Publicado em 9 de janeiro de 2024 às 06:56
A vacina contra a dengue conhecida como Qdenga foi incorporada no Programa Nacional de Imunizações (PNI) pelo Ministério da Saúde, e a previsão é que comece a ser oferecida a partir de fevereiro de forma gratuita.>
Com essa iniciativa, o Brasil se torna o primeiro país do mundo a oferecer o imunizante no sistema público de saúde.>
Em clínicas privadas, a Qdenga também está disponível em países da União Europeia, Indonésia, Tailândia e Argentina.>
A vacina é fabricada pela farmacêutica Takeda Pharma e ainda não será oferecida em larga escala porque a empresa ainda possui uma capacidade restrita de fornecimento de doses.>
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Por isso, o início da vacinação será focado em público e regiões prioritárias — a escala é baseada na incidência de casos da doença, segundo o Ministério da Saúde.>
As doses poderão ser tomadas por pessoas de quatro a 60 anos, mesmo se a pessoa nunca teve dengue, o que é uma mudança importante em relação à última vacina aprovada pela Anvisa no Brasil, a Dengvaxia, que tinha como pré-requisito uma infecção prévia. >
No início do último mês de dezembro, o Ministério da Saúde divulgou um boletim mostrando um aumento de 15,8% nos casos de dengue no Brasil em 2023, em comparação ao ano anterior. >
As ocorrências saltaram de 1,3 milhão em 2022 para 1,6 milhão. >
No mesmo ano, o Brasil registrou o maior número de mortes por dengue em um único ano, conforme revelado pelo painel de monitoramento das arboviroses do Ministério da Saúde. >
Até o dia 27 de dezembro, foram confirmados 1.079 óbitos, e outros 211 estão em processo de investigação, aguardando resultados.>
"As alterações climáticas em curso impactam tanto as temperaturas quanto a quantidade de chuvas, e no Brasil, ambos os fatores aumentaram. Isso favorece a proliferação do mosquito Aedes aegypti e eleva a probabilidade de transmissão da dengue. Precisamos estar muito atentos à situação epidemiológica em 2024, há uma grande risco de aumento nos casos", diz Cláudia Codeço, pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do InfoDengue.>
Confira abaixo cinco pontos importantes sobre como vai funcionar a vacinação contra a dengue no Brasil.>
A vacina contém vírus vivos atenuados da dengue, que foram enfraquecidos de forma controlada. >
Essa técnica permite desencadear uma resposta imunológica eficaz sem causar a doença completa, possibilitando uma reação mais rápida do corpo em casos de exposição real à doença.>
A vacina deve ser administrada em um esquema de duas doses, com intervalo de 3 meses. >
A dengue possui quatro sorotipos, e quando alguém é infectado por um deles, adquire imunidade contra aquele tipo específico, mas ainda fica suscetível aos demais. >
Embora a empresa responsável pela vacina tenha divulgado uma eficácia global de 80%, esse percentual engloba os resultados de todos os sorotipos. >
Ao analisá-los individualmente, a eficácia do imunizante variou para cada sorotipo.>
Passados 18 meses após a segunda dose, para o tipo 1, a taxa foi de 69,8%. Para a dengue 2, o melhor resultado, de 95,1%, e para o subtipo 3, o menos satisfatório, de 48,9%. >
Em relação ao subtipo 4, a Takeda afirmou à BBC News Brasil que a quantidade de casos testados não foi suficientemente alta para chegar a uma conclusão. >
Felipe Naveca, pesquisador em saúde pública da Fiocruz, destaca que a eficácia reduzida contra o subtipo 3 e a ausência de dados para o subtipo 4 são desafios do imunizante administrado em um número elevado de pessoas.>
Como pano de fundo, está a ressurgência de ambas as variantes da dengue no Brasil, após um período prolongado sem novos casos no país — 15 anos sem casos de dengue 3 e 5 anos sem casos de dengue 4.>
"Temos uma parcela significativa da população com até 15 anos que não teve exposição principalmente à dengue 3, que apareceu pela última vez em 2008. Isso os torna suscetíveis à infecção por esse vírus", diz Naveca, que coordena laboratórios de arboviroses e viroses emergentes da Fiocruz. >
Os sorotipos 3 e 4 não causam, necessariamente, quadros mais graves. >
Na dengue, a gravidade da doença está associada à infecção secundária — ou seja, uma pessoa que teve dengue pela primeira vez, seja por qualquer sorotipo, corre um risco maior de desenvolver uma forma mais severa ao ser infectada novamente.>
Assim, para quem for se vacinar, é importante considerar a proteção menor quando a infecção secundária for por dengue 3 ou 4.>
Apesar disso, o pesquisador reforça que a boa eficácia da nova vacina contra a dengue 1 e 2, e a possibilidade de ela reduzir os riscos de uma segunda infecção pela doença são pontos positivos, especialmente para populações que vivem em áreas endêmicas. >
Embora os grupos mais vulneráveis aos casos graves e mortes por dengue sejam crianças pequenas e idosos, segundo a Anvisa, a Qdenga é indicada para quem tem mais de quatro anos e para adultos com até 60 anos — não há estudos para avaliar a eficácia e a segurança da vacina fora dessa faixa etária. >
Pode receber o imunizante quem já teve dengue e também quem nunca foi infectado. >
No entanto, gestantes, lactantes e pessoas com alergia a algum dos componentes presentes no imunizante, quem tem o sistema imunológico comprometido ou alguma condição imunossupressora não podem ser vacinadas com a Qdenga.>
O registro do imunizante foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março de 2023. >
