Publicado em 31 de agosto de 2024 às 17:01
Manter o barulho de ruas, avenidas e estradas abaixo dos 55 decibéis poderia salvar 110 mil vidas por ano, sugerem pesquisadores dinamarqueses.>
O problema é que, só na Europa, quase 150 milhões de pessoas são submetidas a níveis de barulho que ultrapassam esse limiar pelo fato de elas morarem nas proximidades de aeroportos, linhas de trem ou vias para automóveis.>
Aliás, a poluição sonora é reconhecida cada vez mais como um fator que prejudica o corpo e a mente: a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica os ruídos como o "fator de risco ambiental mais subestimado".>
Essas foram algumas das informações apresentadas pelo pesquisador Thomas Münzel, da Universidade de Mainz, na Alemanha, durante uma sessão científica realizada na sexta-feira (30/8) no Congresso Europeu de Cardiologia (ESC 2024). >
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A edição deste ano do evento, que acontece em Londres, no Reino Unido, reúne mais de 30 mil médicos de várias partes do mundo e apresenta as principais novidades sobre a saúde do coração e dos vasos sanguíneos.>
Durante a palestra, Münzel explicou que o barulho pode prejudicar o sistema cardiovascular por dois caminhos diferentes. >
Em primeiro lugar, há uma conexão direta entre a exposição contínua aos ruídos e prejuízos à saúde. É o que acontece, por exemplo, no processo de perda auditiva.>
Segundo, existe uma relação indireta entre as duas coisas. Münzel destacou que a poluição sonora pode, por exemplo, dificultar a comunicação entre as pessoas e afetar diretamente o sono de um indivíduo que mora num bairro muito barulhento. >
Esses dois fatores, por sua vez, geram estresse, irritação e raiva. Com o passar do tempo, essas sensações se tornam crônicas e promovem a liberação de substâncias que machucam o endotélio, a camada que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos.>
Essas lesões podem ser a origem de problemas ainda mais graves e desembocar em infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC).>
Dois trabalhos divulgados durante a ESC 2024 trouxeram novas informações sobre a poluição sonora e o risco cardiovascular.>
O primeiro estudo, apelidado de Decibel-MI, avaliou 430 pessoas com menos de 50 anos que, por uma série de razões, foram continuamente submetidas a níveis de barulhos mais elevados do que a média da população. Todas elas também haviam sofrido um infarto.>
Os resultados do acompanhamento mostraram que a exposição aos ruídos aumenta o risco de ter um piripaque cardíaco, mesmo entre os indivíduos que apresentavam um baixo risco de passar por um evento desses.>
Nesse contexto, "baixo risco" descreve aquelas pessoas que não apresentam as condições que tradicionalmente predispõem uma pane do coração, como hipertensão, colesterol alto, tabagismo, diabetes, histórico familiar...>
Os autores desse primeiro estudo, realizado na cidade de Bremen, na Alemanha, propõem que a exposição ao barulho deve ser incluída nas avaliações de saúde dos pacientes como uma maneira de ajudar a definir o risco de sofrer com uma doença cardiovascular mais séria no futuro.>
A segunda pesquisa, realizada na Universidade de Borgonha e no Hospital de Dijon, na França, buscou entender qual era a perspectiva de saúde dos pacientes que já haviam sofrido um primeiro infarto e, depois, tinham contato com muito ruído no dia a dia.>
"No estudo, encontramos uma forte associação entre a exposição ao barulho urbano, particularmente durante a noite, e um pior prognóstico um ano depois do primeiro ataque cardíaco", resumiu a professora Marianne Zeller, autora do artigo, em comunicado divulgado à imprensa.>
Foram avaliados dados de 864 indivíduos que sobreviveram a um infarto. Depois de 12 meses de acompanhamento, 19% deles apresentaram algum evento cardiovascular mais sério (como uma nova internação por insuficiência cardíaca, AVC, forte dor no peito ou morte).>
Os cientistas quantificaram o nível de poluição sonora na casa de todos os voluntários.>
A média europeia é de 56 decibéis na escala de ponderação A (dBA), que é comumente usada para fazer medições do tipo.>
