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Capitalização é uma boa medida para o futuro da Previdência?

Capitalização é uma boa medida para o futuro da Previdência?

Modelo que implanta uma espécie de poupança individual para garantir a aposentadoria pode voltar ao projeto da reforma da Previdência no Senado

Publicado em 1 de junho de 2019 às 00:08

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Capitalização da Previdência. (Amarildo)

 

Ninguém se apropria da poupança de ninguém

Paulo Tafner é economista, especialista em Previdência, e doutor em Ciência Política

A PEC 006/2019 define o novo regime de Previdência Social determinando que o mesmo adotará, entre outras, as seguintes diretrizes:

I – capitalização em regime de contribuição definida, admitido o sistema de contas nacionais;

II – garantia de piso básico, não inferior ao salário mínimo ...

III – gestão das reservas por entidades de previdência públicas e provadas, habilitadas por órgão regulador...

IV – livre escolha pelo trabalhador, da entidade ou da modalidade de gestão das reservas, assegurada a portabilidade;

Os incisos V e VI vedam o uso de recursos por parte dos participantes, gestores e governos; e

VII – possibilidade de contribuições patronais e do trabalhador...

O §1º determina que o novo regime será definido por Lei Complementar e o 2º, que atenderá os benefícios programados e os benefícios de risco e outros, tais como, maternidade, incapacidade temporária ou permanente, morte e longevidade.

De pronto ficam afastados “o modelo chileno” e a “entrega aos bancos da poupança do trabalhador”. Também imediatamente fica afastada a possibilidade de “milhões de trabalhadores receberem menos do que um salário mínimo”. O texto é cristalino. Vamos a outros aspectos. Não há nenhuma evidência teórica ou empírica que prove que a repartição é superior à capitalização. Nem o inverso, tampouco. Em ambas há virtudes e há defeitos.

Um sistema puro de capitalização está imune a déficits e, por isso mesmo, não compromete as contas públicas. Cada um recebe o que conseguiu acumular acrescido de juros de mercado. E, se esse valor for inferior ao salário mínimo, então será isso que o beneficiário irá receber. Além de não gerar déficit, está imune a subsídios cruzados: ninguém se apropria da poupança de ninguém.

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Talvez o único aprimoramento a ser feito seja o que se refere à não compulsoriedade de contribuição do empregador

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Um sistema de repartição por outro lado garante benefícios a todos – ainda que às custas de déficit público, como acontece no Brasil. O trabalhador não poupa para si: o que contribui serve para pagar quem recebe benefício e espera que no futuro a geração mais nova que estiver trabalhando pague o seu benefício. Por suas características, a repartição é sensível a mudanças na demografia, ao desempenho do mercado de trabalho – especialmente ao desemprego e à informalidade – e às mudanças como empresas e trabalhadores estabelecem sua relação de trabalho. Assim, se o trabalhador se torna uma PJ, sua contribuição para o sistema cai e deteriora a sustentabilidade do mesmo. Além disso, em regimes de repartição existem muitos subsídios cruzados: poupanças de uns são apropriadas por outros. No caso do Brasil, curiosamente, há enorme transferência de recursos de pobres para ricos.

A proposta apresentada na PEC combina as melhores virtudes de ambos: garante um piso de benefício – um salário mínimo – e impede a abertura de déficits e a existência de subsídios cruzados.

Talvez o único aprimoramento a ser feito seja o que se refere à não compulsoriedade de contribuição do empregador. O temor é que sem ela o montante acumulado seja muito baixo para muitos trabalhadores e por consequência seu benefício (garantido o salário mínimo). Há bons argumentos para deixar como está ou alterar o texto determinando a obrigatoriedade de contribuição do empregador. E isso pode perfeitamente ser feito. Sem falsos debates ou oportunismo político.

Modelo é a privatização da Previdência Social

Elizabeth Borelli é professora e pesquisadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Contabilidade e Atuária da PUC-SP

A proposta de implantação de um regime de capitalização e previdência complementar para as futuras aposentadorias no Brasil contraria o princípio da solidariedade entre os trabalhadores, tendo fracassado em 60% dos países que o adotaram, segundo estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT.

No atual sistema solidário e social, o trabalhador contribui para que os indivíduos aposentados recebam; nesse regime de repartição, os benefícios dos aposentados e pensionistas são financiados pelas contribuições previdenciárias dos trabalhadores que se encontram na ativa; empregadores e Estado também contribuem para o pagamento das aposentadorias, sendo os benefícios calculados pela média dos salários de contribuição do trabalhador.

No regime de Previdência Social organizado com base no sistema de capitalização de contribuição definida, proposto na PEC 6/2019, novas regras pretendem definir a contribuição do trabalhador para a previdência capitalizada, como forma de garantia de sua aposentadoria.

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Em outros países, a capitalização da Previdência provocou a precarização das aposentadorias e o agravamento da desigualdade social

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Esse modelo previdenciário prevê a criação de um sistema de capitalização no qual o trabalhador contribuirá para a sua própria aposentadoria, através de uma poupança individual a ser gerida por um fundo de investimento privado, ou seja, a contribuição previdenciária será descontada do salário bruto do trabalhador, migrando para uma conta vinculada individual, constituindo uma poupança que será utilizada para garantir sua aposentadoria no futuro. O valor da aposentadoria irá depender de quanto o trabalhador poupou e da rentabilidade da sua conta, que provém da aplicação dos recursos no mercado financeiro.

A gestão dessas reservas individuais poderá ser realizada por entidades de previdência públicas ou privadas

Vale ressaltar que a capitalização está sujeita às variações do mercado, o que significa que nada impede que, em algum momento, o percentual de contribuição do trabalhador venha a ser aumentado. Se houver perda de capital, significa que o valor final acumulado na conta individual será seriamente afetado.

Vários argumentos desfavoráveis podem ser levantados à proposta: desde os altíssimos custos de transição até a existência do grande número de desempregados e trabalhadores informais que não têm condições de contribuir à previdência; além da expressiva rotatividade no trabalho que caracteriza a economia brasileira, configurando mais um obstáculo à adoção desse novo sistema.

Em outras palavras, o modelo proposto representa a privatização da Previdência Social, constituindo-se em mecanismo perverso, baseado numa política econômica neoliberal, com favorecimento aos interesses do capital financeiro privado e ausência de preocupação social. Corre-se o risco de acontecer o mesmo insucesso que em outros países, onde a capitalização da previdência provocou a precarização das aposentadorias e o agravamento da desigualdade social.

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Minha posição é contrária à capitalização da previdência: a mudança do sistema de aposentadorias, de repartição para capitalização, representa a mudança de uma lógica social para uma lógica individual, pondo em risco a preservação dos direitos sociais

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