Publicado em 18 de janeiro de 2021 às 17:02
- Atualizado há 5 anos
Boris Johnson já tem uma tábua de salvação a que se agarrar para surfar a onda de más notícias no Reino Unido: o programa de vacinação britânico entrou nesta segunda (18) em sua segunda fase. Quase 5 milhões de maiores de 70 anos e 1 milhão de doentes serão convidados para entrar na "corrida contra a morte", apelido dado ao programa por seu responsável, o ministro Nadhim Zahawi. >
A uma taxa de 140 injeções de imunizante por minuto, o país já deu a primeira dose a 3,9 milhões de pessoas (dados de sexta, 16) e cerca de 400 mil receberam também a segunda. É pouco perto dos 54 milhões de adultos que se espera vacinar, mas é muito à frente dos vizinhos -na Itália, o segundo europeu com mais vacinas aplicadas, o número não chega a um terço, tanto no total quanto ponderado pelo número de habitantes.>
Para ajudar, nesta semana o governo viu recuar o número de novos casos. A contabilidade do governo mostra queda de mais de 22% na semana que terminou dia 17. As taxas caíram em todas as regiões da Inglaterra, de acordo com a agência PA Media.>
Ainda é cedo para comemorar. Os números mostram que a transmissão não foi totalmente vencida -a taxa de contágio mais recente (Rt de 1,2 a 1,3) ainda indicava uma expansão, o que mantém um sinal de alerta para os hospitais, que temem um colapso.>
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Segundo o sistema de saúde pública (NHS) inglês, a cada 30 segundos um novo paciente é internado com Covid-19 no país. De sexta para sábado, por exemplo, 4.179 leitos receberam novos doentes, um aumento de 13% na semana.>
Mas, ao menos dessa vez, o governo de Boris Johnson tem uma história de sucesso para mostrar. O deslanche em seu programa de vacinação foi resultado de pelo menos sete apostas certas feitas nos últimos meses. A primeira delas foi investir na pesquisa e no desenvolvimentos de vacinas, que permitiu à Universidade Oxford e ao laboratório AstraZeneca se tornarem um dos consórcios pioneiros no lançamento de um produto comprovadamente viável.>
Essa estratégia também permitiu agilizar ensaios clínicos e garantir o acesso às ampolas. A fabricação em seu próprio território facilita a distribuição dos imunizantes e evita problemas como o enfrentado pelo Brasil na última semana, quando precisou adiar um voo que buscaria doses na Índia. O governo britânico também se planejou para ampliar a produção no país, firmando convênio com outros laboratórios.>
Um segundo acerto do Reino Unido foi garantir rapidamente contratos com fabricantes. Em meados do ano passado, já havia anunciado contatos com cinco empresas além da AstraZeneca: Janssen (Bélgica), Novavax (EUA), Pfizer/BioNtech (EUA/Alemanha), Valneva (França) e GSK/Sanofi (Reino Unido/França).>
Em terceiro lugar, o país foi o primeiro na Europa a aprovar o uso de uma vacina, mais de um mês à frente do resto do continente. A MHRA (agência reguladora) deu sinal verde à vacina da Pfizer no dia 2 de dezembro, o que lhe garantiu 1 milhão de doses disponíveis já na semana seguinte. No fim do mês foi a vez da vacina da Oxford e, em janeiro, o imunizante da Moderna também foi aprovado. A dianteira foi possível porque o governo britânico mudou a regulação da MHRA, permitindo que vacinas fossem autorizadas para uso antes do registro definitivo.>
Um quarto passo que o Reino Unido deu antes de todos foi adiar a segunda dose, para dar a primeira ao maior número possível de pessoas. Embora controversa -cientistas apontam risco de que isso estimule mutações-, a medida foi depois avalizada pelo grupo consultivo da OMS, como recurso para proteger um número maior de pessoas.>
