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Lilian Pacce: 'Moda sustentável e mais acessível é caminho sem volta'

Lilian Pacce: "Moda sustentável e mais acessível é caminho sem volta"

Referência quando o assunto é jornalismo de moda, Lilian Pacce chama atenção para o consumo consciente, para a criatividade na hora de se vestir e cria o projeto um #1lookporsemana

Publicado em 11 de novembro de 2018 às 01:37

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. (Reprodução/Instagram @lilianpacce)

Com uma trajetória longa e respeitada, a jornalista, consultora de moda e escritora, Lilian Pacce não tem dúvida sobre o seu papel: “mostrar para as pessoas que a moda é um aliado e não um inimigo”. Segundo ela, a época das grandes divas intocáveis ficou no passado e hoje a moda está mais democrática, graças a movimentos que lutam por representatividade, e ao mercado que, ao perceber que estava perdendo espaço, começou a se adaptar. Mas pondera que ainda é preciso mudar mais. E uma dessas mudanças diz respeito à sustentabilidade.

Lilian relata que, em tempos de redes sociais e consumismo exagerado, as pessoas deixaram de repetir roupa que já foi postada. “Repetir roupa é legal, ajuda o meio ambiente e exercita a criatividade, porque na terceira repetição, você não vai pegar aquela blusa que acabou de comprar, mas vai olhar para o guarda-roupa e pensar: o que eu posso fazer pra dar uma mexida nesse look?”, diz.

Foi assim que ela teve a ideia de criar o desafio “1 look por uma semana”, e fez questão de explicar como ele funciona durante sua recente vinda ao Estado.

Quando o universo da moda entrou na sua vida?

Olha, isso é engraçado, porque na época eu não me dava conta, mas analisando agora foi desde a adolescência, com certeza. Nessa fase eu só tinha calça jeans e minha mãe ficava enlouquecida (risos), pois eu não queria usar vestido ou saia, tudo era jeans. Só queria ir às festas de jeans. Ali já era um exercício meu de estilo muito claro.

E quando virou profissão?

Quando eu comecei a trabalhar como jornalista não pensava em moda, mas as pessoas sempre me pediam: “você não quer fazer uma matéria x sobre moda?”. Acho que alguma coisa em mim inspirou os meus chefes e eles me levaram para esse caminho. Estava na Folha de São Paulo quando eles iam lançar um novo projeto editorial, então o editor me pediu sugestões. E eu falei que a gente devia tratar moda no caderno de cultura, e cobrir as temporadas internacionais, igual o jornal cobre o Festival de Cinema de Veneza e uma Bienal de Arte, porque a moda é uma manifestação de comportamento e arte. Eu queria mudar aquela abordagem de que moda era uma coisa de mulherzinha, apenas de como combinar branco com preto. EU levei esse outro olhar.

Você acha que a visão sobre a moda mudou?

Melhorou muito, mais ainda tem muito pra mudar. Durante a minha trajetória, eu escutei várias pessoas falando “ah, eu não entendia nada de moda ou eu não gostava de moda, mas com você eu aprendi a gostar”. Um pouco do meu papel foi mostrar para as pessoas que a moda é um aliado e não um inimigo. Porque teve uma fase da moda em que realmente existia uma diva, e era uma diva que assustava com aquele glamour e parâmetro de beleza ideal. Eu nunca gostei dessa abordagem, sempre achei que a gente deveria mostrar às pessoas o que tem por trás da moda, o porquê de ela ser tão importante e como ela é reveladora e expressa uma sociedade.

Estamos vivendo uma desconstrução da moda?

Acho que tudo é uma necessidade do mercado. Entra crise e sai crise, o mercado percebe que não pode ficar tão restrito a um padrão só. Claro que existe um movimento a favor da diversidade, inclusão e representatividade, o que é muito importante, mas se para o mercado não fosse relevante, ele não atenderia a diversidade, o que é uma pena. Porque eu acredito que tem espaço para todo mundo. O mercado na verdade, talvez por preguiça ou comodismo, achava mais fácil atender o tamanho 38/40. Hoje em dia não, ele entendeu que precisa atender o 38, 40, 46, 48, 50 e que ele tem que atender o branco, negro, pardo...

