Publicado em 6 de janeiro de 2025 às 19:44
Atenção: Este artigo revela algumas partes da trama do filme.>
Emilia Pérez triunfou neste domingo (5/1) na 82ª edição do Globo de Ouro.>
O filme chegou ao evento como o longa com maior número de indicações e, além de ganhar o prêmio de melhor filme musical ou de comédia, também venceu na categoria de filme em língua não inglesa. >
A americana de origem dominicana Zoe Saldaña levou a estatueta de melhor atriz coadjuvante por sua atuação no papel de uma advogada que concorda em ajudar um traficante mexicano a passar por uma operação de redesignação sexual para começar uma nova vida como mulher.>
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Dirigida pelo francês Jacques Audiard, Emilia Pérez estreou em maio de 2024 no Festival de Cannes, onde ganhou o Prêmio do Júri e na categoria melhor atriz pelo elenco feminino. Com isso, Karla Sofía Gascón se tornou a primeira mulher trans a ganhar este prêmio.>
E espera-se que seu sucesso internacional tenha eco nas indicações ao Oscar, que serão anunciadas em 17 de janeiro.>
O México, porém, país onde se passa a trama de Emilia Pérez, é o local onde talvez o filme tenha acumulado as críticas mais negativas.>
E tudo isso sem que sequer tenha sido lançado oficialmente nas salas de cinema ou nas plataformas do país, como aconteceu no resto do mundo.>
"Ironicamente, o país sobre o qual o filme fala será o último que ele alcançará", disse a crítica de cinema mexicana Gaby Meza à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.>
Os comentários negativos sobre o filme que mais repercutiram no México foram os do ator e produtor mexicano Eugenio Derbez.>
Em entrevista a Gaby Meza há algumas semanas, ele apontou, por exemplo, que os diálogos entre os personagens soam estranhos para os mexicanos.>
O ator destacou principalmente o sotaque de Selena Gomez, que é americana de ascendência mexicana, mas não fala espanhol.>
Para Derbez, o problema é que se trata de uma produção feita por estrangeiros e que está sendo muito bem recebida pelo público que não fala espanhol, que pode não perceber as nuances da fala mexicana.>
No caso de Selena Gomez em particular, desde os primeiros diálogos do filme é possível perceber rapidamente que o espanhol não é a primeira língua da personagem, que é uma mulher americana.>
De qualquer forma, para Derbez a interpretação da estrela pop "é indefensável": "Eu estava assistindo com pessoas que se entreolharam e disseram: 'Uau, o que é isso?'">
"Sinto que em Cannes lhe deram um prêmio e nos Estados Unidos não se comenta esse aspecto porque não falam espanhol e não perceberam isso.">
O comentário viralizou e o ator e produtor mexicano recebeu uma avalanche de críticas.>
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A própria Selena Gomez respondeu dizendo que entendeu as críticas e garantiu que sua pronúncia foi a melhor que conseguiu com o pouco tempo que teve para se preparar.>
"Isso não diminui quanto trabalho e coração foram colocados neste filme", disse ela.>
Pouco depois, Derbez pediu desculpas por suas palavras: "Peço verdadeiramente desculpas pelos meus comentários imprudentes. Eles são indefensáveis e vão contra tudo o que defendo", escreveu.>
A diretora de elenco do filme, Carla Hool, explicou que alertou o diretor Jacques Audiard sobre os sotaques de Selena Gomez e Zoe Saldaña, e incluiu no roteiro que os dois personagens que interpretam não são mexicanos.>
Gaby Meza destaca que, justamente uma primeira fonte de críticas ao filme no México foram os clipes que circularam na internet e que mostram o sotaque e a pronúncia dos protagonistas.>
"O que chega a muitas pessoas são memes ou clipes com sotaque e voz espanhola, diálogos que não são mexicanos", diz Meza.>
"Mas o que Eugenio Derbez disse faz muito sentido, porque se você é alheio a uma língua, não consegue entender as nuances de uma interpretação", ressalta.>
"Se eu assistir a um filme japonês, pode parecer uma boa atuação, mas não consigo entender a intenção das palavras, se a entonação está correta ou não, nem as nuances, porque não falo essa língua", acrescenta.>
Outra das grandes críticas ao filme no México foi sobre o elenco.>
Das personagens principais, apenas uma, Epifania Flores, é interpretada por uma atriz mexicana, Adriana Paz.>
