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As leis trabalhistas brasileiras precisam ser ainda mais flexíveis?

As leis trabalhistas brasileiras precisam ser ainda mais flexíveis?

Governo federal defende a implantação de novas regras de contratação, com a chamada "carteira verde e amarela", com menos direitos e encargos, para aquecer a economia

Publicado em 23 de fevereiro de 2019 às 22:01

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(Amarildo)

 

Direitos sociais devem evoluir, nunca retroceder

Marcelo Tolomei Teixeira é juiz titular da 7ª Vara do Trabalho de Vitória e doutor em Direitos e Garantias Fundamentais

Não é verdade que a CLT é obsoleta, eis que antes mesmo da “reforma trabalhista” houve diversas modificações facilitadoras do processo de flexibilização dos contratos de trabalho, como a redução dos salários através da negociação coletiva, a elevação da jornada em turnos ininterruptos de revezamento de seis horas para oito horas de labor e, entre outras, o “banco de horas” com a compensação da jornada excedida pela redução ou folga em outros dias, evitando-se o pagamento de horas extras. Somam-se a isso as possibilidades de contratações precárias em relação aos custos do contrato de trabalho tradicional, o que ocorre pela contratação de “pessoas jurídicas”, de trabalhadores temporários, de cooperativas etc.

Além disso, após a “reforma trabalhista”, novas formas de precarização das relações de trabalho foram introduzidas, a exemplo da ampliação da possibilidade de terceirização também para a atividade-fim, da esdrúxula figura do contrato intermitente e da prevalência do negociado sobre o legislado, em que é possível transacionar, até certo limite, determinados preceitos legais. Ratificou-se ainda a ampla possibilidade de demissão mediante o pagamento de indenização.

Esse processo de flexibilização torna a mão de obra contratada no Brasil uma das mais mal-remuneradas entre os países capitalistas, ainda mais barata, sendo falso o argumento de que é melhor um emprego com menos direitos do que nada, tendo em vista que não há dado científico algum que correlacione a precarização das relações de trabalho com o aumento do número de ocupações.

O valor social do trabalho é princípio fundamental da Constituição Federal, razão pela qual devem ser garantidas ocupações dignas aos trabalhadores, não se admitindo a flexibilização para além do ponto a que já se chegou, ainda mais trazendo uma proposta que, na verdade, mais se assemelha a uma coerção, para que a juventude desempregada “opte” pelo emprego com menos direitos, tal como no passado aconteceu com o FGTS, ocasião em que quem optasse pela estabilidade em vez do fundo de garantia acabava, na prática, não sendo contratado pelas empresas.

Por fim, a Constituição Federal, que confere ao trabalho o status de direito social, impõe certos limites às alterações no cenário laboral e explicita diversas garantias trabalhistas, de modo que as mudanças preconizadas possivelmente passarão pelo crivo do Supremo Tribunal Federal.

Bom chamar a atenção para o fato de que, em face do princípio da proibição do retrocesso dos direitos sociais, a normatização destes só deveria evoluir e nunca retroceder. Detalhe que a ONU, em sua Observação Geral nº 18, determina que os países membros devem respeitar, proteger e implementar o direito ao trabalho e não adotar políticas ou normas que venham a piorar a situação do trabalhador.

 

Legislação atual não protege os mais pobres

Luan Sperandio é analista político e membro do Instituto Mercado Popular

Há consenso sobre alguns assuntos na ciência econômica. Entre eles, lista Greg Mankiw, professor de economia de Harvard, quanto mais barreiras de entrada ao mercado, isto é, quão maiores os custos de contratação impostos por uma legislação trabalhista, maior o desemprego entre trabalhadores jovens e menos qualificados.

Contrariando o senso comum, estudo do Senado Federal demonstrou que a probabilidade de estar desempregado diminui com a idade, haja vista a falta de experiência dos mais jovens. A taxa de desemprego na faixa etária de 18 a 24 anos é o dobro da média geral; entre 14 a 17 anos, o triplo. Isso significa que se deve combater a “epidemia” de desocupação sofrida por essa faixa etária. A sugestão da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro é a de haver maior flexibilização das leis trabalhistas, criando um sistema de “carteira verde-amarela”, com menos custos de contratação.

Ainda não se sabe detalhes da proposta, mas a premissa da qual parte seu diagnóstico está correta: o trabalho formal no Brasil ainda é muito caro, desincentivando investimentos e contratações. A diferença entre o custo total da empresa com o trabalhador e o valor total do contrato de trabalho recebido por esse empregado é chamada de “custo da legislação laboral”. Antes da reforma, segundo estudo da FGV, poderia representar até 191%.

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O trabalho formal no Brasil ainda é muito caro, desincentivando investimentos e contratações. É preciso mudanças mais profundas

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Como consequência, quase metade dos brasileiros estão na informalidade, algo prejudicial aos próprios trabalhadores, pois ficam impedidos de gozar dos direitos garantidos por lei. Atualmente, os mais afetados são jovens, negros e mulheres.

Após a reforma de 2017, a qualidade da legislação trabalhista avançou 5,1 pontos, segundo a Heritage Foundation. Porém, ainda pontuamos apenas 51,9 em uma escala que vai até 100. Considerando a literatura econômica, é preciso mudanças mais profundas a fim de tornar o mercado de trabalho brasileiro mais dinâmico e gerar mais empregos.

A única forma de se combater o nível de desemprego estrutural nacional é adotar uma legislação laboral mais flexível. Segundo levantamento de Ottoni e Cabral, a nova lei trabalhista pode reduzi-lo em até 3,44%. Há o entendimento de que quão mais flexível for a legislação, mais expressivos os efeitos em termos de redução do nível da taxa natural de desocupação.

Contudo, é preciso cautela, pois essa queda tende a ocorrer de forma bastante lenta. Os impactos completos das reformas realizadas na Alemanha e na Austrália, por exemplo, apenas foram sentidos após 12 anos de suas respectivas aprovações.

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Regras trabalhistas mais rígidas paradoxalmente prejudicam os trabalhadores menos qualificados. Ignorar dados, evidências e consensos da literatura para usar de retórica para defender o status quo e ser contra reformas é sentenciar os brasileiros mais pobres à própria sorte.

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