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É advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal

Avanço do crime organizado no Brasil: endurecer penas é a solução?

O verdadeiro caminho para reverter índices de criminalidade é garantir a aplicação de políticas públicas. Somente investir em repressão é tratar o efeito, e não a causa do problema

  • Rivelino Amaral É advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal
Publicado em 03/11/2023 às 11h00

Sem rodeios e com toda a convicção: engana-se quem pensa que endurecer leis reduzirá a criminalidade. Explico, tomando o exemplo da legislação antidrogas, de 2006. Após oito anos de sua aprovação, em 2014, o número de encarceramento por crimes relacionados ao tráfico aumentou de 15% para 28%, segundo o Ministério da Justiça. Há o mito de que somos o país da impunidade, mas isso não faz o menor sentido.

Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, e o Espírito Santo possui 37 presídios superlotados. Prende-se muito, mas sem a eficiência necessária. Além de punir e prevenir crimes, prisões existem para ressocializar pessoas, e neste aspecto não estamos fazendo nosso dever de casa. Não estamos sabendo como fazer com os presos.

O verdadeiro caminho para reverter índices de criminalidade é garantir a aplicação de políticas públicas, gerando emprego, renda e dignidade para evitar que jovens sejam seduzidos pelo fantasioso mundo do crime. Somente investir em repressão é tratar o efeito, e não a causa do problema.

O que proponho é um trabalho de integração das polícias, aliado ao aprimoramento do serviço de inteligência, como interceptação telefônica e vigilância 24h por dia em áreas de conflito, para identificar os chefes desses grupos armados e agir no sentido de antecipar suas ações. Como sabemos, tempos de crise são terrenos férteis para sugestões populistas.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, apresentou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um projeto de lei para proibir a progressão do regime de cumprimento de pena em determinadas situações. A proposta do governador é claramente inconstitucional, já que a Carta de 1988 prevê a progressão dos regimes de pena a todos que atenderem requisitos de comportamento e tempo de prisão.

Endurecer penas e cortar garantias constitucionais são soluções populistas. Ao Estado, é mais barato insistir em medidas artificiais - que transmitem uma falsa sensação de que algo está sendo feito - do que realmente lidar com a complexidade do problema. Volto ao caso do RJ. O principal líder miliciano em atividade por lá foi preso duas vezes, mas solto em ambas as oportunidades. Trata-se possível e lamentavelmente da infiltração de máfias no Estado. Segundo estudo realizado pelo instituto Sou da Paz, por exemplo, apenas 16% das investigações de assassinatos no Rio em 2019 resultaram em denúncia formal.

Para avançar no combate às facções, deve-se mirar na promiscuidade que determinados agentes de corporações policiais ainda mantêm com os mentores do crime. Ainda que não haja evidências de que o aumento de penas é capaz de frear o crime organizado, a ação leniente do Estado dá uma injeção de ânimo aos detratores. A responsabilidade de solucionar a questão é coletiva: poder público e sociedade civil de mãos dadas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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