Desde então, sua aplicação está autorizada no país, e as doses passaram a ser comercializadas em clínicas particulares, com o valor variando entre R$ 300 e R$ 800.>
Em outubro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) passou a recomendar a vacina contra a dengue desenvolvida pela Takeda.>
Em nota, o órgão destacou que a doença "representa um fardo significativo para a saúde pública em países endêmicos" e alertou que esse impacto "deverá aumentar ainda mais, tanto em termos de incidência como de expansão geográfica, devido às alterações climáticas e à urbanização".>
Além de receber o registro sanitário, os imunizantes precisam ser avaliados pela Conitex (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), um órgão que assessora o Ministério da Saúde na incorporação, exclusão ou alteração de medicamentos, procedimentos e equipamentos oferecidos no SUS.>
A análise da Conitec busca avaliar a eficácia (como a tecnologia em saúde age no contexto de um estudo clínico), a efetividade (como ele age no contexto real) e a segurança do produto em análise. >
Para a Qdenga, a consulta pública começou no dia 6 de dezembro de 2023 e a vacina teve aprovação para ser incluída no PNI (Programa Nacional de Imunizações) em 21 de dezembro.>
O virologista Flavio Fonseca afirma que a aprovação foi rápida, possivelmente pela experiência que os órgãos regulatórios adquiriram durante a pandemia da covid-19.>
"Eles estão realmente mais ágeis no recebimento e avaliação de dados preliminares, pré-clínicos e clínicos, dada a experiência que vivemos", afirma ele, que é professor no CTVacinas (centro de pesquisas em biotecnologia) e no departamento de Microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).>
Dourados, no Mato Grosso do Sul, foi a primeira cidade brasileira a começar a vacinação em grande escala, iniciada na última quarta-feira (3/1).>
Essa oportunidade antecipada para o município ocorreu por meio de uma parceria entre a Secretaria de Saúde local e a Takeda, responsável pela fabricação da vacina.>
Em outras partes do Brasil, o Ministério da Saúde planeja iniciar a vacinação a partir de fevereiro, com um calendário a ser divulgado em breve. >
No entanto, inicialmente, a imunização não será realizada em larga escala, sendo direcionada para públicos e regiões prioritárias.>
Isso se deve ao fato de que a empresa Takeda comunicou que sua capacidade de fornecimento da vacina Qdenga é limitada. >
O laboratório já estabeleceu um cronograma de entrega das 5,082 milhões de doses previstas para 2024.>
O esquema vacinal será composto por duas doses, que devem ser aplicadas com intervalo de três meses uma da outra.>
A distribuição das doses previstas pelo PNI, é:>
A Dengvaxia, uma vacina contra a dengue desenvolvida pela farmacêutica Sanofi, foi aprovada em 2015 por várias agências regulatórias globais, incluindo a Anvisa.>
Os dados eram suficientemente bons para a aprovação. >
Mas, com o passar do tempo, e a aplicação da vacina em larga escala, com grupos muito maiores do que o que foi usado no estudo, descobriu-se que esse imunizante poderia aumentar o risco de dengue grave em indivíduos sem histórico prévio de exposição ao patógeno antes da vacinação.>
Consequentemente, as doses passaram a ser recomendadas apenas para aqueles com histórico da doença, visando proporcionar proteção contra a infecção, que causa quadros mais graves. >
Antes da administração das doses, era necessário realizar um exame de sangue para verificar a presença de anticorpos contra qualquer sorotipo da dengue.>
Na prática, as restrições acabaram eliminando a vacina como uma candidata para implementação na rede pública de saúde.>
"Essa vacina, aprovada anteriormente, apresenta diversas limitações. Além do pré-requisito de teste, exige a aplicação de três doses, com intervalos de seis meses, para conferir proteção. Diante dessas considerações, nunca houve uma perspectiva realista de sua aplicação em larga escala na saúde pública", afirmou o médico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em entrevista à BBC News Brasil em março de 2023.>
Na avaliação do virologista Flavio Fonseca, a vacina da Sanofi tinha uma série de limitações que a Qdenga não apresentou.>
"É claro que a Quedenga é nova e pode ser que problemas surjam no futuro, como todo novo medicamento. Apenas quando uma vacina é licenciada é que você tem um uso internacional grande o suficiente para que você comece a detectar problemas que normalmente nos testes não surgem.">
Ainda assim, o especialista considera a aprovação um passo importante. >
"Mesmo considerando possibilidades de efeitos adversos, que todos os medicamentos, incluindo os simples como aspirina e dipirona, têm, em termos individuais, eles são muito menos frequentes ou graves do que a infecção pelo vírus da dengue pode causar.">
O governo brasileiro também aposta na produção nacional de imunizantes para o combate à dengue. >
Atualmente, o Instituto Butantan tem uma vacina em fase de testes e o pedido para aprovação do medicamento na Anvisa deve ser feito no ano que vem. >
Em nota, o instituto diz que a vacina, que é tetravalente, está na fase 3 dos ensaios clínicos. >
"A previsão para o término do estudo é 2024, quando o último participante completar 5 anos de acompanhamento. Em dezembro de 2022, o instituto divulgou os resultados preliminares do estudo, que mostram 79,6% de eficácia geral para prevenir casos de dengue sintomática.">
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