Publicado em 6 de fevereiro de 2025 às 12:44
"Vi meu filho lutando por seu último suspiro", diz Anna Nikolin-Caisley. "Ele entrou em agonia.">
Anna acredita que o filho mais novo, Vlad, de 17 anos, foi "encorajado" a tomar veneno por usuários de um grupo online "pró-suicídio" que ainda está ativo no Reino Unido, apesar dos inúmeros apelos para que seja banido.>
A família de Vlad decidiu revelar os detalhes angustiantes de sua morte, no condado de Hampshire, na Inglaterra, em maio de 2024, como um alerta para outras pessoas.>
O governo afirmou que as plataformas vão precisar remover o conteúdo ilegal de suicídio e automutilação quando novas regras entrarem em vigor neste ano como parte da Lei de Segurança Online.>
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Mas a instituição beneficente Samaritans diz não acreditar que a nova lei seja suficiente.>
Aviso: a reportagem a seguir contém conteúdo perturbador>
Eram 2h40 da manhã, do dia 7 de maio, quando Anna foi acordada subitamente pelo filho adolescente Vlad gritando: "Mamãe! Chama um médico!">
Na sequência, ele gritou o nome de um veneno, e a hora em que havia tomado.>
"Não sei qual é a substância", lembra Anna. "Mas ele mudou de ideia, e veio me pedir ajuda, para salvá-lo.">
O pai de Vlad, Graham Caisley, contou como o filho deve ter subido as escadas cambaleando, antes de desabar no chão do quarto.>
"As mãos dele estavam todas fechadas, e ele estava tremendo", diz Graham. "Era simplesmente um estado de pânico.">
"Foi violento, foi repentino", acrescenta a mãe dele, explicando que o filho sofreu várias convulsões. "Ele estava lutando pela vida — não consigo nem começar a imaginar o terror pelo qual ele passou.">
Minutos depois, Graham estava de joelhos realizando reanimação cardiopulmonar (RCP) no filho, orientado por paramédicos no viva-voz do telefone.>
"Eu estava apenas fazendo o que podia para tentar salvar a vida do meu filho", diz Graham, com lágrimas nos olhos. "Foi simplesmente terrível.">
As imagens gravadas pelas câmeras corporais usadas pela polícia revelam o caos e a carga emocional enquanto as equipes de emergência tentavam sem sucesso salvar a vida de Vlad.>
Após a morte de Vlad, sua família ficou chocada ao descobrir que ele estava compartilhando seus "momentos sombrios" com pessoas online. A mãe dele diz que era uma comunidade "bastante secreta", e a descreve como um culto "pró-suicídio".>
Os detetives encontraram um "kit de suicídio" na casa da família em Southampton, contendo vários venenos, pílulas e outras coisas que Vlad havia comprado depois de entrar no grupo de bate-papo.>
"Ele foi informado sobre onde comprar essas coisas, e o que comprar", afirmou o detetive Chris Barrow, da polícia de Hampshire. "Portanto, sem o site, Vlad não teria sido capaz de reunir esse conjunto de itens e ingredientes para tirar sua própria vida.">
Depois de uma infância feliz, Vlad começou a se retrair no início da adolescência e, mais tarde, foi diagnosticado com autismo, depressão e ansiedade. Na época da sua morte, ele estava sendo tratado por profissionais de saúde mental, e também havia desenvolvido uma condição neurológica dolorosa.>
A família diz ter observado sua saúde mental melhorar quando ele começou a sair com amigos e viajar. Mas as irmãs mais velhas de Vlad, Masha e Mia, dizem que, embora ele estivesse muito melhor, ainda estava vulnerável quando tirou a própria vida.>
"Mesmo que as pessoas que usam este fórum estejam em dificuldade", afirma Masha, "ninguém conhecia meu irmão bem o suficiente para tomar qualquer decisão sobre a vida dele".>
Mia, que trocou mensagens com moderadores do site, descreve a plataforma como uma "câmara de eco" que pode "levar as pessoas ao limite".>
"Há um aliciamento quase definitivo acontecendo", diz ela.>
A BBC passou anos investigando o fórum online do qual Vlad era membro. Ele agora tem mais de 50 mil membros no mundo todo, e a família de Vlad quer que ele seja derrubado ou bloqueado.>
Por coincidência, Vlad havia encomendado veneno de um vendedor ucraniano chamado Leonid Zakutenko, pouco antes de a BBC identificá-lo em uma reportagem.>
Mas Vlad não tomou esse veneno. A substância química que ele acabou ingerindo foi encomendada da Polônia, e havia sido rotulada incorretamente, possivelmente para passar pela alfândega.>
Após sua morte, a família leu todas as postagens e trocas de mensagens de Vlad no fórum. Eles contam como a situação parece ter "escalado lentamente".>
"Depois, há bate-papos privados, e você é conduzido pelo caminho da morte. Qualquer pessoa pode se deparar com ele. Uma criança pode se deparar com isso. Não há controle", adverte Anna, mãe de Vlad.>
"As pessoas que venderam o veneno, as pessoas que o encorajaram, como isso é legal?">
"Eles estão vivos", diz Graham, pai de Vlad, "nosso filho está morto".>
A investigação policial sobre a morte de Vlad, para determinar se algum crime foi cometido, está em andamento.>
O site está sediado na América do Sul e hospedado em um servidor nos Estados Unidos. Com leis diferentes em países diferentes, o dano online é notoriamente difícil de ser policiado.>
Dados do Instituto Nacional de Estatísticas britânico (ONS, na sigla em inglês) mostram que os suicídios na Inglaterra e no País de Gales aumentaram em 10% nos últimos seis anos. Embora ainda seja raro que menores de 25 anos se matem por envenenamento, o número de jovens que optam por acabar com suas vidas desta forma está aumentando mais rápido do que o de pessoas mais velhas.>
"O suicídio devasta as famílias. Encorajar intencionalmente o suicídio ou a automutilação grave de outra pessoa é ilegal", declarou um porta-voz do governo.>
"Quando a Lei de Segurança Online for totalmente implementada, as plataformas vão ter que remover esse conteúdo ilegal sobre suicídio e automutilação, além de impedir que as crianças vejam material prejudicial relacionado a suicídio — mesmo quando estiver abaixo do limiar criminal.">
"As empresas não devem esperar que as leis entrem em vigor — elas precisam tomar medidas eficazes para proteger todos os usuários agora.">
Julie Bentley, CEO da Samaritans, afirma que os apelos da instituição beneficente para que sites menores sejam tratados com a mesma severidade que plataformas maiores foram "completamente ignorados".>
"O conteúdo legal, mas prejudicial, precisa ser estritamente regulamentado tanto para adultos quanto para crianças", diz ela, pedindo ao governo e ao Ofcom, órgão regulador britânico de mídia, que tomem uma atitude "antes que seja tarde demais".>
O Ofcom disse à BBC que, a partir de julho, os sites vão ter "o dever de proteger as crianças de conteúdos prejudiciais sobre automutilação e suicídio, mesmo que não sejam ilegais".>
"Quando esses deveres entrarem em vigor, vamos ser capazes de usar toda a extensão de nossos poderes de aplicação da lei contra qualquer serviço que não cumpra seus deveres", acrescentou.>
* O Centro de Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br.>
Reportagem adicional do jornalista de dados Jonathan Fagg.>
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