Muitas pessoas admiram seu trabalho. E você, se inspira em alguém?

Eu não sou uma pessoa de ídolos, mas tem uma mulher que eu sempre admirei na moda, apesar de ela não ter uma trajetória parecida com a minha. É a americana Diana Vreeland, que foi editora-chefe da Vogue e Bazaar e mudou a cara da moda na época dela. Ela era uma dessas divas que falava: “quero fazer um editorial sobre elefante, então vamos ao Safári no Quênia, chamem as modelos e ficaremos lá por três meses até as fotos ficarem boas”. Além disso, Diana era feia e tinha uma irmã bonita, o que a fez ser rejeitada pela mãe. Por isso, ela tinha que se destacar de alguma forma, e foi através da cultura, inteligência e personalidade forte. Eu sempre a admirei por todas as superações que ela teve ao longo da vida.

Como surgiu a oportunidade no GNT Fashion?

O GNT Fashion surgiu por acaso. Eles me pediram um projeto para o programa, e eu fiz sem imaginar que seria a apresentadora. Esse projeto foi aprovado e me pediram para ir ao Rio de Janeiro conhecer a diretora do canal (Letícia Muhana). Eu tava grávida, prestes a ganhar bebê, e perguntei: “quem vai apresentar o programa?”, e eles responderam: “você”. Daí eu disse que nunca tinha apresentado um programa, que eu não fazia televisão, meu negócio era escrever. Quando cheguei lá, foi muito maluco, pois ninguém tinha contado a ela que eu tava grávida. Entrei na sala de reunião para ser apresentada como nova apresentadora e diretora de conteúdo, e ela falou assim: “mas você tá grávida?” e eu disse: “sim, de quase 8 meses, inclusive”. Mas no final deu tudo certo. Eu fiz o programa por 18 anos. Agora estou focada no youtube, que é uma plataforma rica e encantadora.

Como é o conteúdo do seu canal?

Eu faço um conteúdo único, com a minha cara e o meu jeito. Não é o padrão do youtube, que tem muito humor e receita, não é isso que eu faço. Hoje eu levo para o canal um pouco do que eu implantei no GNT Fashion, que é essa coisa de aproximar a moda das pessoas. De contar para elas histórias que as façam entender o que elas estão consumindo. O que é isso e aquilo, e de comentar desfile, tapete vermelho, porque eu adoro. Tem a série Lilian Tattoo, que eu entrevisto pessoas com tatuagens. Tem outra série que o é Lilian Quebra Tudo, onde eu mostrei a reforma da minha sala de TV...

Você escreveu um livro sobre o biquíni brasileiro. Na sua opinião, por que o biquíni brasileiro faz tanto sucesso?

O biquíni é uma invenção de um francês, no entanto a versão brasileira é que ganhou fama no mundo inteiro. Primeiro, acho que é pelo lifestyle. E segundo, pela mulher que somos. A mulher brasileira tem uma relação com o corpo que é diferente da americana, da europeia e da japonesa. É uma relação única, de muita liberdade, digamos, e também de muita moral, porque o Brasil não aceita bem o topless, por exemplo. E a europeia faz isso com a maior tranquilidade. São coisas culturais muito fortes. Mas o nosso lifestyle, que inclui a praia, o esporte, a natureza, a caipirinha e a música, como Garota de Ipanema – que a gente deve a Tom Jobim e a Vinícius de Moraes – isso tudo criou um pacote muito interessante.

Você conhece alguma marca capixaba de biquíni?

