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É advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal (Goethe Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg), professor da FDV

A criminalização das fake news e a experiência alemã

O que se vê na Alemanha é a opção por uma concepção regulatória, com o recurso ao sistema repressivo se necessário, mas sem a criação de novos tipos penais

  • Raphael Boldt É advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal (Goethe Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg), professor da FDV
Publicado em 13/06/2023 às 13h06

O fenômeno das fake news tem sido objeto de discussões constantes na política e nos meios de comunicação de diversos países. No Brasil, o chamado Projeto de Lei das Fake News (PL 2.620 de 2020) tem produzido um debate acalorado e, muitas vezes, objeto de distorções e, curiosamente, de notícias falsas.

Embora a produção e a divulgação de notícias falsas não seja algo novo, as formas e o alcance de sua comunicação atingiram patamares inéditos. Se por um lado o acesso irrestrito à publicidade rompe com os limites do passado e possibilita uma resistência crítica, especialmente em sistemas antidemocráticos, por outro, com a eliminação das instâncias intermediárias de controle da comunicação, também foram excluídos os filtros qualitativos que garantem uma revisão ética e profissional das notícias.

Assim, deliberadamente ou não, as notícias falsas chegam às redes sociais sem entraves, são compartilhadas e se transformam em verdades aparentes por meio da divulgação de um grande número usuários.

Convém notar que o PL das Fake News foi elaborado com o auxílio de vários especialistas no assunto e seguiu os melhores parâmetros e práticas de regulação do mundo, especialmente da Europa. Questões centrais como risco sistêmico e dever de cuidado estruturam o texto do projeto de lei brasileiro, com clara influência do regulamento europeu e, principalmente, da Alemanha.

Como resultado dos debates sobre a necessidade de estruturação da comunicação na internet e de medidas adequadas para a regulação das redes sociais, o legislador alemão optou pela criação da Lei para a Melhoria da Aplicação do Direito nas Redes Sociais (NetzDG), diploma normativo de natureza administrativa que faz menção aos tipos penais existentes, mas que não conduziu à criminalização de novas condutas.

E esse é um ponto fundamental e que pode ser objeto de crítica no projeto brasileiro. A legislação alemã tem sido considerada uma referência sobre o tema, capaz de oferecer, no âmbito da autorregulação regulada e do direito administrativo, um caminho adequado para lidar com as novas demandas oriundas da digitalização.

O que se vê na Alemanha é a opção por uma concepção regulatória, com o recurso ao sistema repressivo se necessário, mas sem a criação de novos tipos penais.

Acreditamos que o direito moderno deve reagir ao fenômeno das notícias falsas e regular a comunicação nas redes sociais, o que não implica necessariamente na expansão do direito penal. O legislador brasileiro optou por criar um novo tipo penal, com pena de reclusão de um a três anos e multa.

Embora reconheçamos que em Estados democráticos a liberdade de expressão não é ilimitada e o PL 2.620 de 2020 apresente inovações importantes, melhor seria evitar o emprego do direito penal e apostar em outros ramos do Direito, oferecendo, assim, soluções mais criativas e adequadas para lidar com o fenômeno das fake news e com as transformações provenientes da era digital.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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