A postergação da segunda dose pode acabar se virando contra Boris se o atraso no fornecimento de vacinas -como já aconteceu no caso da Pfizer- prejudicar a administração da segunda injeção, mas o NHS diz que o fornecimento está garantido pela Pfizer e pela AstraZeneca.>
O quinto passo foi ampliar ao máximo o acesso -o compromisso é que todo morador da Inglaterra tenha um posto há no máximo 16 km de sua casa. O sistema de saúde abriu nesta semana mais 10 dos 50 megacentros de vacinação planejados. Além das megaestruturas, as doses podem ser tomadas em 1.200 clínicas, cerca de 200 farmácias e mais de 200 hospitais. Até o fim do mês, o governo promete vacinar 24 horas por dia.>
Uma sexta diferença favorável aos britânicos é um sistema fácil de inscrição para ser vacinado, sem necessidade de consulta médica nem de consentimento por escrito, como os exigidos em alguns países da Europa.>
Por fim, Boris Johnson prioriza ações guiadas pela ciência do comportamento desde antes de virar primeiro-ministro, em sua campanha pelo brexit, em 2016. O Reino Unido acordou cedo para a necessidade de contra-atacar os antivacinas e lançou campanhas massivas de mensagens positivas nas redes sociais, ações para remover posts com desinformação e equipes para tirar dúvidas.>
Salvo imprevistos, essas sete decisões podem fazer Boris reverter a imagem de incompetência que lhe vinha sendo atribuída durante a pandemia, após ele descumprir várias promessas de implantar testes, fracassar em seu aplicativo de rastreamento e decretar confinamentos tardios, hesitantes e ineficazes.>
Mesmo nessas áreas, o premiê começa a dar a volta por cima. O governo britânico anunciou na semana passada que vai dobrar as unidades de teste, para 500, e que bateu o recorde de pessoas contatadas: mais de 1 milhão nos primeiros sete dias do ano. Segundo o NHS Test & Trace, o programa consegue colocar em isolamento 86,6% daqueles com teste positivo e 92,7% dos seus contatos.>
A pressão sobre o serviço vai aumentar, agora que todos os corredores de viagem foram fechados: qualquer pessoa que chegue ao Reino Unido tem que fazer quarentena obrigatória de dez dias (ou 5, se tiver um teste negativo para Sars-Cov-2), mas, segundo o jornal britânico Sunday Times, pode receber ajuda de GPS, reconhecimento facial e inteligência facial.>
Nesse novo sistema de vigilância, não confirmado pelo governo, quem estiver em quarentena seria contatado uma vez por dia e convidado a mandar um selfie em até 20 minutos. Softwares checariam o rosto e o local da foto. A polícia seria acionada se a foto não fosse recebida ou a imagem não comprovasse o confinamento.>
Se a prancha da vacinação continuar firme, Boris Johnson tem chance de enfrentar melhor uma segunda tempestade, do lado da economia. A consumação do brexit trouxe custos e atrasos para várias empresas, levando até ao desabastecimento em algumas lojas, e o novo confinamento elevou as chances de que o país mergulhe de novo em recessão.>
No primeiro semestre, o PIB do país caiu 3% até março e 19% no segundo trimestre, no maior declínio da história do Reino Unido. Em novembro, quando foram fechadas lojas não essenciais, bares, restaurantes e parte dos hotéis, a economia recuou 2,6% em relação a outubro (no setor de serviços o tombo foi de 3,4%). O resultado pôs fim a seis meses consecutivos de recuperação da primeira onda.>
A crise econômica por enquanto tem sido amortecida politicamente pelo esquema de redução das horas trabalhadas, na qual o governo assume o pagamento de parte do salário dos empregados. No médio prazo, porém, devem faltar recursos para que Boris cumpra uma de suas principais promessas da campanha de 2019: a de merecer a confiança dos eleitores do norte e centro-norte do país, que votaram pela primeira vez no Partido Conservador à espera de investimentos públicos e reativação da economia.>
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