A título de comparação, 50 dBA equivalem mais ou menos ao barulho de chuva. >
Outras atividades e fenômenos geram sons mais baixos, como o sussuro (30 dBA), o tique-taque do relógio (20 dBA) ou o revoar das folhas de uma árvore (10 dBA).>
Mas há aquelas coisas que viram literalmente barulhos — e, em longo prazo, podem prejudicar o coração, segundo as evidências científicas. É o caso da passagem de caminhões (90 dBA), da britadeira (100 dBA) ou da decolagem de aviões (120 dBA).>
Ao fazer os cálculos que levaram em conta a realidade dos pacientes acompanhados, os especialistas franceses descobriram que existe um risco 25% maior de sofrer algum evento cardiovascular mais sério a cada aumento de 10 dBA durante o período noturno.>
Zeller pondera que o achado deve ser confirmado por outros estudos, mas acredita que a pesquisa pode "ajudar a identificar novas estratégias ambientais de prevenção", incluindo eventualmente até algum tipo de isolamento acústico na casa de indivíduos com alto risco de sofrer um infarto.>
Durante a apresentação no ESC 2024, Münzel reforçou a noção de que o barulho causa doenças cardiovasculares. >
Numa pesquisa que o pesquisador alemão publicou em abril deste ano, a cada 10 dBA adicionais de barulho do trânsito, há um aumento de 3,2% no risco de sofrer com alguma enfermidade que afeta o coração e os vasos sanguíneos.>
Münzel ainda lembrou que os ruídos emitidos durante o período noturno parecem ser particularmente prejudiciais à saúde — e afetam diretamente parâmetros como a pressão arterial e a função endotelial (a camada que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos).>
O médico observou isso em uma série de estudos com cobaias de laboratório, nos quais a exposição ao barulho aumentou a pressão arterial, ativou substâncias inflamatórias e gerou estresse oxidativo no organismo — um combo de fatores que gera prejuízos ao coração.>
Para alguns dos mais tradicionais fatores de risco cardiovascular (hipertensão, colesterol alto, diabetes...), existem medidas simples e efetivas que podem ser colocadas em prática para ajudar a prevenir consequências mais graves, como infarto e AVC. >
É o caso, por exemplo, de fazer uma dieta variada e equilibrada, praticar atividade física regular, não fumar, não exagerar nas bebidas alcoólicas e manter o peso dentro das metas.>
Mas e no caso do barulho? Como lidar com algo que vai muito além da ação individual — e que afeta a maioria das pessoas que vive nas grandes cidades?>
Durante sua palestra, Münzel pontuou que existem algumas políticas públicas efetivas que já foram avaliadas e podem ser implementadas na prática.>
No caso das rodovias, avenidas e ruas, é possível criar limites para a emissão de ruídos nos motores de veículos, dar incentivos a carros elétricos (que são bem mais silenciosos), fazer mudanças na composição do asfalto e dos pneus (que podem absorver o som ou diminuir o atrito, por exemplo), instalar barreiras de som nas vias mais movimentadas e reduzir o limite de velocidade em locais densamente populados.>
Nos transportes sobre os trilhos, algumas das táticas são melhorar a infraestrutura dos trens para baixar o barulho que eles fazem durante as freadas, além de investir em modelos elétricos.>
Já na aviação, Münzel cita a possibilidade de atualizar os protocolos de pouso e decolagem, com o objetivo de reduzir os decibéis das turbinas. Outra recomendação é a criação de políticas para reduzir o tráfego aéreo durante a noite.>
Segundo o especialista, que citou um relatório da Comissão Europeia que detalha as maneiras de combater a poluição sonora, algumas dessas alterações estruturais — como a instalação de barreiras acústicas em vias muito movimentadas — poderiam reduzir o barulho em até 20 decibéis em determinados bairros e regiões.>
"Nós precisamos chamar a atenção para o impacto significativo da poluição sonora como um fator de risco para doenças cardiovasculares", concluiu Münzel durante a palestra na ESC 2024.>
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