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Voto deve continuar obrigatório?

Voto deve continuar obrigatório?

Entra ano eleitoral, sai ano eleitoral, a questão sobre a obrigatoriedade de comparecer às urnas volta ao debate. Às vésperas do início da campanha, voltamos a ele: votar deveria ser facultativo ou não?

Publicado em 4 de agosto de 2018 às 21:56

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NECESSIDADE DE COERÊNCIA

Ludgero Liberato é mestre em Direito pela Ufes, advogado eleitoralista, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, é coautor do livro Curso de Direito Eleitoral

Se, ao acordar seu filho pela manhã, ele lhe disser que não mais deseja frequentar a escola, sua reação, enquanto pai, provavelmente dependerá da idade dele e da capacidade que ele tem, ou não, de tomar decisão de tamanha relevância. Se ainda for uma criança, você nem sequer cogitará da possibilidade. Se for um adulto, respeitará a decisão, ainda que a contragosto. Se ele estiver em idade na qual já puder tomar essa decisão sozinho, você o alertará para eventuais riscos e para a necessidade de coerência com outras decisões que tomou e com os planos que faz para o futuro.

É assim que se passa quando esse filho da democracia, chamado eleitor, diz que não mais quer ser obrigado a votar. A opção pelo fim do voto obrigatório, passa, portanto, pela análise da capacidade de um povo lidar com a plena liberdade em matéria de eleições.

Ora, há cerca de oito anos, o Brasil aprovou a Lei da Ficha Limpa, limitando sensivelmente a possibilidade de escolha, pelo eleitor, dos candidatos nos quais pode votar. Descumpriu-se, inclusive, a Convenção Americana de Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário, ao se adotar um amplo rol de inelegibilidades. Ampliamos, enfim, a intervenção estatal na liberdade de escolha, reduzindo-a sensivelmente.

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A obrigatoriedade do voto também evita uma nova modalidade de corrupção eleitoral: aquela que visa a comprar o eleitor para garantir que ele vote

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O principal argumento dos defensores da Lei da Ficha Limpa é de que ela seria um mal necessário, para impedir o eleitor de votar naquele em que ele, caso tivesse um mínimo de consciência, jamais votaria.

Falou-se, também, em ausência de condições sociais e educacionais para se conferir maior liberdade. Chegou-se a afirmar que quem troca o voto por uma cesta básica, ou por qualquer outra benesse, não teria condições para decidir de forma livre.

Diante disso, é necessário garantir a coerência do sistema eleitoral. É a esse eleitor, que não se reconhece a capacidade de votar sozinho – exigindo a interferência limitadora da lei – que se quer permitir deliberar sobre comparecer, ou não, à urna?

Ora, admitir a ausência de obrigatoriedade do voto seria uma completa incoerência do sistema eleitoral: ou se admite um modelo de liberdade ampla, em que o eleitor pode decidir se vai, ou não, às urnas e vota em quem quiser votar, ou se adota um modelo de tutela, em que a legislador protege o eleitor de si mesmo, com todos os riscos que esse modelo traz.

A obrigatoriedade do voto também evita uma nova modalidade de corrupção eleitoral: aquela que visa a comprar o eleitor para garantir que ele vote. Além disso, o manifesto desinteresse na política, por grande parcela da população, reforçaria ainda mais o poder econômico nas campanhas eleitorais, fazendo com que parcela significativa dos recursos seja destinada a convencer o eleitorado a ir votar, contrariando a busca atual por redução dos gastos de campanha.

O fim do voto obrigatório, nesse momento, apenas cria novos problemas e gera incoerências.

DEZ PONTOS EM DEFESA DO VOTO FACULTATIVO

Marcelo Abelha Rodrigues é mestre e doutor pela PUC-SP, professor Ufes e ex-membro efetivo do TRE-ES

Vamos direto ao ponto e trazer, objetivamente, 10 argumentos favoráveis para que o voto no Brasil (direto, secreto, universal e periódico, art. 60, §4º, II da CF/88) não precise ser obrigatório como atualmente é (art. 14, §1º, I).

1. Esmagadora maioria de países com tradição democrática e democracia representativa não adota o voto obrigatório. O absenteísmo eleitoral nestes países acompanha a conjuntura da disputa política.

2. Em todas as ditaduras disfarçadas ou escancaradas, não militares ou militares, quando foi permitido o voto, ele foi sempre obrigatório.

3. Mais de 90% dos poucos países que mantêm o voto obrigatório estão na África e na América do Sul e tem história de voto obrigatório em governo ditador.

4. Todos os países da América do Sul que ainda mantêm o voto obrigatório tem histórico recente de governos ditatoriais não militares ou militares: Brasil (1964-1985), Venezuela (1999 até hoje), Peru (1963 até 2003 marcado pela instabilidade, terrorismo e intervenções militares), Chile (1973-1990), Bolívia (1971-1985), Equador (1972-1979), Argentina (1976-1983) e Uruguai (1973-1985).

5. Pesquisa de 2015 do TSE revela que 30% da população presenciou compra de voto. 77% em RR e 18% no RS. A obrigatoriedade do voto é o principal ingrediente da corrupção eleitoral do país. Temos uma taxa de analfabetismo funcional de 70% segundo IBGE-2010 (pessoa que decodifica a escrita e leitura mas não consegue, minimamente, interpretá-la). O voto obrigatório estimula e mantém esse quadro de corrupção. Só poderia ser obrigatório o voto numa população alfabetizada, pois do contrário é meio de controle, dominação e alienação da população menos favorecida e aculturada.

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Não há vedação constitucional para que esse dever obrigatório passe a ser uma faculdade do eleitor, porque a obrigatoriedade não é cláusula pétrea

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6. Desde 1932 (voto é obrigatório no país) o número de votos brancos e nulos cresce assustadoramente, bem como o absenteísmo, mostrando que mais de 80 anos de voto obrigatório não “educou” nem “conscientizou” eleitoralmente a população.

7. Poder “não votar” é ato de liberdade; liberdade de expressão, inclusive eleitoral.

8. Conduzir obrigatoriamente às urnas não é sinônimo de consciência eleitoral. Prova disso se revela na desqualificação ética (no mínimo) da maioria dos ocupantes do cargo eletivo. Pesquisa recente do Estadão revelou que 1 em cada 6 congressistas gasta (declaradamente) com seu doador de campanha. Candidatos que mais recebem doação são os mais vitoriosos. As decisões judiciais reconhecendo a compra de voto e cassando mandato aumentaram vertiginosamente nos últimos 20 anos.

9. Não há vedação constitucional para que esse dever obrigatório passe a ser uma faculdade do eleitor, porque a obrigatoriedade do voto não é cláusula pétrea.

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10. Pesquisa Datafolha revelou que mais de 50% não compareceria às urnas se não fosse obrigado a votar. E, mais de 72% querem voto facultativo.

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