Publicado em 20 de setembro de 2024 às 05:40
Uma série de detonações de aparelhos eletrônicos no Líbano — a segunda em uma mesma semana — atingiu um grande número de pessoas que estavam reunidas no funeral dos mortos pelas explosões de pagers ocorridas no dia anterior.>
Segundo o Ministério da Saúde libanês, as explosões de surpresa de walkie-talkies causaram pelo menos 25 mortes e mais de 450 pessoas ficaram feridas. Estes números se somam aos 12 mortos e milhares de feridos registrados no dia anterior.>
Em um dos funerais, alguns cidadãos se mostraram furiosos e desafiadores ao conversar com a BBC. Os médicos também descreveram as terríveis feridas que precisaram atender.>
Estas são as histórias relatadas por dois jornalistas da BBC na capital libanesa, Beirute.>
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Agora, todos desconfiam das pessoas que utilizam telefones e outros aparelhos, depois do atentado de terça-feira (17/9) com as explosões de pagers e da segunda onda de quarta (18/9), com os walkie-talkies.>
Enquanto se realizava o funeral dos mortos nas explosões, entre eles uma criança, ouvimos uma explosão que assustou as pessoas. A multidão começou a correr em diferentes direções.>
Precisamos abandonar o funeral e procurar um local seguro. Mas consegui conversar com pessoas que estavam presentes e ter uma ideia do que estava acontecendo.>
Eles se reuniram ali em grande número para o funeral de um menino de 11 anos e de três membros do grupo Hezbollah, mortos nos atentados com pagers da terça-feira.>
Homens, mulheres e até crianças saíram às ruas com cartazes com a foto do menino morto. Alguns ostentavam bandeiras amarelas do Hezbollah ou grandes bandeiras negras com a imagem do líder do grupo, Hassan Nasrallah.>
As mulheres lançaram pétalas de rosas sobre os caixões das vítimas. O cenário é muito familiar para pessoas como eu, que já presenciaram funerais de membros do Hezbollah no passado.>
Alguns pais trouxeram seus filhos para a cerimônia.>
As pessoas defendem que este episódio configura um grave crime contra a humanidade, mas que irá fortalecer ainda mais sua resistência e determinação.>
Seu tom era desafiador. Ao mesmo tempo, eram ouvidas orações em grandes alto-falantes. Algumas crianças estavam vestidas de escoteiros para se despedir do menino de 11 anos.>
Perguntei a um jovem se ele conhecia algum dos feridos ou falecidos.>
"Todo mundo conhece alguém", respondeu ele. "A dor é enorme, tanto física quanto no coração. Mas estamos acostumados com isso e prosseguiremos com a nossa resistência.">
Uma mulher de 45 anos ao meu lado no funeral disse, com um sorriso desafiador no rosto: "Isso irá nos tornar mais fortes. Quem perdeu um olho irá lutar com o outro e todos estaremos juntos.">
O cenário em frente ao hospital estava abarrotado de pessoas, mas relativamente tranquilo nesta manhã. Muitos familiares esperavam fora do hospital para receber notícias dos seus entes queridos.>
O ambiente contrastava com a noite anterior. O hospital foi tomado de choros e gritos, enquanto eram trazidos os feridos, imediatamente após as explosões.>
Consegui falar com o professor Elias Warrak, oftalmologista do Centro Médico Universitário do Hospital Monte Líbano. Ele me disse que o que viu na tarde de terça-feira (17/9) foi um pesadelo.>
"Foi o pior dia da minha vida", declarou ele.>
Sentado com ar tranquilo no seu consultório, ele declarou: "Desgraçadamente, precisei remover ontem à noite mais olhos do que em todos os meus 25 anos de carreira como médico".>
"Queria salvar pelo menos um dos olhos das vítimas [para salvar sua visão] e, em alguns casos, não consegui. Precisei extirpar os dois olhos porque as munições haviam entrado diretamente neles.">
Enquanto falava comigo no seu consultório, Warrak parecia sereno, mas sua tristeza era muito grande. Ele refletia sobre os acontecimentos e o que ele havia presenciado.>
"Foi muito difícil", contou ele. "A maioria dos pacientes eram jovens na casa dos 20 anos de idade. E, em alguns casos, precisei extirpar os dois olhos.">
"Nunca havia visto cenas parecidas com as de ontem em toda a minha vida.">
Warrak estava há quase 24 horas no hospital tratando as vítimas, apenas com um breve período de descanso. Ele elogiou os familiares das vítimas e sua capacidade de recuperação, por enfrentarem o que havia ocorrido com seus entes queridos com muita paciência.>
Cerca de 3 mil pessoas foram feridas e 200 delas ficaram em estado crítico. Em uma segunda onda de explosões, pelo menos 20 pessoas morreram e mais de 450 ficaram feridas, segundo o Ministério da Saúde do Líbano.>
O Hezbollah, apoiado pelo Irã, declarou que os pagers pertenciam "a funcionários de diversas unidades e instituições do Hezbollah".>
O grupo confirmou a morte dos seus combatentes e culpou Israel pelo ocorrido, como também fez o primeiro-ministro libanês. O exército israelense se recusou a comentar o episódio.>
Imediatamente depois das explosões, conversei com outros membros da equipe médica.>
"É muito delicado e algumas cenas são horríveis", declarou um funcionário do hospital. Ele acrescentou que a maioria das feridas ocorreu na região da cintura, do rosto, dos olhos e das mãos.>
"Muitos feridos perderam dedos — em alguns casos, todos os dedos", ele conta.>
Todo o país se encontra em estado de incredulidade e comoção. As pessoas são incapazes de entender o que realmente aconteceu.>
O que posso dizer é que é algo sem precedentes, nesta escala e desta natureza. É extremamente difícil de compreender, até mesmo para um país acostumado a eventos imprevisíveis.>
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