Em entrevistas, o diretor de elenco indicou que as primeiras audições foram realizadas no México e que a seleção depois foi aberta para outros países da América Latina, para Espanha e Estados Unidos.>
Segundo ele, no final Karla Sofía Gascón, Zoe Saldaña e Selena Gomez foram as que melhor se encaixavam nos papéis principais.>
"Audiard olhava para todos da mesma forma. Ele não estava dizendo que queria uma atriz famosa. Ele só queria a melhor atriz para o papel. E acabou sendo Selena e Zoe", disse Hool.>
O fato de a diretora de elenco ter dito que não conseguia encontrar atrizes no México para os papéis principais também foi fonte de críticas.>
A atriz Karla Sofía Gascón, por sua vez, saiu em defesa de sua obra e do filme em postagem no X, e o fato de ter descrito os críticos do filme como "quatro gatos" (algo como "meia dúzia de gatos-pingados") suscitou ainda mais ataques.>
>Quiero dar las gracias a todo México y a los mexicanos, sé perfectamente que todo este odio injustificado no parte de ustedes, simplemente son cuatro gatos con muchossss y variados intereses de por medio. Es más, la prueba la van a tener el día del estreno con las salas llenas y… pic.twitter.com/OhtsJnjAUB— Karla Sofía Gascón (@karsiagascon) December 18, 2024
"Cada declaração do elenco e da equipe de Emilia Pérez é mais ofensiva que a anterior e revela descaradamente a forma depreciativa e desdenhosa como as pessoas pensam sobre o México", escreveu o usuário Luis Ruiz na rede social X.>
Para Gaby Meza, esse é mais um ponto que faz o filme gerar "resistência" no México.>
Mas, para ela, tanto o sotaque das atrizes quanto o roteiro ou a ausência de atrizes mexicanas são problemas menos importantes do que a forma como o filme apresenta a realidade da violência das drogas e dos desaparecidos no México.>
Na trama, a mudança de gênero de Emilia Pérez é acompanhada por uma transformação de consciência: a ex-chefe do mundo violento do tráfico de drogas cria uma organização para encontrar desaparecidos no México.>
A forma como o tema é abordado gerou múltiplas críticas no México, por se tratar de um tema muito delicado em um país com mais de 100 mil pessoas desaparecidas, segundo dados oficiais.>
"Supor que, ao realizar sua transição, o homem selvagem e cruel que ordenou centenas de assassinatos de repente se transforme em uma mulher empática e comprometida com os mais fracos é um malabarismo narrativo imperdoável", disse o escritor mexicano Jorge Volpi em uma coluna de opinião no o jornalEl País.>
"No final, a redenção de Emilia Pérez acaba sendo tão falsa – e tão desrespeitosa para com o espectador – quanto o sotaque de Selena Gomez ou a falsa determinação de Audiard em abordar, sem o menor conhecimento ou empatia, o doloroso tema dos desaparecidos no México", acrescentou.>
Questionado, o diretor do filme reconheceu que não investigou muito a realidade dessa questão no México.>
"O que eu tinha que entender eu já sabia um pouco", disse ele em declarações que apenas colocaram mais lenha na fogueira.>
Para Gaby Meza, o filme é percebido pelos mexicanos como "uma exploração de uma tragédia atual no México, do tráfico de drogas e dos desaparecidos devido à violência, para gerar um produto de entretenimento".>
"E até pode se pensar que existem muitas séries sobre narcotráfico que se apropriam de temas da narcocultura para contar histórias", reflete Meza.>
"A diferença aqui tem a ver com tudo o que os elementos se combinam: um diretor francês que disse não ter estudado o México porque o que sabia era o que precisava saber; uma diretora de elenco que diz ter procurado gente no México, na América Latina e nos EUA, mas que no final as atrizes selecionadas eram as melhores opções; uma tentativa de empatia com as vítimas de desaparecimento sugerindo que o vilão se arrepende e fica tudo bem", completa.>
Apesar de tudo isso, Meza considera que é valioso que um realizador tenha dado uma abordagem inovadora a um tema complexo como o tráfico de drogas e a violência, especialmente se tratando de um musical.>
"É muito importante que cada pessoa faça sua própria leitura.">
"É muito válido que no México haja pessoas que gostem do filme, que pensem que ele retratou bem [o país], que não é insensível. E é válido também que haja quem diga o contrário, que não, que não representa o México.>
"A maravilha do cinema é que cada pessoa pode interpretá-lo à sua maneira.">
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