todo o sistema. Diante do caos as reuniões, os ‘mutirões’ contra a violência, os estudos, os relatórios, as comissões, os conselhos. Diante do caos, a constatação do imenso atraso e da extrema dificuldade – de toda ordem - para equacionar e enfrentar o problema seriamente. Diante da complexidade, a fuga. E mais uma vez a simplificação: o crime é problema da polícia. E lá se vão os estudos e os relatórios. Volta-se à estaca zero e aciona-se a polícia. E lá vai a polícia para o combate”.
O prelúdio citado é surpreendente. No plano atual, outra "novidade" noticiada encontra-se em curso: "cidades integradas". Iniciando no Jacarezinho, já se remete um questionamento: haverá sistematização formal e duradoura ou é mais uma reedição midiatizada de um novo laboratório que se descontinuará?
Experiências viram "cases" tão somente, estudos, que, na prática, não ganham forma e sustentabilidade. Uma sociedade só sobrevive se as preocupações com suas vigas sejam de fato reais. Do contrário, serão castelos de areia construídos em meio ao midiatismo.
Este vídeo pode te interessar
Pretendemos dotar a sociedade de políticas contínuas e sustentáveis que garantam a sua sobrevivência? Se essa questão não for honestamente respondida, padeceremos como temos testemunhado com o tempo: intermináveis laboratórios focados em experiências inacabadas em hotspots. As descontinuidades são severas. Não há aprimoramentos em torno de ações que são construídas e acabadas intermitentemente. Medidas firmes e contínuas: independente de bandeiras ideológicas, talvez esse seja um primeiro passo.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.