A expressão “tolerância zero”, popularizada pelos Estados Unidos nos anos 1980, representava a dura repressão a todo tipo de delito. Após 40 anos, a população carcerária americana cresceu 500%. A sensação de segurança, não.
O Japão registra menos de um homicídio para cada 100 mil habitantes, contra 21,65 no Brasil (2019). Por senso comum, acredita-se que a maioria das mortes tem ligação com a guerra do tráfico.
É preciso mais cooperação na construção da paz, ou teremos apenas repressão de polícias e guardas, num ciclo de novos e longos processos penais, gastos com equipamentos e manutenção de presos, surgimento de novas facções criminosas, sem reduzir o medo nas ruas.
Não basta reclamar da demora da viatura em nossa casa/comércio arrombados, ou exigir atuação policial dentro de casa, onde muitos crimes ocorrem. A falha ocorre principalmente na prevenção. Isso requer mudança de cultura e práticas da sociedade e não apenas do Estado.
Tolerância zero não funciona no Brasil, onde crimes menores (porte de armas/lesão corporal, por exemplo) geralmente não mantêm o indivíduo em cárcere. Precisamos investir em educação, saúde, assistência social, geração de emprego e renda, para livrar nossos jovens do crime.
Eu me pergunto: por que criminosos disputam espaço nos morros, enfrentando-se, matando inocentes e sendo reprimidos diariamente pelas polícias? Nos sites de streaming ou nas novelas de TV, mocinhos consomem drogas. A narrativa leva quem assiste a torcer por eles... Jovens se divertem ao som de músicas que incitam a violência e o crime. A vida imita a arte...
Observe que montadoras de automóveis se “armam” para novas vendas. Cervejarias “batalham” entre si de verão a verão. Comerciantes se “confrontam” no mercado. Bancos físicos “enfrentam” os virtuais. A “guerra” do tráfico ocorre, em uma grande parcela, também por causa do “cliente”. Por ele, bandidos, pretos/ pobres/ moradores da periferia matam pobres/ pretos/ moradores da periferia e enfrentam policiais pobres/ pretos/ moradores da periferia. Uma tragédia!
Não se pode criminalizar sempre o morador da periferia. Mesmo sem nunca ter ido à favela, quem fortalece a cadeia de consumo, “apenas” para se divertir com um baseado ou pino de pó é corresponsável pela violência. Quem realmente “segura a arma” e “puxa o gatilho”? No nosso silêncio, nós, a sociedade, somos responsáveis por essa tragédia cotidiana. Deixamos de prevenir a doença e queremos tratar a “metástase” com paracetamol.
Não dá vergonha? Muitos dirão que é culpa da polícia. Inclusive os usuários. Enfim, a hipocrisia social: vida (e morte) que segue...
Este vídeo pode te interessar
Os esforços do sistema de justiça criminal e dos gestores públicos não cessam sozinhos o consumo, as guerras e mortes no país. É hora de rediscutir nossa guerra cotidiana. Afinal, a segurança pública é um direito, mas como diz a Constituição, dever e responsabilidade de todos também.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.