Publicado em 6 de maio de 2025 às 05:39
Na quarta-feira (7/5), começa o conclave que irá escolher o sucessor do papa Francisco (1936-2025). A eleição papal irá seguir as regras básicas estabelecidas há vários séculos.>
O papa Gregório 10 (1210-1276) foi quem determinou que os cardeais encarregados de eleger o líder máximo da Igreja Católica deveriam ser encerrados e isolados do mundo exterior, para poderem tomar uma decisão tão relevante.>
Algumas regras sofreram modificações ao longo dos séculos. Mas as bases essenciais estabelecidas no século 13 se mantêm em vigor até os dias de hoje.>
Gregório 10 sequer era sacerdote quando foi eleito papa. Seu pontificado durou apenas cinco anos (1271-1276), mas ele se tornaria um dos papas mais transcendentais da história.>
>
Para compreender a vida daquele pontífice, é preciso conhecer seu momento histórico.>
Em meados do século 13, a Cristandade estava profundamente dividida.>
Desde o século 11, a vida na Europa era marcada pela disputa entre o papado e o império formado pelo rei dos francos, Carlos Magno (742-814).>
Hoje conhecido pelos historiadores como Sacro Império Romano Germânico, ele ocupava principalmente os territórios da atual Alemanha.>
"O papa e o imperador do que hoje chamamos de Sacro Império Romano Germânico mantinham uma queda de braço pela liderança da Cristandade", declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o catedrático em História Medieval Alejandro Rodríguez de la Peña, da Universidad San Pablo CEU de Madri, na Espanha.>
"Os imperadores enfrentaram os papas ao longo de vários séculos, a ponto de chegarem a enfrentamentos militares", conta o professor. "E o último grande imperador, Frederico 2º [1194-1250], havia sido excomungado.">
A estes dois grandes poderes, somava-se a França recém-unificada, que havia completado a conquista do sul da Itália, formando "um panorama internacional que não poderia ser mais complexo", segundo Rodríguez de la Peña.>
Este era o mundo quando, no dia 29 de novembro de 1268, morreu em Viterbo o papa Clemente 4º (1190-1268).>
Na época, Viterbo pertencia aos Estados Pontifícios, que ultrapassavam em muito as fronteiras do atual Vaticano. Hoje, a cidade faz parte da Itália.>
Seguindo a tradição, os cardeais eleitores se deslocaram para o lugar onde morreu o papa para eleger seu sucessor.>
Mas os cardeais estavam divididos em dois grupos, que refletiam as tensões daquele momento.>
Por um lado, um grupo de cardeais italianos se alinhava com os interesses do Império. Eles eram conhecidos como gibelinos.>
Por outro, os cardeais franceses não aceitavam que o enorme poder político, econômico e religioso da Igreja Católica da época ficasse sob o controle do Sacro Império Romano Germânico. Eram chamados de guelfos.>
A rivalidade era tão grande que meses se passaram, sem que os cardeais conseguissem chegar a um acordo. Nenhum candidato conseguia a maioria qualificada necessária, o que prolongava a duração do conclave.>
A eleição duraria quase três anos – o mais longo conclave da história da Igreja Católica.>
Cansados de esperar por um desfecho, os governantes da cidade de Viterbo encerraram os cardeais no palácio onde eram realizadas as reuniões. Eles chegaram a limitar a quantidade diária de alimento, para forçar os eleitores a chegar a um acordo.>
Por fim, o conclave acabou elegendo o arquidiácono Teobaldo Visconti, que nunca havia sido ordenado sacerdote. Naquele momento, ele estava em cruzada contra os muçulmanos, na cidade de São João de Acre, no Oriente Médio.>
"Por que eles escolheram um personagem menor que, além disso, estava no outro lado do mundo é um mistério que não conseguimos solucionar com as fontes disponíveis", afirma Rodríguez de la Peña.>
Visconti era italiano. Apesar de não ter recebido as ordens sacerdotais, ele havia conhecido e trabalhado com muitos cardeais franceses em diversas funções.>
Por isso, ele tinha muito bons contatos e "podemos especular que talvez tenha sido eleito como um candidato de compromisso", segundo o historiador espanhol.>
Mas a interrupção ocorrida na Igreja Católica não se encerrou imediatamente. Visconti levou meses para regressar da Terra Santa – e também precisou ser ordenado sacerdote e nomeado bispo de Roma antes de ser coroado papa.>
Uma vez no trono de São Pedro, "Gregório 10 demonstrou que seria um papa independente, que não se deixaria pressionar e acabou fazendo um bom papado", conta Rodríguez de la Peña.>
O novo papa tentou curar as feridas internas da Igreja Católica. Ele procurou o entendimento com a Igreja Ortodoxa e destacou a importância de encerrar as Cruzadas com a reconquista da "Terra Santa".>
Mas seu legado mais importante seria outro.>
Gregório 10 tentou fortalecer a independência da Igreja Católica frente aos "poderes terrenos" com a bula Ubi periculum, promulgada no Concílio de Lyon, na França, em 1274.>
Segundo Rodríguez de la Peña, "a bula tenta isolar os cardeais eleitores das influências perniciosas do exterior e das pressões dos governantes da época, interessados em controlar uma instituição tão poderosa no mundo medieval, como a do papado".>
A bula estabelecia que os cardeais deveriam permanecer isolados e incomunicáveis no palácio onde morreu o papa. E, salvo por motivo de doença, só poderiam abandonar o local depois da eleição do sucessor.>
Eles deveriam viver em comunidade, separados apenas por telas por toda a duração do conclave. E, a partir do terceiro dia, somente seria permitido um prato diário de comida.>
A partir do oitavo dia, os cardeais só poderiam comer pão e água.>
As disposições dificultavam a vida dos cardeais ao longo da duração do conclave. A aparente intenção de Gregório 10 era forçar um acordo, evitando que se repetissem as circunstâncias ocorridas na sua própria eleição.>
Rodríguez de la Peña também destaca uma dimensão teológica das regras. Para ele, "a ideia é que o isolamento e a ausência de pressões externas dos poderes da época permitisse que eles ouvissem a voz do Espírito Santo e tomassem uma boa decisão sob sua inspiração".>
Gregório 10 morreu em 1278. Ele foi beatificado em 1713.>
Algumas das suas disposições mais rigorosas para a eleição papal foram suavizadas por pontífices posteriores e outras caíram em desuso.>
Mas a ideia essencial do isolamento dos cardeais eleitores é mantida até os dias de hoje – e voltará a ser praticada no conclave que irá eleger o sucessor do papa Francisco.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta