Publicado em 19 de fevereiro de 2025 às 18:44
Embora a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro (PL) tenha sido formalizada na noite desta terça-feira (19/2), a estratégia do presidente para tentar se esquivar já vinha sendo pavimentada há um tempo.>
Na própria terça, poucas horas antes da denúncia, Bolsonaro se encontrava com senadores aliados para tentar desenterrar o projeto da Lei da Anistia que pode vir a beneficiá-lo em uma eventual condenação (leia mais abaixo).>
Dias antes, o ex-presidente foi às suas redes sociais convocar seus seguidores a uma manifestação em março, em prol de pautas diversas. Dentre elas, "fora Lula". >
Bolsonaro foi acusado formalmente de ter liderado um plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). >
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A Procuradoria pede que o ex-presidente responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. >
Bolsonaro e sua defesa negam as acusações.>
Caberá agora ao Supremo Tribunal Federa (STF) analisar se aceita a denúncia, que inclui outras 33 pessoas, incluindo seu ex-ministro da Casa Civil, general Braga Netto, que concorreu a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.>
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Essa é a quarta vez que um ex-presidente é denunciado criminalmente. Na esteira de Bolsonaro, Lula, Michel Temer (MDB) e Fernando Collor (PRD) já passaram por isso. >
No entanto, é a primeira em que um ex-presidente é denunciado por atentar contra a democracia.>
No âmbito da Justiça Eleitoral, Bolsonaro está inelegível até 2030, devido a duas ações julgadas em 2023. >
Ele foi acusado de abuso do poder político e de uso indevido dos meios de comunicação, por ter atacado a lisura do processo eleitoral brasileiro em uma reunião com embaixadores em julho de 2022, e ter usado as celebrações do 7 de setembro para fins eleitorais.>
Enquanto os advogados dos acusados, incluindo Bolsonaro, preparam a defesa prévia e as possíveis contestações da denúncia, o ex-presidente e seus aliados correm por diferentes frentes no contra-ataque.>
Na iminência da formalização da denúncia, Bolsonaro publicou um vídeo na segunda-feira (17/2) convocando seus seguidores para uma manifestação, que já estava marcada, para o dia 16 de março em várias cidades do país.>
No vídeo, Bolsonaro diz que estará presente em Copacabana, no Rio de Janeiro, junto a um dos principais aliados, o pastor Silas Malafaia, "e outras lideranças". >
Malafaia, que republicou o vídeo do ex-presidente convocando para os atos, até o fechamento desta reportagem ainda não havia publicado nada referente à denúncia da PGR.>
A pauta da manifestação é, segundo Bolsonaro, "liberdade de expressão, segurança, custo de vida, fora Lula 2026 e anistia" aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.>
Em São Paulo, o ato tem sido organizado por Carla Zambelli, cujo mandato de deputada federal foi cassado no fim de janeiro pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo.>
O TRE acusou a ex-deputada, que também está inelegível por oito anos, pelas práticas de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. >
Segundo o Tribunal, Zambelli divulgou informações inverídicas sobre o processo eleitoral de 2022.>
Após a denúncia contra Bolsonaro nesta terça, Zambelli publicou uma nota em sua rede social dizendo que a manifestação é "essencial para restaurar a normalidade democrática em nosso país".>
Poucas horas antes da denúncia da PGR ser formalizada, Bolsonaro fazia uma visita ao Senado para articular a votação do projeto que prevê anistia aos envolvidos no 8 de janeiro.>
De autoria do ex-vice-presidente e hoje senador general Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a última tramitação do PL da Anistia ocorreu em agosto do ano passado.>
Na expectativa de tentar desenterrar a proposta, Bolsonaro almoçou com o bloco Vanguarda do Senado, que inclui parlamentares do seu partido, o PL, e do partido Novo.>
Além do projeto de Mourão no Senado, tramitam na Câmara outros sete projetos relacionados a anistia de manifestantes, alguns apresentados antes e outros, depois do 8 de janeiro.>
