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É tenente coronel da PM do Espírito Santo e especialista em segurança pública

Policiamento em bairros conflagrados pelo crime ainda é uma política inacabada

Pretendemos dotar a sociedade de políticas contínuas e sustentáveis que garantam a sua sobrevivência? Se essa questão não for honestamente respondida, padeceremos como temos testemunhado com o tempo: intermináveis laboratórios

  • Sandro Roberto Campos É tenente coronel da PM do Espírito Santo e especialista em segurança pública
Publicado em 25/01/2022 às 14h29
Polícia Militar reforça o patrulhamento no bairro Planalto Serrano após tiroteios entre traficantes e ameaças à jornalistas que faziam matéria sobre a onda de violência na região
Polícia Militar reforça o patrulhamento no bairro Planalto Serrano após tiroteios entre traficantes em 2021. Crédito: Fernando Madeira

A territorialização do policiamento nos "hotspots" (as "zonas quentes", áreas conflagradas pela criminalidade, a exemplo das UPPs no Rio de Janeiro ou outras denominações em Estados e países) representaram importantes marcos de mudanças de paradigmas. No entanto, são ações que não se sustentaram com o tempo e logo cederam espaço para outras mais "simplificadas", midiatizadas e "tecnológicas".

A descrição segue um loop, um interregno obscuro. Dentro do qual pairam experimentos solitários onde as PMs permanecem, abrem espaços dilacerados pelo crime, mas as demais políticas públicas acabam não entrando. A fragmentação de ações é grande e geralmente descoordenada.

Essa crise é muito bem descrita no filme nacional denominado "Intervenção", que retrata um obtuso cenário onde, ilhados, policiais militares do RJ a todo o momento lutam contra um sistema muito maior e perverso. Gerada por séculos, a romantização da desordem tem recebido aplausos geralmente por quem encontra-se longe dos seus efeitos. Mas quem vive cotidianamente sente medo e pavor.

Jorge da Silva, coronel da reserva da PMERJ e doutor em sociologia, in memorian, traz à baila em um dos seus relevantes livros há 32 anos importante constatação: “Diante do caos, as acusações mútuas. A polícia acusa a Justiça, o Ministério Público acusa a polícia. A Justiça se defende. Os advogados acusam a polícia. A polícia acusa todo o sistema. Diante do caos as reuniões, os ‘mutirões’ contra a violência, os estudos, os relatórios, as comissões, os conselhos. Diante do caos, a constatação do imenso atraso e da extrema dificuldade – de toda ordem - para equacionar e enfrentar o problema seriamente. Diante da complexidade, a fuga. E mais uma vez a simplificação: o crime é problema da polícia. E lá se vão os estudos e os relatórios. Volta-se à estaca zero e aciona-se a polícia. E lá vai a polícia para o combate”.

O prelúdio citado é surpreendente. No plano atual, outra "novidade" noticiada encontra-se em curso: "cidades integradas". Iniciando no Jacarezinho, já se remete um questionamento: haverá sistematização formal e duradoura ou é mais uma reedição midiatizada de um novo laboratório que se descontinuará?

Experiências viram "cases" tão somente, estudos, que, na prática, não ganham forma e sustentabilidade. Uma sociedade só sobrevive se as preocupações com suas vigas sejam de fato reais. Do contrário, serão castelos de areia construídos em meio ao midiatismo.

Pretendemos dotar a sociedade de políticas contínuas e sustentáveis que garantam a sua sobrevivência? Se essa questão não for honestamente respondida, padeceremos como temos testemunhado com o tempo: intermináveis laboratórios focados em experiências inacabadas em hotspots. As descontinuidades são severas. Não há aprimoramentos em torno de ações que são construídas e acabadas intermitentemente. Medidas firmes e contínuas: independente de bandeiras ideológicas, talvez esse seja um primeiro passo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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