Autor(a) Convidado(a)
É doutoranda da FDV. Promotora de Justiça e coordenadora do Fórum Espírito-santense de combate aos impactos de Agrotóxicos e Transgênicos. Coordenadora do Fórum Capixaba de Resíduos sólidos do MPES

O que o Antropoceno está tentando dizer?

Antropoceno é a era em que vivemos, marcada pelos impactos do homem  na Terra. O cenário atual da geração de resíduos e da falta de circularidade da economia é preocupante

  • Isabela de Deus Cordeiro É doutoranda da FDV. Promotora de Justiça e coordenadora do Fórum Espírito-santense de combate aos impactos de Agrotóxicos e Transgênicos. Coordenadora do Fórum Capixaba de Resíduos sólidos do MPES
Publicado em 09/06/2022 às 11h58

O dia 5 de junho marcou a comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente. Mas a data, não obstante os esforços públicos e privados atualmente tão amplamente divulgados e dignos de comemoração pelo avanço que representam, ainda aponta para grandes desafios a marcar a era do Antropoceno, caracterizada pelo impacto do homem na Terra. Para além dos bombardeios que a relevância acadêmica e técnica tem sofrido, percebe-se diariamente nos noticiários que a crise ambiental nunca foi tão urgente. Ela se instalou, e não é de hoje.

Em 2009, as grandes ameaças sistêmicas levaram a que cientistas liderados por Rockstrom, do Stockholm Resilience Centre (2022), propusessem o conceito de limites ambientais planetários, com o objetivo de definir fronteiras como forma de garantir critérios de segurança visando à sobrevivência da humanidade.

Foram identificados nove indicadores que contribuem para o comprometimento da vida na terra, mas três são bastante preocupantes pois sobre eles há certo consenso de que teriam ultrapassado o ponto de equilíbrio ou tipping point: as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, a intoxicação de organismos vivos.

Aparentemente ultrapassamos os questionamentos que até o 3º Relatório do IPCC, de 2013 ainda dividiam a comunidade científica em torno das significativas e determinantes contribuições humanas para o cenário do aquecimento global, a partir do 4º Relatório, o consenso científico foi alcançado, ainda que ainda desafie sua aceitação social, constrangendo-nos à meta de permanecermos com uma variação de apenas 1,5º ponto percentual e conclamando a todos em torno do Race do Zero.

Em relação à perda de biodiversidade, assistimos hoje à 6º extinção em massa de espécies, que tem na ação humana a sua causa. Finalmente, em relação à intoxicação de organismos vivos, chamando a atenção a crescente geração de resíduos sólidos urbanos, fruto de uma sociedade de consumo, que tem sido responsável por uma massa atropogênica superior à biomassa viva total na Terra, segundo Elhacham, de 1,1 trilhão de toneladas.

Nesse contexto, há pouco o que comemorar quando alcançamos uma taxa de reciclagem de menos de 0,5%!!! Não bastasse o cenário preocupante com a geração de resíduos e a falta de circularidade da economia, ainda nos desafia a constatação de que atualmente o maior percentual das mortes globalmente verificadas em 2015 recaiu sobre causas relacionadas à poluição, segundo a revista Lancet (2017). Os maiores níveis de poluição não mais recaem sobre os poluentes tradicionais (falta de saneamento básico) mas sobre poluentes modernos (emissões industriais, de veículos, de ozônio troposférico, por chumbo e agrotóxicos).

Kotzé afirma que o Antropoceno vem capturando científica e popularmente a crise socioecológica global, enfatizando a responsabilidade humana pela causa e pelo dever de resposta a essa crise. No entanto, a reflexão que parece que deve ser feita é a partir da constatação de Thomas Kuhn de que “enquanto subsiste a crença em torno do paradigma os problemas científicos são vistos como quebra-cabeças ainda pendentes entre a observação e a teoria”.

No momento em que a teoria ou o paradigma já não são capazes de dar respostas adequadas aos problemas, passam eles à condição de anomalias e consequentemente o problema assume a condição de contraexemplo, instalando uma situação de crise. A crise já está instalada, a mudança paradigmática precisa ocorrer e ela depende da sociedade civil e fortemente das instituições. O Antropoceno a isso está apontando!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Meio Ambiente poluição Mundo

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.