A acusação feita pela PGR nesta terça afirma que Bolsonaro era um dos líderes de uma organização criminosa que contribuiu no 8 de janeiro, "para a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União" e "com violência à pessoa e grave ameaça, emprego de substância inflamável e gerando prejuízo considerável para a União".>
Após o almoço que teve com aliados no Senado na terça, Bolsonaro disse à imprensa que já havia quórum na Câmara para aprovar a anistia.>
"Juridicamente falando, o PL da Anistia poderia beneficiar Bolsonaro", em uma eventual condenação, afirma Davi Tangerino, professor de Direito Penal na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).>
Para o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rogério Taffarello, ainda há muita incerteza acerca do projeto. "Quem deve ter a última palavra deve ser o Judiciário, caso esse projeto venha a vingar", afirmou. >
"Se for irrazoável, a Constituição é cheia de regras e princípios que costuma trazer as tomadas de decisões políticas a um nível de razoabilidade.">
Outra linha de estratégia dos aliados ao ex-presidente Bolsonaro é a alteração da Lei da Ficha Limpa. >
A lei, que entrou em vigor em 2010, endureceu os parâmetros que impedem pessoas a participar do processo eleitoral e aumentou de três para oito anos o período de inelegibilidade, estabelecido, até então, por uma legislação de 1990.>
Mas um projeto que tramita na Câmara dos Deputados, apresentado por parlamentares em sua maioria do PL, prevê mudar o período de inelegibilidade para dois anos. >
Durante sua tramitação na Câmara, o projeto foi anexado a outra proposta, que relaxa os parâmetros, indicando que a proibição da candidatura só ocorra em casos de processo penal e só se houver condenação em última instância ou por órgão colegiado.>
Todas as mudanças, se forem aprovadas, beneficiariam Bolsonaro, que foi declarado inelegível no âmbito da Justiça Eleitoral por oito anos, até 2030.>
Por isso, para Marlon Reis, advogado e idealizador da lei, a proposta é casuística. >
"Essa é uma manobra que tem endereço certo", afirma. "O texto se dirige somente ao abuso de poder. As muitas outras hipóteses de inelegibilidade são mantidas, e isso entrega o caráter casuístico da norma.">
De acordo com ele, a alteração da lei, cuja proposta é por meio de uma lei complementar à Constituição, é inconstitucional e, portanto, inviável. >
"A redução do prazo [de inelegibilidade] torna a norma inócua, porque os mandatos são de quatro anos. Por isso, trata-se de uma revogação disfarçada de norma.">
Para ser aprovada, o projeto, que neste momento está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), precisa de maioria absoluta na Câmara dos Deputados.>
A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos é vista por Bolsonaro e seus apoiadores como uma possibilidade de ventos políticos mais favoráveis em meio às acusações e à sua inelegibilidade. >
Reportagem publicada pela BBC News Brasil mostrou que existe uma expectativa de que Trump e sua equipe possam fazer movimentos de apoio a Bolsonaro e até mesmo de pressão contra membros do Judiciário — que, no melhor cenário, poderia pressionar por uma rediscussão de sua inelegibilidade.>
A rixa entre Elon Musk, um dos maiores financiadores de Trump e hoje chefe do departamento de Eficiência Governamental dos EUA, e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, sustenta a tese de que apoiadores de Bolsonaro e Trump têm um inimigo em comum.>
A plataforma X, de Musk, chegou a ser suspensa no Brasil no ano passado depois que o bilionário se recusou a cumprir ordens judiciais de Moraes e do STF. Naquela época, Trump chegou a usar o caso da suspensão do X no Brasil como um exemplo dos perigos à liberdade de expressão em democracias ocidentais.>
Ao jornal americano The New York Times, Bolsonaro deixou claro que tem expectativas de que Trump seria capaz de alterar as correlações de força no Brasil de modo a favorecê-lo, embora tenha se recusado a especificar como isso seria feito.>
"Não vou tentar dar nenhuma dica a Trump, nunca", disse ele. "Mas espero que a política dele realmente se espalhe para o Brasil.">
Trump, por sua vez, não fez nenhum aceno público até o momento para Bolsonaro. >
O aceno, se ocorrer, será no máximo político. "Juridicamente, não há nada que Trump possa fazer", diz o advogado Rogerio Taffarello. "O Estado é soberano.">
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