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É doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Não há justificativas civilizacionais para saudar a morte de Lázaro

Um pilar do que conhecemos como “civilização” é punir transgressores após julgamento por tribunal competente, independente e imparcial.  Isso não significa “defender bandido”, mas fazer valer nossa racionalidade

  • Francisco Fernandes Ladeira É doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Publicado em 01/07/2021 às 02h00
Lázaro
Veículo do Instituto Médico Legal (IML) deixa hospital de Águas Lindas, em Goiás, após morte de Lázaro Barbosa. Crédito: Reuters/Adriano Machado

A morte de Lázaro Barbosa, na segunda-feira (28), após confronto com policiais, foi um dos assuntos mais comentados nos últimos dias. Nas redes sociais, milhares de pessoas celebraram o ocorrido, a partir de frases feitas como “bandido bom é bandido” e “mais um CPF cancelado com sucesso”. De fato, as ações cruéis cometidas por Lázaro nos lembram os períodos mais bárbaros da história da humanidade.

No entanto, “comemorar” a morte de alguém (por pior que seja o indivíduo) também nos remete à barbárie. Conforme nos mostrou Thomas Hobbes, no livro Leviatã, somente em estado selvagem, a prática de matar um semelhante era corriqueira e banalizada entre os seres humanos.

Um dos pilares daquilo que conhecemos como “civilização” é punir os indivíduos que tenham transgredido as normas vigentes a partir do julgamento por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei. Caso contrário, regrediríamos à Lei de Talião, a rigorosa reciprocidade do crime e da pena.

Além do mais, de acordo com a Constituição brasileira, “não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada”. Não estamos em um período beligerante, logo não há justificativas civilizacionais e jurídicas para saudar a morte de Lázaro. Isso não significa “defender bandido”, como dizem muitos conservadores, mas, simplesmente, fazer valer nossa racionalidade.

Também chama a atenção o fato de a maioria dos que comemoram o óbito alheio se considerar cristã. Nesse caso, em Mateus 5:38-39, o próprio Jesus afirmou: “Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, lhes digo: Não se vinguem dos que lhes fazem mal”.

Já o quinto mandamento diz: “Não matar (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo) ”. Desse modo, não deixa de ser hipócrita manifestar felicidade com a morte de Lázaro na segunda-feira e, no domingo, comparecer a missas e cultos, como se nada tivesse acontecido.

Esse tipo de comportamento não é novidade no Brasil, país onde o cristianismo se desenvolveu, sobretudo, de forma moralista. Valores como misericórdia e caridade, contidos nos ensinamentos de Cristo, cederam lugar à intolerância. Ou seja, a religião não é utilizada para unir as pessoas, mas reforçar preconceitos e ódios às minorias. Não obstante, o mesmo aparato repressivo que matou Lázaro também executa milhares de pobres e pretos país afora, a maioria sem antecedentes criminais. “Culpado” ou “inocente”, a morte é sensacionalizada e banalizada no Brasil.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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