Publicado em 11 de setembro de 2025 às 04:32
Marcos (nome fictício) trabalhou quase dez anos no Itaú na área de tecnologia. Foi promovido e premiado por desempenho. Ainda assim, foi demitido nesta semana sob a acusação de baixa produtividade no home office.>
Quando a notícia chegou, não era exatamente inesperada. >
Ele havia acabado de saber que um colega tinha sido desligado. Pouco depois, seu coordenador perguntou quando ele iria ao escritório — Marcos trabalhava em regime híbrido e só ia ao local ocasionalmente. Ao chegar, foi levado a uma sala diferente da habitual, onde soube da demissão.>
Ele pediu que a BBC News Brasil preservasse seu nome verdadeiro, pois está em busca de novo emprego.>
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O motivo oficial alegado por seu supervisor foi "baixa produtividade no home office, atrelada ao tempo de tela.">
"Já trabalhei em final de semana, mais de sete dias seguidos. Isso nos últimos seis meses. Mesmo assim, foi alegado que eu tinha baixa produtividade.">
Marcos estava na lista de cortes que o banco promoveu no início desta semana e que mobilizou o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. O Itaú não divulga o número total, mas o sindicato fala em pelo menos 1 mil desligamentos.>
O motivo das demissões seria um problema de produtividade — com funcionários em home office trabalhando menos horas efetivas do que o registrado na plataforma de trabalho da empresa.>
"Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco", afirma a nota do Itaú a veículos de imprensa.>
Mas como o Itaú media essa produtividade dos trabalhadores remotos?>
A empresa considera o uso de mouse ou teclado, de softwares licenciados, se entrou em chamadas de vídeo, enviou mensagens, fez cursos à distância, dentre outras métricas. >
Há exceções para esse controle: segundo a empresa, a política de monitoramento não permite capturar telas, áudios ou vídeos.>
O Itaú disse que esse modelo híbrido, adotado desde 2022, dá mais autonomia aos funcionários. Mas também demanda um controle da jornada. >
O banco afirma que esse controle estava previsto em políticas internas assinadas pelos colaboradores e em acordo com os sindicatos.>
Mas Marcos diz que nunca ficou claro como esse monitoramento era feito.>
"A gente suspeitava, porque tem um monte de monitoramentos nos nossos computadores. Mas não sabíamos que monitoravam cliques, alt tab, scroll, tempo em reunião, coisas assim", disse. >
"Várias vezes almocei na frente do computador porque não podia parar naquele momento, depois tirei minha pausa do almoço mais tarde. Mesmo assim, isso não foi visto.">
O banco diz ter identificado uma minoria de trabalhadores com baixos níveis de atividade digital e que isso seria um comportamento padrão, não uma situação pontual. Algumas pessoas teriam trabalhado só em 20% do tempo, de forma sistemática.>
Marcos reclama de não ter tido a oportunidade de provar que trabalhou em tempo integral, sem pausas.>
"Eu não posso nem provar, pois não vi qual era minha porcentagem (de tempo trabalhado). Ouvi falar que era 80% fora da máquina. Eu sei que nunca fiquei trabalhando apenas duas horas e depois fiquei em outro lugar. Sempre fiz minhas oito horas. Não vimos a plataforma, não sabemos como é. Então só ficamos na suspeita e querendo saber por quê. Por que essas pessoas foram escolhidas, como foram escolhidas?">
Segundo ele, os cortes foram feitos de forma abrupta, sem diálogo prévio. "Não teve feedback. Não foi nada avisado, conversado. Rodou um facão e quem estava com a perna embaixo foi cortado", afirmou.>
"É preocupante. Chega um momento em que percebemos que nos dão o home office como benefício, mas no final eles encontram uma desculpa que não faz sentido. Meu coordenador falou que eu era produtivo e que ele não tinha planos de fazer isso.">
Marcos diz que não pensa em processar a empresa e que já está em busca de novos empregos. "Sabemos que isso queima um pouco no mercado. Sou jovem e acho que isso não vale a pena.">
O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região questionou o Itaú sobre a falta de transparência nas medidas adotadas. E alega que o número de desligamentos é excessivo, desproporcional e injustificável.>
A organização diz ainda que "não é razoável usar mecanismos de monitoramento e vigilância para justificar cortes em massa. É preciso estabelecer limites claros para a vigilância digital, pois esse tipo de prática pode gerar pressão excessiva, afetar a saúde mental e criar um ambiente de trabalho opressivo".>
Para o advogado especialista em direito de trabalho e professor da FGV Direito Rio Paulo Renato Fernandes da Silva, é direito do empregador fiscalizar os empregados.>
"Se o empregado trabalha em casa, dentro da empresa ou dentro de um cliente, em tese, a empresa continua com poder de fiscalizar.">
Ele ressalta, no entanto, que é recomendável que os contratos tratem de como será feito esse monitoramento.>
"É muito importante que os contratos criem, por exemplo, cláusulas que expliquem que há algum tipo de controle. É o recomendável. A forma de controle, em tese, deve ser combinada com o trabalhador. Para que ele possa corresponder àquela situação. É uma espécie de dever de boa fé, de lealdade, transparência, deveres inerentes ao contrato de emprego.">
Ele lembra que a legislação brasileira prevê que o empregado pode ser desligado a qualquer momento, sem a necessidade de comunicar o motivo. Mas que há boas práticas adotadas por empresas, como dar mais prazo ao funcionário, conversar previamente com o trabalhador, oferecer cursos de capacitação, dentre outras opções.>
O Itaú confirmou os desligamentos em uma nota e disse que eles são "decorrentes de uma revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada.">
Disse ainda que "em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco" e que "essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade.">
Destacou também que o monitoramento de atividades digitais tem respaldo em diversas políticas internas e assinadas por seus colaboradores não apenas em seus contratos de trabalho, como também na retirada de equipamentos corporativos, entre outros termos.>
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