Conheço a Paula Hermanny da Vix, antes mesmo de ela estourar. Desde que a vi eu já sabia que ela ia longe, porque o seu biquíni tinha uma coisa especial, que é a borboleta. Ela tem um trabalho muito sério, uma marca que já começou internacionalizada, porque ela optou em fazer o caminho inverso, não daqui pra lá, mas de lá pra cá.

Quais são os estilistas e marcas brasileiras em potencial?

O Pedro Lourenço lançou recentemente uma nova marca em Londres, chamada Zilver. Ele teve uma ascensão muito rápida como estilista, fez desfiles no São Paulo Fashion Week, na Semana de Moda de Paris e fechou a marca. Agora, depois de alguns anos, ele está de volta com uma pegada contemporânea e sustentável, que é voltada para o casual chique. Eu gostei muito dessa coleção dele. E acho que a Osklen também faz um trabalho muito forte, de produto e conscientização de materiais brasileiros. É uma marca que eu admiro, assim como todas as marcas de biquínis, que eu tiro o chapéu por estarem aí batalhando, como a Farm e a Água de Coco.

O Fashion Rio acabou há dois anos. O São Paulo Fashion Week também pode estar com os dias contados? Como você avalia o futuro da moda brasileira?

Eu nunca achei que o Brasil tivesse espaço para duas semanas de moda com o mesmo conceito. Era algo que não agregava. Nesse caso, eu acho que é melhor ter apenas uma semana de moda forte a ter duas que dividem o time. Acredito que o Rio deveria ter se dedicado ao lifestyle, que é o que Miami está fazendo, aí iria estourar. Dessa forma teríamos duas semanas distintas, e ao mesmo tempo muito sólidas. Por exemplo, nós temos o Minas Trend, que possui outro conceito e vai muito bem. Então eu não acho que o São Paulo Fashion Week está com os dias contados. Acho que a gente vive um momento de transição muito grande, o mundo digital trouxe mudanças radicais na última década. E uma hora isso vai bater nos desfiles e nas apresentações com mais força.

Quais são as tendências para o verão?

O amarelo é uma cor que vem com muita força, assim como o branco. Os neons, como pink e verde, também prometem ocupar um lugar importante. A alfaiataria masculina aparece com os blazers em versões um pouquinho maiores. Continua em alta o mom jeans que são aqueles mais soltinhos, as pantacourts e as saia plissadas. De acessórios, a argola é uma coisa que está voltando e o dad sneakers, ou tênis feio, que é aquele dos anos 90 com uma sola bem grande, é uma febre que ainda vai durar um bom tempo.

De onde veio a ideia para o #1lookporumasemana?

Eu acho que hoje em dia, não só como tendência, a sustentabilidade na moda é um caminho sem volta. Pensando nisso, eu lancei o desafio 1 look por uma semana, que vem na contramão do look do dia. Eu li um estudo que mostrou que a geração Z e os millennials não querem mais repetir roupa porque eles já tinham postado foto no Instagram. Isso me deixou muito apreensiva. Então eu resolvi fazer o contrário, e mostrar que você pode usar a mesma roupa durante uma semana, sem lavar, porque brasileiro lava e passa muito a roupa, e isso estraga a peça.

Como funciona o desafio?

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O look por uma semana é um sucesso que teve adesão de todo mundo da moda, como a Glória Kalil, Paulo Borges, Arlindo Grund, editores e modelos. A pessoa escolhe uma mesma peça para usar a semana inteira. Eu sempre escolho duas, em geral uma parte de baixo e de cima. Pode ser um casaco, uma blusa, ou um vestido, macacão, tanto faz. O que importa é ter uma peça fixa do look e que ela vá com você de segunda a sexta. Em uma das vezes que eu fiz, fui de segunda a domingo. A calça e blusa aguentaram firme. As pessoas falavam “você lavou”, não, eu não lavei! É claro que você vai usar até aguentar, porque cada pessoa é de um jeito, mas tente ao máximo. Dessa forma a gente ajuda um pouquinho o meio ambiente.

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